Com apenas três das cinco sessões que estão por acontecer sem uma pauta definida, a CPMI dos Atos Golpistas de 8 de janeiro entra na sua reta final com a perspectiva de não cumprir tudo o que prometeu/anunciou. A pressa em encerrá-la obrigará os políticos governistas a fazerem verdadeira “Escolha de Sofia” com relação ao foco nesse final de jornada.
Por Marcelo Auler, compartilhado de seu Blog
Com a promessa da relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), de apresentação do Relatório Final em 17 de outubro, restarão seis sessões realizadas nas terças e quintas-feiras. Duas dessas, a que aconteceu nessa terça-feira (26/09) e a da próxima quinta (28/09) já estavam com depoentes convocados: respectivamente o ex-ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno Ribeiro Pereira e Alan Diego dos Santos Rodrigues.
Augusto Heleno sempre esteve próximo ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Por muitas vezes incitou militantes contra a eleição de Lula, inclusive falando que “o ladrão não subirá a rampa”. Entre novembro e dezembro recebeu em seu gabinete no Palácio do Planalto militantes dos movimentos pró-intervenção militar, Por todo seu comportamento, poderá ser um dos prováveis indiciados da CPMI.
Alan Diego está condenado, junto com George Washington de Oliveira Sousa e Wellington Macedo de Souza, pela tentativa de explodir um caminhão tanque com querosene de aviação no dia 24 de dezembro, nas proximidades do aeroporto de Brasília.
Aposta furada da oposição
Para as outras quatro sessões, porém, há um acúmulo de possíveis investigados e/ou testemunhas que senadores e deputados já anunciaram que gostariam de convocar. O General de Exército Walter Souza Braga Netto teve seu depoimento agendado para 5 de outubro, mas isso pode ser modificado, com a CPMI priorizando outros personagens.
O presidente da comissão, deputado Arthur Maia (UB-BA), já deixou claro que atenderá ao menos um dos pedidos dos parlamentares oposicionistas – a convocação do coronel Sandro Augusto Queiroz, que comandava a Força Nacional de Segurança Pública no dia dos ataques.
É mais uma tentativa dos oposicionistas – na sua maioria bolsonaristas – de tentar inverter o jogo e responsabilizar o governo eleito pela tentativa de golpe de 8 de janeiro. Insistem em dizer que os três pelotões da Força Nacional que estavam de prontidão poderiam garantir a integridade dos prédios federais, caso tivessem sido acionados pelo ministro da Justiça, Flávio Dino. Trata-se de uma aposta perdida.
Braga Netto dispensado
À base governista restará a possibilidade de convocar apenas novos três depoentes, caso desista de ouvir Braga Netto. Daí surgirá a necessidade de fazer a chamada “Escolha de Sofia”, uma vez que a lista dos possíveis investigados é bem mais ampla.
O ex-chefe da Casa Civil e companheiro de Bolsonaro na chapa à Presidência da República, foi convocado à CPMI pelo o deputado Duarte Jr. (PSB-MA) e as senadoras Ana Paula Lobato (PSB-MA) e Eliziane Gama. O depoimento ocorreria em 19 de setembro. Na véspera, porém, a CPMI entendeu priorizar a convocação do ex-coordenador administrativo da Ajudância de Ordens da Presidência da República, o segundo-tenente Osmar Crivelatti. A mudança foi prejudicial e nenhum deles foi ouvido.
Em 18 de setembro, véspera do seu depoimento, Crivelatti recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). Destoando de decisões anteriores daquela corte, o ministro André Mendonça concedeu liminar desobrigando-o de comparecer. A apresentação de Braga Netto foi remarcada para 5 de outubro, mas pode ser cancelada. Diante do número reduzido de sessões, o ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro pode dar lugar a outro militar considerado mais importante.
Requerimentos na gaveta
São vários os militares que despontaram ao longo desse tempo como possíveis golpistas. Alguns já se conhecia quando a CPMI foi instaurada. Mas, na época, prevaleceu o receio de se convocar oficiais das Forças Armadas e essas intimações foram deixadas na gaveta.
É o caso, por exemplo, do General do Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-comandante do Exército (04/2021 a 03/2022) e ex-ministro da Defesa (04/2022 a 12/2022) de Bolsonaro. Pelos cargos que ocupou e pela complacência com os acampamentos nas portas dos quartéis com militantes fanáticos postulando a intervenção militar, desde o início de agosto os políticos governistas requisitaram seu depoimento. Requerimentos que permanecem na gaveta da presidência da CPMI.
Sua convocação ganhou força em agosto quando o hacker Walter Delgatti Neto o apontou como seu anfitrião no ministério da Defesa, em agosto de 2022. Foi na primeira das cinco vezes em que Delgatti esteve no ministério, a pedido de Bolsonaro, para debater com técnicos da pasta as possíveis fragilidades das urnas eletrônicas. Ou seja, para buscar argumentos que reforçassem a tese de possíveis fraudes na eleição.
Apesar de as revelações de Delgatti, em 17 de agosto, terem repercutido, não foram capazes de levar o ex-ministro da Defesa de Bolsonaro a esboçar qualquer desmentido ou esclarecimento para esse possível encontro. Isso reforçou na CPMI a necessidade de convocá-lo. Dez requerimentos convocando-o foram apresentados. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) foi além e pediu a acareação dele com o rhcker. Já a relatora Eliziane Gama requisitou as quebras dos sigilos telemático e telefônico. Tudo ainda guardado na gaveta do presidente da Comissão que agora precisa levá-los à votação.
