Crianças já são 20% dos internados com covid-19 na África do Sul

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Maior parte dos pacientes que dá entrada nos hospitais com sintomas graves da doença não tomou as duas doses da vacina

Por Vinicius Assis, compartilhado de Projeto Colabora




Jovem é atendida em posto de vacinação na Cidade do Cabo. Governo tem enfrentado dificuldades para convencer a população a se vacinar. Foto Xabiso Mkhabela/Anadoly Agency via AFP

(Cidade do Cabo, África do Sul) – Em pleno período de férias escolares, a Ômicron, variante do coronavírus, trouxe para a África do Sul uma quarta onda de infecções que está sendo considerada 29% menos grave que a primeira, vivida pela população no ano passado, de acordo com recente estudo divulgado pela maior seguradora do país. Mas a quantidade de novos casos vem aumentando rapidamente nos últimos dias e ainda há muitas preocupações entre as autoridades de saúde e pesquisadores, incluindo a crescente quantidade de crianças e adolescentes sendo infectados.

É o caso de Maria Eduarda Rocha Monteiro, que tem 18 anos e testou positivo para covid-19 no início do mês na Cidade do Cabo, onde mora há quase dois anos, apenas com o irmão, depois que os pais voltaram para o Brasil. “Os primeiros dias não foram muito fáceis, porque quando você recebe o resultado positivo já é um choque. E pensar que você é a pessoa que deu positivo depois de um longo tempo tentando se proteger evitando sair”, lembrou.

A estudante brasileira contou que não teve febre e sentiu, principalmente, irritação na garganta. Mas dias depois os sintomas começaram a mudar. O nariz foi ficando congestionado, ela não sentia o gosto de alimentos nem cheiros. Também passou a ter dor de cabeça e tonturas.

A suspeita é de que Maria Eduarda tenha tido contato com o SARS Cov-2 em um jantar de aniversário onde esteve. “Três amigos próximos testaram positivo também. A gente esteve no mesmo lugar, todo mundo teve contato um com o outro”, lembrou, ressaltando ainda que uma semana antes do próprio resultado positivo ela havia comentado com os pais que vários jovens – amigos de amigos – estavam postando nas redes sociais fotos e vídeos das festas que estavam frequentando. Uma das amigas dela desabafou em uma rede social que inicialmente não acreditava que tivesse sido infectada pelo coronavírus, apesar dos sintomas. “Ela achava que estava doente de alguma coisa ligada à mudança muito rápida do clima, mas aí (o resultado do teste) saiu como positivo”, disse. A jovem brasileira está vacinada, com duas doses, ao contrário de alguns amigos dela na África do Sul.

Maria Eduarda, com a mãe Marisete. Ela vive na Cidade do Cabo, na África do Sul, e testou positivo para a covid-19 após a nova onda da variante Ômicron atingir o país. Foto WhatsApp
Maria Eduarda, com a mãe Marisete. Ela vive na Cidade do Cabo, na África do Sul, e testou positivo para a covid-19 após a nova onda da variante Ômicron atingir o país. Foto WhatsApp

A turma da brasileira no colégio tem quase 20 alunos. Quando chegou a vez de adolescentes serem vacinados, Maria Eduarda conta que apenas ela e duas amigas inicialmente demonstraram interesse imediato em se imunizar. “Um dos meus amigos disse que os pais não querem que ele se vacine e ele não se vacinou até hoje. Tem gente que não trata como uma emergência, que não se preocupa”, destacou.

O irmão da brasileira que também vive na Cidade do Cabo, Pedro, de 19 anos, não foi infectado. Os dois não se aproximaram fisicamente durante o período de 10 dias em que ela ficou isolada. Mas o contato por telefone com os pais foi constante, diário durante todo o isolamento.

A família se mudou para o continente africano em 2014, vivendo, primeiramente, em Moçambique. Os pais da jovem atuam no setor de mineração e o trabalho os fez cruzar o oceano naquela época.

Para a mãe, Marisete Rocha, que vive no Maranhão, administrar a situação da infecção da filha na África do Sul estando neste momento no Brasil foi muito difícil. “A gente balança, quer estar perto, mas não pode”, desabafou. Ao mesmo tempo que admite tentar passar força e tranquilidade aos três filhos que moram no exterior (o mais velho, de 25 anos, vive em Portugal), ela conta que desmorona quando as chamadas no telefone acabam.

Marisete espera poder conseguir embarcar para a África do Sul ainda este mês. Por enquanto, conta também com a ajuda de amigos e vizinhos do condomínio onde a filha está, onde quase 20 casos foram confirmados nas três semanas anteriores à entrevista.

Apesar disso, ao comparar o atual momento entre o Brasil e a África do Sul, Marisete foi categórica ao dizer que os filhos “estão mais seguros onde estão”. Ela justifica dizendo que, apesar de tudo, Maria Eduarda e o irmão, Pedro, estão em “um ambiente mais controlado do que” onde ela vive, entre Maranhão, Tocantins e Pará. “Quando eu passo de máscara as pessoas ficam me olhando como se eu fosse um E.T.”, contou.

Maria Eduarda diz que também se sente mais segura estando na África do Sul neste momento. Ela lembra que nos locais onde costumava ir antes do isolamento, como supermercados, por exemplo, não via uma pessoa sequer sem máscara.

