Covid-19: morte de idosos em casa cresceu 61%

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Por Agostinho Vieira, compartilhado de Projeto Colabora – 

Pesquisadoras alertam para os riscos da naturalização da morte e da vulnerabilidade dos maiores de 60 anos em tempos de pandemia

Uma indígena guarani idosa é acompanhada a um posto de saúde para um teste da covid-19 no campo da tribo São Mata Verde Bonita, em Maricá, no Rio de Janeiro. Foto Mauro Pimentel/AFP

“Terrível não é a morte, mas a velhice e o seu cortejo de injustiças”. A frase de Simone de Beauvoir, cunhada no início dos anos 1970, jamais deixou de ser atual, infelizmente. Mas nestes tempos de coronavírus ela escancara uma dramaticidade somente superada pela crueldade dos números que mostram o impacto da pandemia sobre essa parcela da população. Dados da Fiocruz revelam que, somente no Rio de Janeiro, nos meses de março, abril e maio, o total de mortos com mais de 60 anos cresceu 41,5% em relação ao mesmo período do ano passado. A causa do crescimento, obviamente, foi a covid-19. Dos mais de 18 mil idosos que morreram nesse período na cidade, cerca de 3 mil faleceram em casa, um crescimento de 61,1% quando comparado com o ano anterior.




Para a pesquisadora Dalia Romero, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz, responsável pela pesquisa, o Brasil sempre foi um território de alto risco para a população idosa, o que mudou com a pandemia foi a exacerbação do discurso de naturalização da morte e da vulnerabilidade, incluindo as falas de autoridades como o presidente Jair Bolsonaro: “A covid-19 é uma doença altamente transmissível, mas evitável, só depende de cada um de nós. Logo, quando alguém com mais de 60 anos morre dessa enfermidade podemos dizer que fracassamos como sociedade. Já quando alguém com menos de 60 anos morre de covid-19 trata-se, sem dúvida, de um grave crime social”, argumentou.

Arte Fernando Alvarus
Arte Fernando Alvarus

Dalia Romero foi uma das convidadas do Webinar “Idosos e Vulnerabilidades no contexto da pandemia de covid-19”, que ocorreu nesta quarta-feira, dia 8 de julho.  O debate foi promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde da Fiocruz e contou também com a participação da pesquisadora Gisela Castro, da Escola de Comunicação Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM/SP). A professora Gisela explicou o conceito de “idadismo” ou “velhismo”, um preconceito baseado na idade cada vez mais claro e menos velado: “O idoso está se tornando uma pessoa invisível diante da sociedade. Tem sido natural tratá-lo como um indivíduo que teria menos valor, que deveria ser menos respeitado ou que seria menos digno”, explica.

Gisela Castro classificou como estarrecedores alguns discursos que vêm sendo repetidos nestes quase quatro meses de pandemia. Pronunciamentos oficiais ou oficiosos que dizem que o coronavírus não seria tão grave pois atingiria “apenas” os mais velhos. Como se os idosos não tivessem direito à vida e pudessem ser preteridas no acesso aos respiradores, por exemplo: “O Brasil ainda não entendeu ou não se deu conta de que não é mais um país jovem. Nossa pirâmide etária já mudou há muito tempo. Todos estamos envelhecendo”.

No início da pandemia, o presidente Bolsonaro, contrariando todos os especialistas, defendeu o isolamento apenas dos “mais idosos, quem tem doenças e é fraco”. Em outra ocasião, disse que o vírus não passava de uma gripezinha, que “só mata” idosos e pessoas com condições preexistentes. Já a economista Solange Vieira, da Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia vinculada ao Ministério da Economia, chegou a afirmar que era “bom” as mortes se concentrarem entre os aposentados. “Isso melhorará o desempenho econômico, pois reduzirá nosso déficit previdenciário”, disse.

Arte Fernando Alvarus
Arte Fernando Alvarus

A professora Dalia Romero, que está liderando uma pesquisa para mostrar “Quem tem direito a morrer idoso no Brasil”, apresentou dados preliminares sobre a idade média das pessoas que perderam a vida para a covid-19. Segunda ela, os brancos morrem, em média, com 72 anos, enquanto os pretos e os pardos morrem, respectivamente, com 64,7 anos e 65,1 anos. Para a pesquisadora, a população negra que consegue chegar aos 60 anos no Brasil merece ser homenageada e tratada com uma deferência especial, por conta de toda a luta, sofrimento e obstáculos que enfrentou ao longo da vida.

Além de serem os mais vitimados pela doença, cerca de 73% dos mortos têm mais de 60 anos de idade, os idosos também estão entre os mais prejudicados economicamente. Dalia Romero mostrou que 35,9% das pessoas mais velhas dizem ter perdido o emprego ou uma parte substancial da renda entre os meses de março, abril e maio. Quando se considera o contingente de idosos que não tinham um vínculo empregatício formal, esse percentual sobe para 53,1%. Considerando que 32,4% dos lares no Brasil têm pelo menos um idoso entre os seus membros, não é difícil calcular o estrago que isso causa na economia nacional.  Como já disse Simone de Beauvoir: “A velhice, tal qual a condição da mulher, é um fato cultural e não apenas biológico. A sociedade fabrica a impotência da velhice, tal qual fabricou a da mulher”.

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