Publicado em Socialista Morena –
O físico britânico Tim Berners-Lee publicou neste final de semana uma carta no site da Fundação World Wide Web onde critica os rumos que a internet tomou. “Sir” Berners-Lee não é qualquer um: foi ele quem, em 1989, fez a proposta para a criação de uma rede mundial de computadores, e desde então ficou conhecido como “o pai da internet”.
Berners-Lee está muito preocupado com sua “invenção”, sobretudo com três aspectos: a facilidade com que se difunde informação falsa na rede; o domínio das redes sociais sobre nossas informações pessoais; e a ausência de qualquer regulamentação da propaganda feita por políticos na internet.
“Tenho estado cada vez mais preocupado com estas três novas tendências, que devemos combater para que a web possa alcançar seu verdadeiro potencial como ferramenta a serviço de toda a humanidade”, escreveu. Ele criticou especificamente a perseguição a blogueiros e a censura a temas como a sexualidade e religião nas redes sociais, mesmo em países que não estão assumidamente sob um regime de força.
Em 2014, Berners-Lee e sua fundação apoiaram a aprovação do marco civil da internet no Brasil justamente por significar uma tentativa de regulamentação da rede.
“We congratulate Brazil’s leaders for their courage and vision”. Blog on Marco Civil: http://ow.ly/uZKXP cc @AFJellema@timberners_lee
Welcoming Brazil’s Marco Civil: A World First Digital Bill of Rights
Last night, the Brazilian Chamber of Deputies passed the Marco Civil da Internet – a landmark law that some have called a ‘Constitution for the Internet’. T
webfoundation.org
Leia a carta na íntegra, abaixo.
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Três desafios para a web, de acordo com seu inventor
Por Tim Berners-Lee
Hoje se completam 28 anos desde que submeti minha proposta original para a world wide web. Eu a imaginei como uma plataforma aberta, permitindo que qualquer um, onde quer que estivesse, pudesse compartilhar informações, acessar oportunidades e colaborar entre fronteiras geográficas e culturais. De diversas maneiras, a web conseguiu tornar esse anseio realidade, embora mantê-la aberta tenha sido uma batalha recorrente. Nos últimos 12 meses, contudo, tenho estado cada vez mais preocupado com três novas tendências, que acredito que devemos combater para que a web possa alcançar seu verdadeiro potencial como ferramenta a serviço de toda a humanidade.
1) Perdemos controle sobre nossos dados pessoais
O modelo vigente de negócios em muitos websites contempla oferecer conteúdo gratuito em troca de dados pessoais. Muitos de nós concordamos, embora isso frequentemente se dê ao aceitarmos aqueles longos e confusos termos de uso, mas, em geral, nós não nos incomodamos que algumas informações sejam coletadas em troca de serviços gratuitos. Acontece que assim perdemos uma oportunidade. Quando nossos dados são armazenados em espaços particulares, longe de nosso alcance, perdemos as benesses que poderíamos ter caso tivéssemos controle direto sobre os dados e escolhêssemos quando e com quem gostaríamos de compartilhá-los. Além disso, muitas vezes não temos meios de contatar as empresas sobre os dados que não queremos compartilhar –especialmente com terceiros. Os termos e as condições de uso normalmente são tudo ou nada.
A coleta disseminada de dados por empresas também apresenta outros impactos. Em colaboração –ou coerção– com empresas, os governos passaram a observar todos os nossos movimentos online, e aprovaram leis extremas que atropelam nossos direitos à privacidade. Em regimes de repressão, é mais fácil entender o mal que pode ser causado: blogueiros podem ser detidos ou assassinados, e opositores políticos podem ser monitorados. Mas, mesmo nos países em que acreditamos que os governos trabalham em prol de seus cidadãos, vigiar todas as pessoas o tempo todo está indo longe demais. Há um efeito inibidor na liberdade de expressão que impede que a web seja usada como um espaço para lidar com assuntos relevantes, como questões de saúde, sexualidade ou religião.