“Em comparação com o Brasil, por exemplo, aqui deve estar mais controlado e acho que completamente mais seguro aqui, porque tem muito mais gente se precavendo em comparação com o Brasil”, afirmou.

Em março do ano passado, semanas após o primeiro caso confirmado, a África do Sul implementou um dos mais rígidos sistemas de confinamento nacional obrigatório (lockdown), que começou no nível 5, com regras bem mais restritas que agora. Atualmente o país está sob as normas do nível 1 do lockdown, o mais brando de todos os cinco níveis. A vida noturna na badalada Cidade do Cabo ainda não voltou a ser o como era antes, mas bares têm ficado cheios, principalmente nos fins de semana. Em teoria, não devem superar 50% da capacidade de público. E ainda há toque de recolher no país, entre meia-noite e 4h da manhã.

No início deste mês, quase 15% dos testes na África do Sul foram feitos em pessoas com menos de 19 anos, que representaram 12,5% dos casos confirmados de covid-19, 5% de todas as internações hospitalares e quase 1% dos óbitos intra-hospitalares por conta da doença segundo o último relatório do Instituto Nacional para Doenças Transmissíveis. Na última sexta-feira, dia 17 de dezembro, o governo informou, durante uma coletiva de imprensa virtual, que 20% dos quase 8 mil pacientes de hospitais com covid-19 eram crianças. Nas duas ondas anteriores este percentual não passou de 5%. Mas o cenário não chega a ser caótico, de acordo com o ministro da Saúde, Joe Phaahla.

Houve um aumento de 70% nas internações ao longo dos sete dias anteriores à coletiva, de acordo com o ministro, que considerou o número total de pacientes ainda baixo. Até o último domingo, dia 19 de dezembro, eram 7.951 pessoas com covid internadas em hospitais do país, sendo que 535 estavam em leitos de UTIs e 212 dependendo de ventilação.

Em comparação com esta 4ª onda, a média semanal de internações hospitalares foi significativamente menor do que a média de internações semanais na 3ª onda durante as primeiras duas semanas de cada uma. Entre 17 e 24 de junho, houve em média 4.485 casos novos por dia e 888 hospitalizações, representando 19% de todos os casos de covid-19 hospitalizados. Já entre os dias 9 e 15 de dezembro, a média de casos novos por dia foi de 20.207 e 348 hospitalizações. Ou seja: 1,7% dos casos de covid-19 hospitalizados.

O ministro destacou que “embora haja um rápido aumento da hospitalização, a maioria é (caso) leve”. Apesar de haver vacinados, como Maria Eduarda, entre os infectados recentemente, há semanas as autoridades informam que estes não estão entre os pacientes mais graves e que a maioria nos hospitais não se vacinou.

“A suavidade da doença pode não significar necessariamente que o vírus é menos virulento, mas também pode ser devido à cobertura vacinal significativa de quem tem mais de 60 anos, a 66%, os com mais de 50 anos, a 61%, e cobertura nacional de adultos de 44%”, ressaltou o ministro.

Aumentar a quantidade de totalmente vacinados na África do Sul ainda é um desafio para o governo. O país vem aplicando, em média, de 100 mil a 130 mil doses por dia. Atualmente quem tem mais de 12 anos já pode se vacinar por aqui, se quiser. O Partido Democrático Cristão Africano (ACDP) e um grupo de organizações comunitárias chegaram a acionar a Suprema Corte Sul-africana para tentar impedir a vacinação de adolescentes. Mas a campanha pela imunização em massa segue. Autoridades discutem ainda a possibilidade de tornar a vacinação obrigatória para determinadas atividades e locais no país.

O governo sul-africano anunciou que vai doar mais de 2 milhões de doses de vacinas da Jhonson & Jhonson a outros países africanos, o que deve custar o equivalente a mais de R$ 103 milhões. Através do African Renaissance Fund, a África do Sul assinou um acordo com o African Vaccination Acquisition Trust para fazer essa doação.

Neste momento, há mais de 210 mil infectados pelo coronavírus em recuperação na África do Sul. O presidente Cyril Ramaphosa testou positivo após ter participado do funeral de FW de Klerk, o último presidente branco do país. De Klerk faleceu de câncer, no fim do mês passado. Ramaphosa também sentiu apenas sintomas leves, segundo o gabinete presidencial, e depois do isolamento voltou a trabalhar no início desta semana.

O atual epicentro da pandemia na África do Sul é a província de Gauteng, onde fica a cidade de Joanesburgo e a capital, Pretória. Nesta região foi registrada quase metade dos mais de 277 mil novos casos nos últimos 14 dias, embora o crescimento de infecções em cidades costeiras, que atraem mais viajantes neste período de festas, também venha sendo motivo de alerta.

Ainda de acordo com os dados divulgados pelo governo, o número de casos na 4ª onda de infecções ultrapassou os picos das três anteriores com uma média semanal de novas infecções de mais de 37 / 100.000 da população, enquanto o pico da 3ª onda foi de cerca de 33 / 100.000, da 2ª onda 32 / 100.000 e da 1ª onda 21 / 100.000.

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