Covid-19: Mundo já tem mais infectados em 2022 do que em todo ano de 2020

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A cada minuto mais de seis pessoas morrem em algum lugar no planeta vítimas da covid-19

Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora




Praia de Ipanema lotada no verão do Rio. Em 29 de janeiro, o Brasil superou a marca de 25 milhões de casos de covid-19 e registrou mais de 626 mil mortos (Foto Fabio Teixeira/Anadolu Agency)

O número de casos globais da covid-19 registrados em janeiro de 2022 já supera o montante acumulado em todo o ano de 2020. Foram contabilizados 83,76 milhões de pessoas infectadas pelo novo coronavírus de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2020 (com média mensal de 7 milhões de casos). Em 2021, o número de infectados saltou para 204,8 milhões (com média mensal de 17 milhões de casos). Mas somente nos primeiros 29 dias de 2022 foram registrados e reconhecidos pelas estatísticas oficiais cerca de 85 milhões de pessoas infectadas. Para o mês de janeiro completo estimamos pelo menos 89 milhões de casos da covid-19 no mundo, conforme mostra o gráfico abaixo (painel da esquerda).

Ou seja, o atual avanço do novo coronavírus, em grande parte devido ao surto da variante Ômicron, tem assustado as autoridades de saúde e o número de casos de janeiro de 2022 é cerca de 4 vezes maior do que o pico mensal anterior da curva epidemiológica, que foi de 22,5 milhões de casos em abril de 2021.

Felizmente, o número de óbitos não acompanhou a explosão de infecções. Em 2020 foram registrados 1,88 milhão de vidas perdidas para o SARS-CoV-2 (com média mensal de 157 mil óbitos) e, em 2021, foram registrados 3,54 milhões de vítimas fatais da covid-19 (com média mensal de 295 mil óbitos), conforme mostra o gráfico abaixo (painel da direita). Isto é, não houve uma explosão de mortes no atual surto de covid-19. O número de 235 mil vidas perdidas em janeiro de 2022 é menor do que a média mensal de 2021, embora seja maior do que a média mensal de 2020. No início do ano de 2022 a média móvel de 7 dias de mortes globais estava em 6 mil óbitos e passou para 9 mil óbitos diários no final de janeiro. Não é pouca coisa não. O mundo registrou na última semana, em média, 6,3 mortes da covid-19 por minuto.

A esperança de uma Ômicron mais branda e pouco letal virou uma ilusão, lembrando os versos da música Risque, de Ari Barroso: “Toda quimera se esfuma / Como a brancura da espuma / Que se desmancha na areia”.

Os últimos desdobramentos indicam que ainda falta muito para que o sonho do fim da pandemia se torne realidade. A ansiedade tem levado muitas autoridades a imaginar o fim da doença. Em dezembro de 2021, por exemplo, o ministro da saúde da Alemanha, Karl Lauterbach, comentando o quadro brando provocado pela difusão da variante Ômicron na África do Sul, vislumbrou um verdadeiro presente de Natal antecipado, “se a Ômicron pegasse leve”, como mostramos aqui no #Colabora, no Diário da Covid-19 (Alves, 12/12/2021).

Mais recentemente, no dia 23 de janeiro passado, o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a Europa, Hans Kluge, afirmou que a variante Ômicron do coronavírus iniciou uma nova fase da covid-19 no continente, que pode significar o fim da pandemia. Considerando que o contágio pode chegar a 60% dos europeus até março, ele disse: “É plausível que a região esteja caminhando para uma espécie de final da pandemia“.

Contudo, o artigo “Covid-19: endemic doesn’t mean harmless”, do epidemiologista Aris Katzourakis, publicado na revista acadêmica Nature (24/01/2022), critica a ideia otimista de que a pandemia se transformaria em uma endemia sem grandes danos. Para ele, a palavra “endêmica” se tornou uma das mais mal utilizadas, como se a covid-19 estivesse chegando a um fim natural. Ele diz: “Uma doença pode ser endêmica e, ao mesmo tempo, mortal. A malária matou mais de 600.000 pessoas em 2020. Dez milhões de pessoas adoeceram com tuberculose no mesmo ano e 1,5 milhão morreram. Endêmico certamente não significa que a evolução de alguma forma domou um patógeno para que a vida simplesmente retorne ao normal”.

Para Katzourakis, não existe um quadro evolutivo predestinado para um vírus se tornar mais benigno e ele considera ser um equívoco a ideia generalizada e rósea de que os vírus evoluem com o tempo para se tornarem mais benignos. Por exemplo, a segunda onda da pandemia de gripe de 1918 foi muito mais mortal do que a primeira. Ele faz um alerta contra o otimismo preguiçoso e diz que a melhor maneira de evitar o surgimento de variantes mais perigosas ou mais transmissíveis é impedir a disseminação comunitária irrestrita. Isso requer muitas intervenções integradas de saúde pública, incluindo, as medidas de prevenção conhecidas e a universalização das vacinas.

O panorama da covid-19 no Brasil

O Ministério da Saúde (MS) tem apresentado dificuldade para atualizar as informações sobre a covid-19 desde a segunda semana de dezembro do ano passado. Na ausência de dados do MS, vamos recorrer aos dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), que, no dia 29 de janeiro de 2022, registrou o número acumulado de 25.214.622 pessoas infectadas e 626.524 vidas perdidas no país.

O Brasil bateu todos os recordes do número de pessoas infectadas no mês de janeiro de 2022 e, também, todos os recordes na segunda quinzena de janeiro, além de apresentar números extremamente elevados na última semana de janeiro. Ou seja, o atual surto covídico brasileiro é o mais intenso desde o início da pandemia. Mas como acontece globalmente, o montante de óbitos no Brasil não aumentou na mesma proporção dos casos, embora os números mais recentes de falecimentos sejam elevados e preocupantes.

