Crise climática está diretamente relacionada a 200 mil casos de doenças renais no Brasil, diz estudo

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  • Estudo inédito fez o cruzamento de dados entre altas temperaturas e o aumento de internações hospitalares de pacientes com doenças renais em 1.816 municípios do Brasil.
  • Entre 2000 e 20015, a cada aumento de 1oC na temperatura, o risco estimado de hospitalização por doenças renais durante o intervalo de 0 a 7 dias cresceu em 0,9%.
  • Os cientistas sustentam que a sudorese induzida pelo calor e a desidratação consequente dela desempenham um papel vital no desenvolvimento de doenças renais.

Por Suzana Camargo, compartilhado do Site Mongabay

Não é só no meio ambiente que os impactos das alterações no clima do planeta já são sentidos. Na saúde humana também. Um dos mais conhecidos e até agora estudados eram os problemas respiratórios associados com a poluição, sobretudo urbana, provocada pela queima de combustíveis fósseis, como diesel e gasolina usados nos veículos. Todavia, um novo estudo traz luz sobre a correlação do aumento da temperatura com o maior número de internações hospitalares de pacientes com doenças renais no Brasil.




Um grupo de cientistas internacionais, incluindo pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), realizou um estudo inédito que faz o cruzamento de dados entre altas temperaturas e o aumento de casos de pacientes com problemas nos rins. Os pesquisadores sustentam que a sudorese induzida pelo calor e a desidratação consequente dela desempenham um papel vital no desenvolvimento de doenças renais.

O levantamento, que tem como base registros do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1.816 cidades brasileiras, apontou que, entre os anos de 2000 e 2015, mais de 200 mil casos de doenças renais estiveram diretamente relacionados com alterações climáticas. O estudo indica que, a cada aumento de 1oC na temperatura, o risco estimado de hospitalização por doenças renais durante o intervalo de 0 a 7 dias cresceu em 0,9%.

“Já sabíamos da influência da temperatura sobre os rins porque os médicos sempre perceberam isso. Todavia, não existia um estudo desse porte sobre o assunto”, diz a matemática e meteorologista Micheline de Sousa Zanotti Stagliorio Coêlho, pesquisadora da USP e colaboradora da School of Public Health and Preventive Medicine da Monash University, em Melbourne, na Austrália, e uma das co-autoras da pesquisa.

O professor da Faculdade de Medicina da USP, Paulo Hilario Nascimento Saldiva, que também é co-autor do artigo, menciona que estudos anteriores já tinham indicado a maior incidência de doenças renais entre, por exemplo, trabalhadores rurais, como cortadores de cana-de-açúcar, em países da América Central. “Já sabíamos que não eram apenas o coração e o pulmão que são afetados pelo calor”, diz.

Agora o novo levantamento não deixa mais dúvidas. “O cruzamento de dados demonstra claramente o impacto negativo de altas temperaturas sobre o sistema renal também”, ressalta Micheline.

Crianças, mulheres e idosos são os mais afetados

Entre as principais funções dos rins estão limpar todas as impurezas e as toxinas de nosso corpo; regular a água e manter o equilíbrio de substâncias minerais como sódio, potássio e fósforo, liberar hormônios para manter a pressão arterial e regular a produção de células vermelhas no sangue.

Apesar disso, os autores do artigo publicado na Lancet afirmam que as doenças renais já são consideradas uma preocupação global de saúde pública. Cerca de 2,59 milhões de mortes foram atribuídas a elas em 2017, um crescimento de 26,6% em relação a 2007.

No Brasil, dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia indicam que mais mais de 10 milhões de pessoas sofram algum tipo de doença renal. Nos casos em que ela se torna crônica, está associada a outras duas enfermidades de alta incidência na população brasileira: a hipertensão arterial e o diabetes.

O estudo feito pelos cientistas  analisou aproximadamente 2,7 milhões de internações hospitalares referentes a problemas renais, em hospitais públicos do Brasil (SUS), nos últimos dezesseis anos. O risco se mostrou mais proeminente em mulheres, crianças de 0 a 4 anos e idosos acima dos 80 anos.

