Brasil segue sendo um dos sete países com maior número de óbitos por milhão de habitantes, mas altas taxas de morbidade e mortalidade parecem ter ficado para trás
Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora
No cemitério Vila Formosa, em São Paulo, Brasil, pai e filho oram pela perda de um parente para a covid-19: Brasil superou a marca de 609 mil mortos para a doença (Foto: Paulo Lopes / Anadolu Agency via AFP)
O Brasil vive um momento decisivo da emergência sanitária e o país pode ter um fim de ano bem mais tranquilo do que o último. O mês de outubro apresentou as menores médias de casos e mortes da pandemia, desde abril de 2020, como mostramos no artigo “Diário da Covid-19: Brasil na emergência sanitária, social e climática” (Alves, 31/10/2021). Assim, se houver continuidade das tendências de declínio das curvas epidemiológicas, o mês de novembro de 2021 pode marcar a inflexão para o fim da pandemia no Brasil
Há exatamente um ano, também houve uma queda nas médias de casos e mortes em outubro. Porém, ao invés da doença ficar sob controle, novembro de 2020 foi marcado pelo início da 2ª onda pandêmica no país. A diferença atual é que o Brasil já tem quase 80% da população vacinada com a primeira dose e se aproxima de 60% da população com a vacinação completa. Portanto, se os números de casos e mortes continuarem caindo em novembro, o Brasil pode estar perto do fim da pandemia.
Segundo dados do Ministério da Saúde, em 06 de novembro de 2021, o Brasil apresentou os menores números do ano. Na média semanal, foram 10.033 casos diários e 242 óbitos diários, valores só comparáveis aos dos primeiros dois meses da pandemia. No sábado (06/11), em volume acumulado, foram registradas 21.874.324 pessoas infectadas (mais de 10% da população nacional) e 609.388 mortes pela covid-19, com uma taxa de letalidade de 2,8%. O Brasil continua sendo um dos 7 países com maior número de óbitos por milhão de habitantes. Mas parece que as altas taxas de morbidade e mortalidade da covid-19 ficaram para trás e, embora a covid zero ainda seja um sonho distante, já se vislumbra a minimização da doença em um horizonte próximo.
O gráfico abaixo mostra o número diário e a média móvel de 7 dias de casos da covid-19 no Brasil, do final de fevereiro de 2020 a 06 de novembro de 2021. Os registros cresceram no primeiro semestre de 2020 até o pico da 1ª onda que aconteceu em julho de 2020 com 40,7 mil pessoas infectadas diariamente. O pico da 2ª onda ocorreu em março de 2021 com 70,9 mil casos diários. Entre abril e junho os números permaneceram elevados e ficaram acima de 60 mil casos diários. Mas desde então, os números de infectados caíram para algo em torno de 10 mil casos diários, o menor valor desde meados de abril de 2020.
O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de óbitos no território nacional e a média móvel de 7 dias entre 14/03/2020 e 06/11/2021. Nota-se que o número de vidas perdidas cresceu rapidamente desde o primeiro óbito em meados de março até o final de maio quando ficou acima de 1 mil vítimas fatais diárias e se manteve neste patamar elevado até o pico de 1.061 óbitos no final de julho. Entre agosto e outubro a média caiu para um patamar abaixo de 400 óbitos diários, mas subiu no mês de novembro e chegou no pico de cerca de 3 mil mortes diárias em abril. A média móvel de 7 dias caiu abaixo de 1,8 mil óbitos no final de maio, mas voltou subir para a casa de 2 mil óbitos diários em junho. Desde então, felizmente, a média de óbitos caiu continuamente até ficar abaixo de 250 vidas perdidas diariamente nesse momento, em novembro de 2021.
O Brasil no panorama global
Segundo o site Our World in Data, com dados da Universidade Johns Hopkins, o mundo chegou a 250 milhões de pessoas infectadas e ultrapassou 5 milhões de vidas perdidas por covid-19, com uma taxa de letalidade de 2%. No dia 05/11, a média móvel estava em 444 mil casos e 7 mil óbitos. Já são 205 países e territórios com mais de 1 mil casos acumulados da covid-19, sendo 112 países com mais de 100 mil casos e 36 países com mais de 1 milhão de casos.
