Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora –
Nação asiática ultrapassa a marca de 700 mil casos, superando a Rússia como o terceiro país com maior número de infectados do planeta
Quatro semanas atrás, o demógrafo José Eustáquio Alves, titular deste Diário da Covid-19, alertava sobre o avanço da pandemia na Índia e os vizinhos Paquistão e Bangladesh. Segundo país mais populoso do mundo, com cerca de 1,35 bilhão de habitantes, a Índia registrava, naquele 9 de junho, 276 mil casos e 7.750 mortes. Em quatro semanas, esses números quase triplicaram e levaram a Índia para o centro das preocupações mundiais: o país superou, nesta terça-feira (7/7) a barreira de 20 mil óbitos por covid-19 e chegou a mais de 700 mil casos, superando a Rússia como o terceiro país com maior número de infectados do planeta.
Com as 467 mortes desta terça, a Índia chegou ao dia 7 de julho com 20.160 óbitos – aumento de 160,1% no número de óbitos em quatro semanas. Para comparação, o Brasil já registrava naquele 9 de junho 38.402 mortes e, apesar da curva ascendente aqui, o crescimento do registro de vítimas fatais foi menos: subiu para 66.741, aumento de “apenas” 73,8%, no mesmo período. Nesta terça, a Índia registrou mais de 20 mil novos casos – 22.252 – pelo quinto dia consecutivo, alcançando 719.665 no total. O aumento em quatro semanas foi de 160,5%; no mesmo período, o número de casos no Brasil subiu menos: “apenas” 125. No domingo (5/7), o país asiático registrou o recorde de casos de covid-19 em 24h (24.850); no mesmo dia, foram 613 mortes, marca menor somente que em 19 de junho, quando houve uma grande confirmação de casos suspeitos e chegou-se a mais de 2 mil óbitos em um dia, um ponto fora da curva.
Todos os números atuais indicam que o vírus está se disseminando de maneira acelerada pelo país, com alta concentração populacional e precárias infraestruturas de saúde e saneamento. Na primeira semana de julho, a Índia registrou uma média de 450 mortes por dia, em comparação com 250 na primeira semana de junho e 101 na primeira semana de maio. Apenas cinco dias depois de ter superado a barreira dos 600 mil casos, o país chegou aos 700 mil, ultrapassando a Rússia e ficando atrás de Estados Unidos e Brasil no número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus.
De acordo com a revista Índia Hoje, o país está enfrentando não apenas uma alta taxa de crescimento no índice de mortes, mas também uma curva de mortalidade diária ascendente. A Unidade de Inteligência de Dados da revista, a principal do país, analisou estatísticas de países com mais de 10 mil mortes óbitos por covid-19 e constatou que a Índia teve, nas últimas três semanas, uma taxa de crescimento no número de mortes acima de 2,5%. Pela análise , em seguida, aparecem México (2,1%), Brasil e Peru (1,8%), Rússia (1,7%) e Irã (1,4%).
A Índia tem 29 estados e sete territórios da União: dez estados e territórios – Maharashtra, Tamil Nadu, Delhi, Gujarat, Uttar Pradesh, Telangana, Karnataka, Bengala Ocidental, Andhra Pradesh e Haryana – respondem por 92% das mortes por covid-19 e 84% dos casos no país. Em Maharashtra, está Mumbai, segunda cidade mais populosa, centro financeiro do país e ainda o epicentro da pandemia: foram registrados nesta terça 1.201 novos casos, elevando a contagem na metrópole de 12 milhões de habitantes para 85.326. O número de mortes por covid-19 em Mumbai está em 4.935.
Volta atrás na flexibilização
O governo indiano estabeleceu regras rígidas de circulação e isolamento da população, com restrições de viagens dentro do país, fechamento de fronteiras e proibição do comércio e de todos os serviços não essenciais, em 24 de março quando o número de casos positivos para o novo coronavírus não passava de 500 e havia registro de 10 mortes pela covid-19. A economia indiana sofreu como em todo o mundo: queda na produção industrial, colapso no comércio, disparada na taxa de desemprego. Trabalhadores informais, como em todo mundo, foram os mais prejudicados – e eles representam pelo menos 80% da força de trabalho indiana.