General ‘maluco’
Outro militar que desperta a atenção e o interesse dos parlamentares da CPMI é o último comandante do Exército do governo Bolsonaro, o General Marco Antônio Freire. Sua convocação partiu das senadoras Eliziane Gama e Soraya Thronicke (Podemos-MS). A relatora protocolou ainda um pedido de quebra dos seus sigilos telefônico e telemático.
Tanto na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal – CLDF (em maio), como mais recentemente na CPMI, o general de Divisão Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-Comandante Militar do Planalto (CMP), apontou Gomes Freire como responsável pela manutenção do acampamento na porta do QG do Exército, no Setor Militar Urbano (SMU). O movimento que abertamente pregava o golpe de estado com a intervenção dos militares.
A versão de Dutra foi corroborada pela reportagem de Marcelo Godoy, em O Estado de S.Paulo – Comandante do Exército impediu desmonte de acampamento no QG e chamou general de ‘maluco’, na segunda-feira (25/09). Narra que o próprio Gomes Freire, na reunião do Alto Comando do Exército, em 29 de dezembro, classificou Dutra como “um irresponsável, um maluco”, por ter autorizado a Polícia Militar do DF retirar o acampamento da porta do QG naquela data.
Com medo da reação de Bolsonaro, o comandante do Exército cancelou a operação e ordenou a Dutra a dispensa das tropas da Polícia Militar que aguardavam no SMU a operação em conjunto que havia sido acertada.
Já o ex-comandante da Marinha der Guerra, Almirante de Esquadra Almir Garnier Santos, apontado pelo ex-ajudante de ordem de Bolsonaro, o Tenente Coronel Mauro Cid, como o único dos comandantes militares que, em novembro, portanto após a eleição definida, concordou com a proposta de Bolsonaro de um golpe de estado para impedir a posse de Lula.
Tornou-se alvo de quatro convocações – não apreciadas – para depor. São das autorias dos deputados Duarte Jr. (PSB-MA), Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Rogério Correa (PT-MG), além da relatora Eliziane Gama. Essa também quer a quebra dos sigilos bancário, telemático e financeiro.
De olho no Gabinete do Ódio
Portanto, focando apenas nos militares suspeitos de, por ação ou omissão, estarem envolvidos com a tentativa de golpe, são quatro para serem ouvidos em apenas três sessões. Isso admitindo que a quarta caberá à oposição.
O problema aumenta ao se constatar que há muito mais suspeitos que a CPMI prometer investigar. Como o ex- assessor Filipe Garcia Martins, na definição da senadora Soraya, “um conhecido extremista, discípulo de Olavo de Carvalho, que auxiliava Bolsonaro em assuntos internacionais e diplomáticos, embora não tivesse qualquer experiência ou expertise nessa área”.
Ele já recebeu um voto público de censura, dado pelo plenário do Senado, por ter feito um gesto associado a supremacistas brancos durante um discurso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em 24 de março de 2021, na sessão que cobrava esclarecimentos do então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sobre iniciativas da pasta no combate ao Covid-19.
Os primeiros a o convocarem, ainda em maio, foram os deputados Erika Hilton (PSOL-SP) e Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), entendendo ser ele um dos principais responsáveis pelo chamado “Gabinete do Ódio”, apontado como a origem das fake news disseminadas pelas redes sociais pelos bolsonaristas em geral.
Em setembro, após Mauro Cid, na delação premiada, relacionar Martins à famigerada minuta de golpe militar que circulou no entorno do ex-presidente, outros cinco parlamentares apresentaram convocações para o depoimento do ex-assessor. Mas todos continuam na gaveta da CPMI aguardando serem levados à apreciação dos parlamentares.
Da mesma forma que aguardam apreciações diversos pedidos de informações que poderá revelar os incentivadores, organizadores e/ou financiadores das manifestações golpistas.
Empresário espalhava fakes
A investigação em torno dos possíveis financiadores – sempre alardeada como uma das principais metas – ao que parece não será completa. Muitos pedidos de levantamento de sigilos e Relatórios de Informações Financeiras (RIFs) que confirmariam ou não esses envolvimentos continuam pendentes de apreciação.
Um exemplo é o empresário Meyer Joseph Nigri, fundador da Tecnisa, empresa do ramo imobiliário. Em um inquérito da Polícia Federal que tramita no STF, surgiram ao menos 18 mensagens encaminhadas pelo ex-presidente Bolsonaro ao empresário com ataques ao STF e mentiras sobre urnas eletrônicas e o processo eleitoral. Mensagens prontamente repassadas por Nigri, o que o tornou, no mínimo, um disseminador de fake news.
Na CPMI foram apresentados sete convocações para ele ser ouvido, dois pedidos de quebra de sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático e um pedido de Relatório de Inteligência Financeira (RIF) entre maio de 2022 até janeiro de 2023.
Nenhum desses documentos foi apreciado. Se o forem, dificilmente trarão informações a tempo hábil para o trabalho dos parlamentares, nesse exíguo prazo de pouco mais de 20 dias.
Resta portanto aos membros da CPMI decidirem quem convocarão para depor nas últimas três sessões até o dia 12 de outubro. Uma verdadeira Escolha de Sofia.