Por Rafael Barifouse, compartilhado de BBC –
O governo de São Paulo anunciou um endurecimento das medidas de controle da pandemia de covid-19.
Todo o Estado está a partir de segunda-feira (30/11) na fase amarela do Plano São Paulo, que regula as atividades econômicas paulistas para combater o avanço do novo coronavírus.
As medidas anunciadas são uma reação ao aumento do número de casos, mortes e internações causadas pela doença no Estado nas últimas semanas.
Mas especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que as ações divulgadas hoje deveriam ter sido tomadas antes. Na sua visão, o governo de São Paulo ignorou seus próprios especialistas e foi “omisso” na condução do combate à pandemia.
O comitê que assessora o governo paulista havia, diante deste quadro, recomendado já na semana passada a adoção de mais medidas de controle, mas o governador João Doria (PSDB) preferiu esperar até o anúncio da reavaliação do plano, prevista para esta segunda-feira.
Doria negou que a definição da data, um dia após o segundo turno das eleições municipais, tenha sido influenciada por questões políticas e reafirmou que ela foi feita apenas com bases técnicas e científicas.
O que foi anunciado?
Até segunda-feira, seis das 18 regiões do Estado estavam na fase verde, a quarta das cinco etapas previstas pelo Plano São Paulo. Todas as outras regiões estavam na fase amarela, imediatamente anterior à verde.
Agora, as regiões que já estavam na fase verde voltarão para a fase amarela.
Entre estas regiões, estão a capital e sua a região metropolitana, as regiões de Campinas, Sorocaba, Taubaté, Piracicaba e a Baixada Santista. Elas representam 76% da população do Estado.
A alteração implica nas seguintes mudanças:
– Comércio de rua, shopping centers, galerias e outros centros comerciais: ocupação máxima passa de 60% para 40% da capacidade, com adoção de período de funcionamento limitado a dez horas.
– Serviços: ocupação máxima passa de 60% para 40% da capacidade, com adoção de período de funcionamento limitado a dez horas.
– Bares, restaurantes e similares: consumo só será permitido ao ar livre ou em áreas arejadas; ocupação máxima passa de 60% para 40% da capacidade, com adoção de período de funcionamento limitado a dez horas; manutenção do horário de funcionamento até 22h.
– Salões de beleza e barbearias: ocupação máxima passa de 60% para 40% da capacidade, com adoção de período de funcionamento limitado a dez horas.
– Academias de ginástica: ocupação máxima passa de 60% para 30% da capacidade, com adoção do período de funcionamento limitado a dez horas; atendimento passa a ser com hora marcada e agendamento prévio; suspensão de atividades em grupo, com permissão apenas de aulas e atividades individuais.
– Eventos: ocupação máxima passa de 60% para 40% da capacidade do local; manutenção do controle de acesso obrigatório, com hora marcada; adoção de assentos marcados; manutenção do distanciamento mínimo entre assentos; proibição de eventos com público em pé.
O que disse o governo de SP?
Doria justificou a mudança ao dizer que houve um “claro aumento da instabilidade da pandemia”, mas esclareceu que bares, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais, além das escolas, não serão fechados.
O governador afirmou que as medidas têm como objetivo “evitar aglomerações e o aumento do contágio”. “É uma medida de prudência que estamos tomando para melhorar o controle da pandemia”, disse Doria.
“Não é uma gripezinha, não é um resfriadinho. É uma pandemia gravíssima, a mais grave dos últimos cem anos, e isso vai exigir sacrifícios de todos e compreensão da situação dramática que estamos vivendo.”
Doria descartou a adoção no Estado de um lockdown, como é chamado o conjunto de medidas de distanciamento social que prevê o fechamento do comércio não essencial e a proibição de circulação em espaços públicos.
“Não há perspectiva de lockdown. Não utilizamos o mecanismo em todos estes meses e, embora seja um mecanismo existente, não será aplicado”, afirmou o governador.
Antecipando críticas ao momento em que o anúncio foi feito, Doria negou que tenha havido um cálculo com base nas eleições municipais e num possível impacto negativo da repercussão do retrocesso sobre a candidatura do prefeito Bruno Covas (PSDB), que foi reeleito no domingo.
“O governo do Estado de São Paulo não teve, não tem e nunca terá nenhum interesse em medidas de ordem de saúde em medidas políticas nem eleitorais. As decisões são amparadas pelo que a ciência nos determina”, disse Doria.
“‘Ah, porque isso foi feito depois da eleição?’ Porque estava determinado dentro do programa do Plano SP. Não foi determinado pelo programa da eleição.”
A reclassificação estava orginalmente prevista para o dia 16 de novembro, mas foi adiada pelo governo estadual para o dia 30. Na época, houve um aumento de 18% nas internações por covid-19 no Estado.
