Cria togas e te comerão os olhos, por Fernando Horta

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Por Fernando Horta, publicado em Jornal GGN – 

A nomeação de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça é uma ameaça ao STF e o primeiro passo para consolidação do fascismo no Brasil.

O mundo das realidades palpáveis é tão importante e significativo quando o mundo imagético. Ao poder interessa tanto as armas quanto os boatos, as crendices e as ameaças veladas. De fato, a história mostra que os poderes não materiais têm, na maior parte das vezes, um custo menor do que a violência explícita. Posso fazer alguém calar-se com um sopapo, mas isto significaria a possibilidade de revide, um exemplo da minha truculência aos que virem a ação e – até – a possibilidade de uma revolta aberta contra meu ato. Revolta coletiva contra a brutalidade, por exemplo. O mesmo objetivo, de fazer alguém calar-se, pode ser alcançado mediante suborno, ação de forças místicas ou religiosas, ou mesmo uma ameaça física persuasiva. O custo destas ações é, na totalidade dos vetores que se podem analisar, menor do que a violência aberta.

O menor dos custos é, porém, convencer ao outro de que ele deve calar-se. Este “convencimento” também é violento, mas pode vir através de ideias como leis e legislação, justiça ou até mesmo “educação e bons modos”. Quando o não dito se torna mais efetivo que o imposto abertamente, o sujeito que age pensa que o faz por livre e espontânea vontade, mesmo que, na realidade, foram necessários anos de poderes lhe sendo aplicados ininterruptamente para que o deixassem dócil, obediente e crédulo de que é de seu interesse, voltando ao nosso exemplo, calar-se.

É preciso atenção ao não dito, ao invisível, aos gestos e aos símbolos.




Sérgio Moro não tem nenhuma legitimidade acadêmica no campo do Direito. Aliás, dezenas de obras de autores qualificados já desmontaram o juiz, desde suas estapafúrdias releituras das leis, até sua lógica e até a qualidade de seu português. Moro tem a aversão de toda a classe política, seja pelos seus acertos (quem acredita neles), seja por suas perseguições infundadas. O juiz-justiceiro, porém, tem massivo apoio dos militares e enfrentou o STF ao menos três vezes frontalmente, saindo-se sempre vencedor. Nem Teori Zavascki, nem Fachin ou Gilmar Mendes conseguiram arranhar a imagem de Moro ou fazer com que ele fosse menos político e mais atento aos limites legais.

A legitimidade que o judiciário mesmo (tribunais superiores e STF) deu a Moro, quando se calaram, agora será usado pelo fascismo contra a Democracia.

Moro será, para boa parte da população brasileira que votou em Bolsonaro, o símbolo da própria Justiça, eclipsando o STF. Será um poder rival, concorrente ao judiciário, sob a tutela do fascismo e com o apoio das armas e dos coturnos. O que quer que Moro venha a fazer, desfazer, obrigar ou atacar terá um peso monumental para ser contraposto pelo STF. O fascismo segue com o ataque populista às instituições e, em breve, quando Gilmar Mendes perguntar (como já perguntou) se Moro “fala com Deus”, Mendes encontrará uma turba a dizer que sim, e que é o STF quem opera pelo diabo.

Este violento ataque é fruto de inação anterior do STF, e é uma velha estratégia do fascismo. Empoderar membros mais baixos das hierarquias que se quer destruir e passar a ideia simultaneamente de legitimidade por simplicidade, justiça e por apoio popular. Hitler era cabo, e isto sempre lhe deu um “lugar da fala” privilegiado contra as oligarquias. O apelo panfletário às massas é a marca indelével da destruição fascista e um apelo à consolidação da “ditadura da maioria”.

Enfim, parece que o ex-capitão descobriu que se precisa de menos do que “um soldado e um cabo” para “fechar o STF”. Basta provocar uma rivalidade aberta de poder, com um dos polos recebendo apoio militar e da parte fascista da população. No momento em que o STF parece entender o perigo fascista, no momento em que ele vota unanimemente pela intangibilidade da liberdade de cátedra e pensamento nas universidades, o fascismo apresenta como oposição à “corrupção” do STF um juiz visto como “impoluto”, “íntegro” e “honesto”. Moro não é mais do que um mau juiz criado num protofascismo delirante, e se ele alcançou a projeção suficiente para ser algoz do STF, foi exatamente pela irresponsabilidade deste.

Que o judiciário entenda que com leis não se brinca de fazer política, pois o poder emprestado a algum subalterno não é devolvido e, pelo contrário, ataca as fundações de todo o sistema.

Seria bom, do ponto de vista do equilíbrio de forças, que o tribunal soltasse Lula imediatamente. Seria uma demonstração para Moro de que ele não é plenipotenciário, de que ele foi político e venal (e não um cavaleiro da ética) e de que o STF requisita a sua independência. Além disso disto, Lula poderia unificar a oposição ao fascismo que, em quatro dias após a eleição já se mostra agressivo demais com as instituições.

Não acho, entretanto, que o STF terá coragem para enfrentar isto. Acho os ministros, todos, ignorantes demais para compreenderem que serão engolidos pelo fascismo. Creio que quando os despreparados magistrados compreenderem o que se passa, será tarde demais. Lula os chamou de acovardados, Dilma declarou que era golpe. Ambos os presidentes foram alvo da fúria descompassada de ministros e ministras exigindo infantilmente explicações. Em contrapartida, um semi-analfabeto filho de ditador, diversos generais e agora um juiz de piso ameaçam e ofendem a suprema corte e não vemos os mesmos faniquitos em defesa. Na minha opinião o STF já está fechado. Moro é a pá de cal.

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