Especialistas apontam que os recursos transferidos para empresas e para a população durante os quase três meses de lockdown foram insuficientes o que fez aumentar a pressão para a reabertura do comércio e outros serviços enquanto grande parte dos trabalhadores informais começou, paulatinamente, a transgredir as regras de isolamento e circulação. No fim da segunda semana de junho, o governo iniciou o processo de flexibilização com a permissão circulação de ônibus e trens – inclusive entre cidades, o que estava proibido, e a abertura de shoppings, restaurantes e templos, com regras para distanciamento e higiene. Alguns governos estaduais liberaram outros serviços. As duas maiores cidades do país – Délhi e Mumbai, também com maior número de casos e mortes – mantiveram templos e shoppings fechados.
A disparada de casos na última semana de junho e na primeira de julho levou os governos a voltarem atrás no processo de flexibilização. Os sistemas de metrô das grandes cidades, cinemas, academias e piscinas, que deveriam abrir este mês, vão permanecer fechados. Os vôos internacionais ainda estão suspensos. As escolas não têm prazo para reabrir. O Taj Mahal, a maior atração turística da Índia, teve sua reabertura, prevista para segunda-feira, adiada. Em Mumbai, foram inaugurados, nesta terça, quatro hospitais de campanha com mais 3500 leitos para pacientes com covid-19 – um deles, com 700 leitos, foi erguido em um hipódromo. Nas principais cidades da Índia, já estão faltando leitos de UTI.
Governos estaduais também estão endurecendo medidas restritivas. Na Bengala Ocidental, no leste da Índia, foi decretado que, a partir desta quinta (9/7) será estabelecido novamente lockdown, a partir das 17h; a circulação entre cidades – inclusive para a capital do estado, Calcutá – também será restrita. No estado de Kerala, no extremo sudoeste do país, a capital, Thiruvananthapuram, está sob “um triplo lockdown”, de acordo com as autoridades, por conta da explosão de casos. Barricadas e barreiras policiais impedem a circulação entre áreas da cidade. O transporte público está suspenso. O transporte privado é permitido apenas para atividades essenciais. Quem sair de casa deve apresentar formulários de declaração assinados, informando as razões para estarem circulando na rua. Os policiais verificam os documentos e podem multar e indiciar criminalmente quem violar o bloqueio sem motivo.
Especialistas apontam motivos para o avanço rápido do número de casos apesar das rígidas restrições. A ìndia não conseguiu expandir os testes na medida necessária, especialmente em regiões historicamente subdesenvolvidas e vulneráveis; na parte oriental de Uttar Pradesh, o estado indiano mais populoso, um laboratório de testes atende 30 milhões de pessoas. Faltaram recursos para ampliar o número de profissionais e agentes de saúde para rastrear contatos e estabelecer quarentenas. O país também está tendo dificuldades de aumentar o número de leitos hospitalares de maneira significativa: as redes sociais indianas estão repletas de pedidos desesperados de parentes a de pessoas gravemente doentes com a covid-19, que imploram por ajuda para garantir uma vaga de UTI.
Acuado pelas más notícias, o governo indiano não nega a pandemia, mas destaca os esforços e apela para as estatísticas favorecidas pela sua condição de segunda país mais populoso do mundo. “A Índia tem uma taxa de recuperação de mais de 61% e uma mortalidade de 2,78%, apesar de ser um país de 1,35 bilhão de habitantes”, disse o ministro da Saúde, o otorrinolaringologista Harsh Vardhan, lembrando que a taxa indiana de casos por milhão de habitantes é de 505,37 contra a média global de 1.453,25.. Com os infectologistas apontando que a Índia ainda não chegou ao pico da pandemia, o ministro pode estar falando antes da hora.
Brasil nas manchetes
O teste positivo para covid-19 do presidente Jair Bolsonaro, que teve febre e tosse nos últimos dias, ganhou manchetes do mundo inteiro, até nos jornais de países como Estados Unidos e Índia, onde notícias preocupantes sobre a pandemia seguem dominando o noticiário. Mas nada como o Brasil que, passada a queda de registros natural de domingo e segunda, voltou a ter mais de 1.200 mortes, o maior número de óbitos em 24h de todo o mundo, e 48 mil casos – atrás apenas dos 54 mil dos EUA. Outras marcas só fizeram manchetes regionais: foram registrados recordes diários de mortes em Goiás (61) e no Rio Grande do Sul (39).