O governo de São Paulo justificou a decisão na época dizendo que era preciso analisar os dados com mais cuidado, porque uma pane no sistema de dados do Ministério da Saúde poderia ter gerado distorções.
A secretária de Desenvolvimento Econômico, Patrícia Ellen, ressaltou durante o anúncio das novas medidas que o adiamento ocorreu para evitar que mais regiões do Estado passassem à fase verde, o que ocorreria se a reavaliação fosse feita naquele momento. Ellen não deu mais detalhes sobre os dados que embasaram essa decisão.
O que dizem os especialistas?
Na avaliação de epidemiologistas e infectologistas ouvidos pela BBC News Brasil, houve uma demora na adoção de medidas mais restritivas no Estado.
O próprio comitê de 20 especialistas que assessora o governo Doria no combate à covid-19 recomendou na quarta-feira passada (25/11) que as medidas de controle fossem ampliadas para combater a propagação do coronavírus.
Mas Doria preferiu esperar até a segunda-feira, quando já estava prevista uma atualização das ações. De acordo João Gabbardo, coordenador executivo do comitê, o governador avaliou que as sugestões feitas eram contempladas no plano.
“Criar uma comissão de especialistas e não seguir sua recomendação é uma atitude um tanto petulante. Pra que a comissão existe se o governador não segue o que ela diz?”, questiona Márcio Sommer Bittencourt, médico do centro de pesquisa clínica e epidemiológica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP).
O epidemiologista avalia que as seis regiões que estavam na fase verde já deveriam ter regredido com o aumento de casos, mortes e internações das últimas semanas.
Bittencourt destaca ainda que o Plano São Paulo passou por mudanças que favoreceram a reabertura da economia.
“Eles mudaram os níveis de corte entre uma etapa e outra, tornando mais fácil progredir para fases com menos medidas de controle, e diminuíram a frequência de avaliação de a cada 14 dias para a cada 28 dias”, afirma.
Desta forma, diz o médico, não é possível falar em atraso, porque, na prática, o governo de São Paulo está cumprindo o prazo que havia sido estabelecido.
“Não é que deixaram de fazer o que deveriam, mas eles não estão adiantando medidas. Estão seguindo o plano, que é excessivamente frágil”, avalia Bittencourt.
Raquel Stucchi, infectologista da Universidade Estadual de Campinas, avalia que os índices dos últimos dez dias apontavam claramente um aumento de casos e de internações na rede pública e privada.
“Deveriam ter revisado ali as medidas. Não é fazer lockdown, mas retroceder um pouco para diminuir as chances de aglomeração”, diz ela.
No entanto, Stucchi avalia que a aplicação do Plano São Paulo, que foi “bem executado” e teve “certo sucesso” até agora, foi influenciada nas últimas semanas por fatores políticos. A médica diz que o governo de São Paulo foi “omisso”.
“Por que o governo decidiu não seguir um grupo de especialistas que afirma que a pandemia está fora de controle e que medidas precisam ser tomadas?”, questiona Stucchi.
“Não há nenhuma outra explicação para ações importantes terem sido adiadas a não ser que estavam pensando no segundo turno, imaginando que isso seria impopular ou talvez por medo de mostrar que não estavam conseguindo controlar a pandemia.”
Ana Freitas Ribeiro, do serviço de epidemiologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, concorda que novas medidas já deveriam ter sido tomadas contra o agravamento da pandemia em São Paulo.
A médica sanitarista ressalta que é importante que haja uma reação rápida das autoridades ao aumento dos índices, porque o crescimento de casos e internações normalmente refletem infecções que ocorreram cerca de 15 dias antes.
Além disso, somente os casos graves são detectados com o sistema de testagem atual, e eles representam só 20% do total em média.
Ou seja, quando se percebe que a pandemia piorou, isso já está ocorrendo há algum tempo, e o que é captado pelas estatísticas é apenas uma pequena parcela da realidade.
Por isso, diz Ribeiro, o ideal é que haja uma reavaliação das medidas a cada 15 dias e não uma vez por mês.
“Se você espera mais do que isso, o crescimento (de casos) pode ser muito alto e não haver leitos suficientes. E, se há um aumento, não há nada que indique que vá diminuir se continuar a haver uma circulação intensa de pessoas, se você não conscientizar a população nem evitar aglomerações”, diz a médica.
Pedro Hallal, do Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), concorda que a reavaliação deve ser feita em períodos mais curtos.
“Nosso senso de urgência na pandemia está sempre atrasado. Quando as pessoas se apavoram porque começou a lotar UTIs é porque o controle foi perdido duas ou três semanas antes”, afirma Hallal.
Em uma situação assim, é essencial adotar rapidamente novas medidas de controle de circulação de pessoas, porque esta é a única forma de conter um aumento repentino do número de casos e internações.
“Retardar estas medidas é uma atitude típica de quem não entende a dinâmica da pandemia.”