O gráfico abaixo mostra o coeficiente de incidência (casos por milhão de habitantes) do Brasil, da Europa e do mundo de 01/06 a 05/11/2021. Nota-se que, no dia 24 de junho, o coeficiente brasileiro estava em 361 casos por milhão, bem acima dos coeficientes da Europa com 59 casos por milhão e no mundo com 47 casos por milhão. Mas no dia 02 de agosto o Brasil e a Europa tinham coeficientes de 164 casos por milhão e o mundo, 76 casos. Contudo, nos últimos 3 meses, os números brasileiros caíram e ficaram abaixo da média mundial, enquanto a Europa voltou a ser o epicentro da pandemia global. No dia 05 de novembro o Brasil registrou 46 casos por milhão; o mundo, 56 casos, e a Europa, 319 casos por milhão de habitantes.
O gráfico abaixo mostra o coeficiente de mortalidade (óbitos por milhão de habitantes) do Brasil, da Europa e do mundo de 01/06 a 05/11/2021. No dia 19 de junho, o Brasil tinha um coeficiente de 9,7 óbitos por milhão, bem acima dos coeficientes da Europa e do mundo com 1,19 óbitos por milhão. Mas no dia 30 de setembro o Brasil e a Europa apresentaram coeficientes de 2,5 óbitos por milhão e o mundo teve 1 óbito por milhão de habitantes. Todavia, nos últimos 2 meses, o coeficiente brasileiro caiu para 1,1 óbito por milhão, pouco acima do coeficiente mundial de 0,9 óbito por milhão, enquanto a Europa chegou a 4,5 óbitos por milhão de habitantes, o maior valor entre os continentes.
Uma das explicações para o bom desempenho do Brasil na redução dos casos e óbitos da covid-19 é o avanço do processo de vacinação. O gráfico abaixo mostra que, no dia 05/11/2021, o Brasil tinha 76% da população vacinada, sendo 57% da população com a imunização completa e 18% somente com uma dose. O continente europeu tem números bem menores do que o Brasil com 60% da população imunizada, sendo 55% com vacinação completa e 5% com vacinação parcial. Os números médios do mundo são ainda menores, sendo os valores 50%, 39% e 11%, respectivamente.
A transição para a endemicidade
O mês de novembro está trazendo um fio de esperança para o fim da pandemia no Brasil. Todavia, é provável que tanto o país, quanto o mundo tenham que conviver com o vírus SARS-CoV-2 por muito tempo, embora em menor frequência e com baixa intensidade. Provavelmente, a pandemia deverá ser rebaixada para uma nova categoria. A palavra técnica para uma doença que hospedamos indefinidamente é endêmica. Isso significa que o agente causador da doença – o novo coronavírus – estará sempre circulando na população, causando alguns surtos periódicos mais ou menos previsíveis.
Nenhum país ainda entrou nas águas mais calmas da endemicidade. Na endemia, o número de casos e de óbitos permanecerá sendo um problema de saúde pública, mas em níveis mais baixos e mais próximos de outras doenças Infectocontagiosas como dengue, zika, chikungunya etc. Mais cedo ou mais tarde a pandemia vai acabar, mas a covid não vai desaparecer no curto e médio prazo.
Evidentemente, a transição para a endemicidade acontecerá em momentos diferentes nos diferentes países e regiões. A covid zero pode ser viável em pequenas áreas. Por um lado, o futuro da covid-19 pode ser tão ameno quanto um resfriado comum, envolvendo apenas uma campanha anual de vacinação. Todavia, por outro lado, o tratamento na endemia do coronavírus pode ser mais oneroso do que a resposta à gripe, mantendo uma pressão avassaladora sobre os sistemas de saúde em alguns países.
A transição da pandemia para a endemia é um problema de saúde coletiva e deve ser enfrentada com testes, com máscaras, outras medidas de distanciamento social onde e quando necessário, além da universalização das vacinas. A farmacêutica Pfizer deu uma boa notícia neste início de novembro ao informar que sua pílula experimental para combater o coronavírus reduziu o risco de hospitalização e morte para pacientes de alto risco que participam de um teste do medicamento. A ciência está buscando alternativas para vencer a letalidade da covid-19 e deixá-la sob controle.
Assim, a combinação de medidas preventivas com avanços nas vacinas e medicamentos adequados poderá reduzir os riscos de transmissão do SARS-CoV-2, diminuir as fatalidades e apontar para o fim da pandemia. Provavelmente, a doença não desaparecerá total e definitivamente, mas os danos poderão ser minimizados e a imunização, maximizada. Para voltar ao cenário que existia antes do surgimento da covid-19, o fundamental é retomar a trajetória histórica do aumento da esperança de vida, em especial, a esperança de vida saudável.