Cruzeiros: Ômicron passeia em transatlânticos pelo litoral brasileiro

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Três razões pelas quais viagens turísticas em navios para mais de mil passageiros durante o aumento do número de casos de covid-19 tinham tudo para dar errado (e foi o que aconteceu)

Por Carla Lencastre, compartilhado de Projeto Colabora




O MSC Preziosa, com capacidade para mais de 3 mil passageiros, atracado no Porto do Rio (Mauro Pimentel / AFP / 5-1-2022)

Qual a chance de terminar sem numerosos casos de contaminação um cruzeiro em um grande navio durante a pandemia, com uma nova variante do coronavírus que se propaga rapidamente e milhares de passageiros e tripulantes? Próxima de zero. Já fiz cruzeiros o suficiente (todos a trabalho, como jornalista especializada em viagens), tantos que tentei me lembrar de quantos antes de escrever este texto e desisti. Vou te contar… Era pouquíssimo provável que, mesmo “seguindo todos os protocolos”, os cinco navios (três operados pela MSC e dois pela Costa Cruzeiros) na atual temporada no litoral brasileiro chegassem ao final do verão com poucos casos de covid-19. Na primeira segunda-feira do ano, 3 de janeiro, a temporada de cruzeiros foi suspensa pelas duas companhias maríticas até o 21, seguindo a recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), depois que mais de 800 casos foram confirmados em um curto período de dias entre o final de 2021 e o início de 2022.

Atualização: Em 12 de janeiro, a Anvisa recomendou o cancelamento definitivo da temporada de navios de cruzeiros no Brasil. No dia 13, a Associação Brasileira de Navios de Cruzeiros (Clia Brasil) anunciou a suspensão até 4 de fevereiro. Em 31 de janeiro, a Clia estendeu o prazo de suspensão até 18 de fevereiro.

Para se ter uma ideia da quantidade de pessoas a bordo, o menor navio da temporada atual, que começou em novembro de 2021, tem capacidade para cerca de mil passageiros. É o Costa Fascinosa, que atracou no Porto do Rio em 6 de janeiro. O maior, o MSC Seaside, atracado no Porto de Santos desde a mesma data, pode receber mais de 3,6 mil viajantes. Além, claro, dos tripulantes, também na ordem dos milhares. Foram registrados um total de 1.177 casos até 6 de janeiro. Como os testes para covid-19 dentro dos cinco navios foram feitos por amostragem (cerca de 10% de passageiros e tripulantes), o número pode ser maior.

Navios de cruzeiro para mais de mil passageiros não oferecem ambiente favorável para a prática das três ações que hoje sabemos fundamentais para restringir a circulação do vírus: usar máscara PFF2 ou cirúrgica, evitar aglomerações e privilegiar atividades ao ar livre. Com protocolos criados antes do surgimento de uma cepa mais contagiosa como a Ômicron, o ambiente fica ainda mais propício a um surto. Exigência do esquema vacinal completo para embarcar e testagem a bordo são fundamentais, mas não é fácil controlar o avanço exponencial de um vírus supercontagioso dentro de uma embarcação com milhares de passageiros.

Se você nunca navegou em um destes navios de cruzeiros, leia a seguir porque a rotina turística ao mar praticamente neutraliza as medidas de proteção.

Cruzeiros no Brasil: Navio da Costa Cruzeiros ancorado no Porto de Santos (Fernanda Luz / Agif via AFP / 03-01-2022)
Navio da Costa Cruzeiros atracado no Porto de Santos (Fernanda Luz / Agif via AFP / 03-01-2022)

Máscara a bordo. Comer, beber e aproveitar o parque aquático são as principais atividades que levam as pessoas a escolherem uma viagem de navio. Dá para usar máscara nos longos corredores fechados, nos elevadores, nos teatros, nas lojas, na academia de ginástica, no spa. Mas não durante as muitas refeições a bordo, nos bares, nas piscinas, nas banheiras de hidromassagem.

Distanciamento social. Quem decide embarcar em um cruzeiro com milhares de outros passageiros provavelmente não pretende passar o dia na varanda da cabine contemplando o horizonte móvel ou lendo um livro. Transatlânticos são conhecidos justamente pela quantidade e a variedade de atividades coletivas oferecidas a bordo. Inclusive na hora das refeições: as mesas dos restaurantes costumam ser grandes e compartilhadas por passageiros que não fazem parte de um mesmo grupo. Distanciamento social não é o objetivo das empresas marítimas nem do passageiros.

Qualquer pessoa que já passou um dia ensolarado de navegação em alto-mar (quando a embarcação não atraca em nenhum porto), em um desses navios gigantes como os que estão no litoral brasileiro, desconfia que a multidão disputando espreguiçadeiras à beira das piscinas e espaços nas jacuzzi enquanto canta alto junto com os animadores não deve fazer muito bem à saúde nem em tempos não-pandêmicos. Ainda que a descrição da frase anterior possa ser sinônimo de diversão para muita gente, visto o sucesso dos cruzeiros em todo o mundo, inclusive no Brasil, o risco de contágio na pandemia é inevitável. E contaminação é incompatível com tudo que se espera de uma viagem de lazer.

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Ar livre. A imensidão do Oceano Atlântico passa uma imagem saudável de muito ar puro, mas vale lembrar que navios de cruzeiro para milhares de passageiros são como grandes edifícios. Boa parte das cabines têm varanda. Mas não no caso dos tripulantes. As áreas reservadas à maioria das pessoas que trabalha no navio fica nos deques inferiores. Tanto as cabines, geralmente divididas entre vários funcionários, quanto toda a área de lazer da tripulação estão em ambientes fechados, sem ventilação nem luz do dia.

O deque superior da embarcação, onde ficam as piscinas, é em sua maior parte ao ar livre, claro. Mas abaixo dele há vários outros andares com apenas pequenas áreas abertas aqui e ali. Os restaurantes que atendem centenas de pessoas ao mesmo tempo em sistema de bufê, por exemplo, são fechados. Assim como o teatro, o cassino, os bares, as lojas, a academia, o spa. Dependendo da embarcação, pode ser que alguns bares ou lojas fiquem ao ar livre. Mas, se você nunca fez um cruzeiro, não se iluda: quem embarca em um transatlântico passa a maior parte do tempo de navegação em um ambiente totalmente fechado. Por mais que a atividade seja importante do ponto de vista econômico, não é o momento para privilegiar aglomerações em ambientes fechados.

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