O gráfico abaixo, sistematizado pelo Conass, mostra o número de casos e óbitos informados no Brasil, da 13ª semana epidemiológica de 2020 (22 a 28 de março) até a 4ª semana epidemiológica de 2022 (23 a 29 de janeiro). O que mais chama a atenção é que o número de casos da 4ª semana de 2022 atingiu um volume de 1,31 milhão de pessoas infectadas, sendo mais do que o dobro do pico anterior de 540 mil casos, ocorrido na 12ª semana epidemiológica de 2021 (de 21/03 a 27/03).

Já o número de vidas perdidas que estava em 681 óbitos na última semana epidemiológica de 2021 (26/12-01/01) passou para 3,7 mil na 4ª semana de 2022, um aumento de mais de 5 vezes no espaço de um mês. O pico de toda a curva de mortalidade ocorreu na 14ª semana epidemiológica de 2021 (04/04 a 10/04), com 21,1 mil óbitos. Portanto, o volume atual de mortes da covid-19 está bem abaixo do pico do ano passado, mas já começa a preocupar pelo ritmo de crescimento neste início de ano.

O gráfico abaixo, também com dados do Conass, mostra a média diária de casos da covid-19, desde a primeira quinzena de março de 2020 até a segunda quinzena de janeiro de 2022 (os dados de 30 e 31 de janeiro foram estimados). Nota-se que o pico diário de pessoas infectadas ocorreu na quinzena de 16 a 31 de março de 2021, com 76,8 mil casos. Já na segunda quinzena de janeiro de 2022 o número médio de pessoas infectadas, 158,7 mil casos, foi mais do dobro do maior pico anterior da curva epidemiológica.

O gráfico abaixo, igualmente com dados do Conass, mostra a média diária de vidas perdidas por covid-19, desde a primeira quinzena de março de 2020 até a segunda quinzena de janeiro de 2022 (os dados de 30 e 31 de janeiro também foram estimados). Nota-se que o pico diário de pessoas infectadas ocorreu na quinzena de 01 a 15 de abril de 2021, com 2.929 óbitos. Já na segunda quinzena de janeiro de 2022 o número médio de pessoas infectadas ficou em 386 óbitos, valor bem menor do que em picos anteriores, mas 3,5 vezes maior do que na última quinzena de 2021.

O que todos estes números mostram é que o Brasil está enfrentando a maior onda de infecções da covid-19, com aumento da mortalidade, pois a média móvel de 7 dias chegou a 532 óbitos diários no dia 29 de janeiro de 2022. Isto representa uma morte pandêmica a cada 2,7 minutos.

Evidentemente, o número de vítimas fatais não tem sido maior por conta do processo de vacinação que já garantiu a imunização completa de 70% da população brasileira. Mas, lamentavelmente, o Ministério da Saúde (MS) e outras autoridades do governo federal não têm contribuído para a segurança imunológica dos brasileiros e brasileiras de todas as idades.

No dia 21 de janeiro, o MS divulgou uma nota técnica colocando em dúvida a eficácia das vacinas, ao mesmo tempo em que fazia uma defesa da segurança da hidroxicloroquina no combate à pandemia. Diante das inúmeras críticas negativas da sociedade e da forte reação da comunidade científica, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, buscou rever alguns aspectos formais da nota técnica, mas, essencialmente, sem mudar o conteúdo. Paralelamente, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves, divulgou nota técnica se opondo ao passaporte vacinal e orientando as pessoas que se sentirem “discriminadas” por serem contrários à vacinação contra covid-19 a denunciar os casos no Disque 100.

Diante destes descalabros, a jornalista Cristina Serra, publicou no jornal Folha de S.Paulo o artigo “Damares e Queiroga, os dois abutres” (28/01/2022) onde diz: “Sim, eu sei, o responsável maior por tudo isso é Bolsonaro. Mas quero falar desses dois pelo que fizeram nos últimos dias, com suas notas ‘técnicas’ que são decretos de morte, com seu palavrório ‘técnico’ homicida. Ao semear confusão proposital sobre as vacinas, os dois abutres sopram o hálito da morte, desestimulam as pessoas a dispor do melhor recurso de proteção neste momento, receber uma injeção no braço, ato corriqueiro até outro dia”.

O fato é que existe um fosso cada vez maior entre a sociedade civil e o poder público. A falta de união nacional e de estratégias comuns contribui para o descontrole da pandemia.  Os números da covid-19 são surpreendentes e ninguém esperava, por exemplo, uma queda da expectativa de vida no país após mais de um século de ganhos contínuos. Ninguém supunha que houvesse perigo em um simples abraço ou em um aperto de mãos.

Portanto, mesmo eventos com baixa probabilidade podem ocorrer e causar espanto. A música E se, de Francis Hime e Chico Buarque, brinca com situações consideradas inimagináveis, tais como “E se o oceano incendiar / (…) E se o Botafogo for campeão / (…) E se o carnaval cair em abril”. Pois bem, no dia 14 de janeiro de 2022 a erupção do vulcão submarino Hunga Tonga-Hunga Ha’apai, no arquipélago de Tonga, lançou fogo e cinzas nas águas cristalinas do Oceano Pacífico. Em 2021 o Botafogo venceu a série B do campeonato brasileiro de futebol. E o carnaval de 2022, nas duas maiores cidades do Brasil, foi adiado para abril.

Assim, é preciso estar atento para o inesperado, pois o mundo está em constante mutação. Nada é fixo. Tudo é impermanente. O que parecia impossível acontece. Não é incomum haver nuvens obnubilando o horizonte. Assim sendo, devemos rebater as notícias falsas e estar sempre atentos e de olhos abertos para os desafios futuros.

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