Por Marcelo Winter, com informações da Folhapress, compartilhado de Rondônia Já –
Vacinas destinadas aos Yanomami teriam sido desviadas a garimpeiros que teriam pago as doses com ouro.
Documento enviado à CPI da Covid pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas mostra que os povos indígenas receberam cloroquina e tiveram dificuldade de acessar leitos de UTI (Unidades de Terapia Intensiva). O relatório também cita a suspeita de que vacinas destinadas às etnias teriam sido desviadas a garimpeiros com pagamento em ouro.
Segundo dados oficiais, menos da metade dos Yanomami e Ye’kwana maiores de 18 anos recebeu a segunda dose da vacina. Enquanto isso, autoridades do estado de Roraima pressionam para que parte das doses exclusivas dos indígenas seja desviada para não indígenas.
A Frente Parlamentar na Câmara, criada em abril de 2019, tem tratado sobre o impacto da pandemia e as medidas de enfrentamento entre os indígenas desde março do ano passado. Sete denúncias diferentes foram citadas no documento.
A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), coordenadora do grupo, encaminhou 21 ofícios a autoridades dos ministérios da Saúde, da Justiça e Segurança Pública e também ao Judiciário.
As denúncias mostram que houve a utilização de remédios sem eficácia para tratar a Covid-19 em aldeias. O Ministério da Saúde distribuiu pelo menos 265 mil comprimidos de cloroquina, azitromicina e ivermectina aos indígenas em cinco estados, com o propósito de tratar infecções pelo novo coronavírus.
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Rondônia
Um ofício do Ministério da Saúde para a deputada, no dia 15 de setembro, comprova essa distribuição. O documento relata que o Distrito Sanitário Especial Indígena(DSEI) de Vilhena, em Rondônia, contratou profissionais para ajudar na identificação precoce dos sintomas e montagem dos kit’s Covid (azitromicina e ivermectina) para atender os casos sintomáticos de coronavírus nas aldeias.
Um outro ofício mostra que houve falta de acesso à medicação adequada, como bloqueadores musculares. Isso teria levado à morte de índios Cinta Larga, na divisa de Rondônia com Mato Grosso. As vítimas não aguentaram o processo de intubação. Encaminhado no dia 4 de agosto do ano passado, o documento relatou que 10 índios Cinta Larga morreram também por falta de leitos de UTI. Foi citada também a ausência de testes em qualidade e quantidade suficiente no noroeste de Mato Grosso que provocou o rápido alastramento da doença entre a etnia.
Religiosos convencendo indígenas a não se vacinar
Outra questão levantada é a dificuldade de convencer a população indígena à se vacinar. Um ofício encaminhado à PGR (Procuradoria-Geral da República) revelou a péssima influência de missionários evangélicos sobre comunidades indígenas , estimulando o medo à imunização por meio de fake news sobre a vacinação contra a Covid 19. No relatório está citada a seguinte frase:
“A campanha de desinformação seria difundida via áudios e vídeos pelo celular, pelo sistema de radiofonia entre as aldeias e por cultos presenciais. No estado do Maranhão a maior influência seria da igreja Assembleia de Deus.”
Mas, na Amazônia, o mesmo problema também ocorreu.
Em uma aldeia do sul do Estado do Amazonas, o povo Jamamadi expulsou profissionais de saúde com arcos e flechas em visita neste mês, disse Claudemir da Silva, líder apurinã que representa comunidades indígenas do rio Purus, afluente do rio Solimões:
“Não é em todas as aldeias, em aldeias que têm missionários ou igrejas evangélicas com pastores que estão fazendo a cabeça dos indígenas para não tomar vacina com essas histórias de que tem chip, que vai virar jacaré, umas desculpas doidas”
Lembrando que o presidente Jair Bolsonaro, falando sobre a vacina Pfizer, soltou a pérola: “Se você virar um jacaré, é problema seu”.
Outro problema relatado em ofício encaminhado aos ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Anderson Torres (Justiça) dizia que vacinas destinadas aos indígenas estavam sendo compradas por garimpeiros em troca de ouro.
“É comum a queixa por parte dos yanomami de que os materiais e medicamentos destinados à saúde indígena estão sendo desviados para atendimento aos garimpeiros, em prejuízo dos indígenas”, disse Dário Vitório Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami.
Um dos pontos que mais chama a atenção nos documentos encaminhados à CPI da Covid é a grande diferença dos dados oficiais divulgados pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) sobre infecção e morte de indígenas em relação aos dados contabilizados pelo Comitê Nacional da Vida e Memória Indígena. O primeiro relata 673 óbitos, enquanto o segundo, 1.072 mortes.
Governo Federal não cumpre determinações
Segundo consta no documento encaminhado à Comissão, por causa do agravamento da pandemia e da violação constante de direitos dos povos indígenas, o ministro relator Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou ao governo federal a adoção de uma série de medidas para conter o contágio e a mortalidade por Covid-19 em junho do ano passado.
Mas, passados oito meses, diversas determinações feitas em decisões anteriores foram atendidas apenas parcialmente no que parece ser uma estratégia de Bolsonaro e seus aliados em relação ao STF .
O líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (Progressistas-PR), afirmou nesta terça-feira (8) que, no futuro, decisões judiciais não serão mais cumpridas.
A declaração ocorreu ao comentar a determinação do Supremo Federal Tribunal (STF) sobre o Censo 2022. “Vai chegar uma hora em que vamos dizer que simplesmente não vamos cumprir mais”. Na prática, isto já vem sendo adotado em diversas ocasiões pelo Governo Jair Bolsonaro.
Pelos descumprimentos das determinações do STF, Barroso homologou no dia 16 de março de 2021, parcialmente, o Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas apresentado pelo governo federal.
O Ministério da Saúde informou que 81% da população indígena recebeu a primeira dose de vacina Covid-19 e 70% a segunda dose. As ações de vacinação continuam em todos os distritos. O MS afirmou ainda que, desde o início da pandemia, trabalha em estratégias de proteção, prevenção, diagnóstico e tratamento da Covid-19.
Questionada sobre o que fez a respeito das denúncias relatadas, o setor de comunicação da Sesai respondeu que a reportagem procurasse a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) do Ministério da Saúde, que também não respondeu.
Já a presidente da frente parlamentar afirmou por meio de sua assessoria que espera que as denúncias sejam apuradas pela CPI. “São documentos que a Frente Parlamentar Indígena recebeu e apresentados nas reuniões, enviados com o objetivo de contribuir com o andamento da CPI, para que investigue algumas questões que foram apontadas durante as reuniões”, disse.