2) É muito fácil difundir desinformação na web
Boa parte das pessoas atualmente acessa notícias e informações na web em um punhado de sites de mídias sociais e mecanismos de busca. Esses sites ganham dinheiro a cada clique que damos nos links que eles nos mostram. Mais ainda: eles escolhem o que irão nos mostrar com base em algoritmos que aprendem com os nossos dados pessoais – que estão constantemente colhendo. O resultado é que esses sites nos mostram conteúdo que acreditam que nós vamos querer clicar –o que significa que desinformação ou “notícias falsas” (as chamadas fake news), que têm títulos surpreendentes, chocantes, criados para apelar aos nossos preconceitos, podem se espalhar como fogo. Pelo uso da ciência de dados e de exércitos de bots, pessoas com más intenções podem jogar com o sistema para disseminar desinformação para ganhos financeiros ou políticos.
3) A propaganda política online precisa de transparência
Propaganda política online rapidamente se tornou uma sofisticada indústria. O fato é que a maioria das pessoas acessa informação em algumas poucas plataformas, e a crescente sofisticação dos algoritmos que atuam sobre ricos tanques de dados pessoais significa que campanhas políticas estão criando anúncios individuais, que miram os usuários diretamente. Uma fonte sugere que nas eleições de 2016 nos Estados Unidos, mais de 50 mil variações de anúncios foram lançadas diariamente no Facebook, uma situação quase impossível de se monitorar. E suspeita-se que alguns anúncios políticos – nos Estados Unidos e pelo mundo – estão sendo usados de maneira antiética para conduzir eleitores para sites de notícias falsas, por exemplo, ou para manter pessoas longe das pesquisas eleitorais. Anúncios direcionados permitem que uma mesma campanha lance informações diferentes e possivelmente contraditórias para grupos diferentes. Isso é democrático?
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Esses são problemas complexos, e as soluções não serão simples. Mas alguns poucos caminhos abrangentes já estão ficando claros. Precisamos trabalhar junto com empresas da web para estabelecer um equilíbrio que coloque o controle de uma quantidade considerável de dados de volta às mãos das pessoas, incluindo o desenvolvimento de novas tecnologias como “pods de dados”, se for necessário, e explorar modelos alternativos de receita, como assinaturas e micropagamentos. Precisamos lutar contra o alcance excessivo de dados por governos através de leis de vigilância, inclusive em tribunais se necessário. Precisamos nos opor às desinformações, incentivando portais como Google e Facebook a continuarem se esforçando para combater o problema, ao mesmo tempo evitando a criação de centrais que decidam o que seria “verdade” ou não. Precisamos de mais transparência nos algoritmos para entendermos como têm sido feitas as decisões importantes que afetam nossas vidas, e talvez estabelecer um conjunto de princípios comuns a se seguir. Precisamos, com urgência, fechar o “ponto cego da internet” na regulamentação das campanhas políticas.
Nossa equipe na Web Foundation vai seguir trabalhando em muitas dessas questões como parte de nossa estratégia de cinco anos, pesquisando os problemas com mais detalhes, providenciando soluções políticas proativas e aproximando pessoas e coalizões que possam tornar a web mais progressiva, com equidade de poder e oportunidades a todas e todos. Por isso, peço o seu apoio para seguirmos trabalhando – seja na divulgação de nossos textos, na pressão a empresas e governos, ou através de doações. Nós também montamos um diretório de organizações de direitos digitais pelo mundo para que você possa conhecê-las e inclusive apoiá-las.
Eu posso ter inventado a web, mas são todos vocês que ajudaram a torná-la o que é hoje. Todos os blogs, posts, tweets, fotos, vídeos, aplicativos, páginas web etc. representam contribuições de milhões de pessoas pelo mundo que, como você, constroem nossa comunidade online. Todo tipo de gente ajudou nesse processo: políticos que trabalham para manter a web aberta, organizações como a W3C, que amplia a potência, acessibilidade e segurança da tecnologia, e os manifestantes nas ruas. Ano passado, acompanhamos quando nigerianos se opuseram a uma lei de mídias sociais que dificultaria a liberdade de expressão online; comoção pública e protestos contra os cortes regionais de internet nos Camarões; e o grande apoio popular pela neutralidade da rede tanto na Índia como nos Estados Unidos.
Para construir a web que temos hoje, todos nós fomos necessários, e agora mais uma vez seremos necessários para construir a web que queremos –para todos. Se você quiser se engajar, entre na nossa mailing list, faça doações, e considere doar para e/ou fazer parte de alguma das organizações que trabalham com essas questões pelo mundo.