Saldiva explica, de maneira bem didática, que em geral o “termostato” das crianças ainda está em desenvolvimento e, no caso das pessoas mais velhas, ele começa a apresentar alguns defeitos. É por isso, por exemplo, que os mais idosos desidratam com maior frequência porque costumam não sentir tanta sede. Já as mulheres apresentam um sistema de termorregulamentação diferente do homem. Elas possuem naturalmente mais teor de gordura corpórea devido aos processos de gestação e amamentação e, com isso, têm maior vulnerabilidade ao calor. “Elas também apresentam maior propensão a outras doenças autoimunes, como o lúpus, que têm os rins entre os órgãos com maior chance de serem acometidos”.

Os mapas comparam a média diária de temperatura entre 2000 e 2015 (à esquerda) e a taxa de internação hospitalar (número de casos a cada 100 mil pessoas) nos 1.816 municípios avaliados pelo estudo. Imagem: Bo Wen et al.

Sobrecarga no sistema público de saúde: tratamento de alto custo

Alguns podem alegar que o aumento de 0,9% nas hospitalizações de pacientes com problemas renais devido às altas nos termômetros provocadas pela crise climática ainda é uma porcentagem muito baixa. Entretanto, é preciso lembrar que diante do tamanho da população brasileira e dos portadores de doenças nos rins, esse número (risco atribuível) é muito grande.

Ademais, Paulo Saldiva ressalta que os medicamentos e os tratamentos têm um alto custo para o sistema de saúde pública. Ainda segundo a  Sociedade Internacional de Nefrologia, atualmente no país 90 mil brasileiros fazem diálise, um aumento de 100% nos últimos dez anos. E os custos com o procedimento mais do que dobraram: de US$ 340 milhões em 2000 para US$ 713 milhões em 2009.

“A diálise é cara, os medicamentos são caros. Tanto para o sistema de saúde quanto para os familiares”, afirma o especialista. “Pessoas acometidas por doenças renais também apresentam maior chance de morte prematura e aposentadoria precoce por invalidez, o que acarreta ainda mais sobrecarga no sistema de seguridade social do Brasil”.

Na análise dos pesquisadores da Monash University, em parceria com os colegas da USP, o Norte e Nordeste do país se revelam  os mais impactados por esse salto nas internações associado ao aquecimento global. No Sudeste, embora os picos de temperatura sejam mais frequentes, existe uma variação térmica maior ao longo do dia. Nas outras regiões com clima mais quente, porém, o calor é constante e prolongado, o que em longo prazo tem impacto nas funções renais. “E novamente vemos que as pessoas mais pobres, do Norte e Nordeste, sofrerão mais. São os mais humildes e vulneráveis pagando o maior preço”, lamenta Coêlho.

Aquecimento global e saúde humana

Até bem pouco tempo, quando se falava nas consequências sobre o aumento da temperatura do planeta provocada pela alta concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, proveniente das atividades humanas – e sobretudo, da queima de combustíveis fósseis -, sempre se usava um verbo no tempo futuro. Agora a inflexão é no presente.

“O aquecimento global é agora. Nosso corpo já está respondendo a ele com doenças. Os impactos da crise climática vão além das enchentes, dos desmoronamentos de barreiras, de secas históricas. As mudanças climáticas estão cobrando um preço agora!”, alerta o professor da Faculdade de Medicina da USP. “A saúde das pessoas depende da não degradação ambiental. A saúde dos seres humanos é parte do ecossistema também”.

Globalmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, entre 2030 e 2050, a crise climática será responsável por 250 mil mortes, por ano, relacionadas com desnutrição, malária, diarreia e estresse por calor. No que já chama de “a maior ameaça à saúde que a humanidade enfrenta”, a entidade ressalta que os países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, serão os menos capazes de lidar com o problema.

Imagem do banner: Fernando Frazão/Agência Brasil. 

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