Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Bem Blogado
Não adianta fazer cara de paisagem. Nem mesmo apelar ao religiosismo político e apontar que tudo é obra dos inimigos. O fato está ali, cristalino: grande parte da base eleitoral do Partido dos Trabalhadores na cidade de São Paulo não concorda com a candidatura de Jilmar Tatto à Prefeitura. Uma parcela inclusive já anuncia voto em outro concorrente pelas esquerdas, Guilherme Boulos (PSOL).
Não vai se discutir aqui qualidades ou falta delas em Jilmar Tatto. Ele e família são militantes de décadas do PT. As questões são várias e outras. A começar pelo próprio método de escolha, uma reunião ampliada das direções de diretórios, muito longe de ser uma prévia.
OK, a pandemia atropelou o calendário petista em São Paulo, mas é evidente que a definição poderia se dar em outra data e, melhor, com um colégio eleitoral que espelhasse melhor a vontade dos petistas paulistanos.
Mesmo assim, apesar do conhecido domínio que a família Tatto exerce sobre o partido na cidade, o triunfo de Jilmar se deu por margem estreitíssima sobre o ex-ministro Alexandre Padilha. Ganhou, mas parece correr o risco imenso de não levar.
No fundo, a candidatura Tatto representa o drama de um PT que não soube, ou não conseguiu, renovar lideranças em São Paulo. Com as mudanças no mundo do trabalho que dificultaram a ação política dos sindicatos e um inegável esvaziamento de sua penetração nos movimentos sociais, o PT corre o risco real de ter apostado em candidatura que representa os cabelos brancos da legenda, mas o afasta da contemporaneidade.
Não é por acaso que já se avolumam declarações de voto de petistas históricos em d ireção à chapa Boulos-Erundina. A ex-prefeita, aliás, mesmo fora do PT conserva o carinho de muitos petistas admirados pela trajetória sempre ao lado das forças populares, como na luta contra o golpe que vitimou a Presidência de Dilma.
Alguns, em outra via, não perdoam em Tatto a falta de solidariedade com Eduardo Suplicy na corrida pelo Senado em 2018. Sem nenhuma chance de obter uma das cadeiras, Tatto recusou-se a ceder seu tempo de TV a Suplicy, que poderia ter voltado ao Senado com um gesto de abnegação do companheiro.
É possível que Tatto resista e consiga crescer na eleição? Sim, impossível imaginar que uma candidatura do PT na maior cidade do País termine a corrida com 1%, marca vexatória atual.
O grande drama político, no entanto, não é esse. É o PT pela primeira vez na cidade claramente ir na contramão de seus próprios eleitores. É abrir a porteira para o divórcio entre sua base fiel de sempre, que não se sente representada pelos delegados que escolheram Tatto.
Não se trata aqui de defender o abandono de uma candidatura pela de Boulos, que de resto no mundo real não tem também possibilidade alguma de vencer o pleito. A questão é que está aberta claramente uma cisão do eleitorado de esquerda com a maior legenda popular no maior eleitorado do País.
O que está acontecendo em São Paulo repete, anos depois, as escolhas erradas do PT no importante Rio de Janeiro. Alianças com o submundo da política fluminense levaram o partido a uma posição irrelevante no cenário do Rio. O PT no Rio, apesar do esforço de militância aguerrida, vive somente da popularidade de Lula manifestada em eleições presidenciais.
Se o caminho de São Paulo for o mesmo, que futuro haverá para a agremiação? O possível ou provável vexame eleitoral de Tatto pode ser atenuado em alguns graus pela força que o PT ainda tem nos corações dos setores populares. Mas já agora, quatro meses antes da eleição, fica claro que existe uma distância entre a burocracia do partido e uma parte grande daqueles que sempre votaram na legenda.
Abre o olho e o ouvido, PT!