Por Santiago Mayor, em Notas, com tradução de Anna Beatriz Anjos, publicado na Revista Fórum –
Em mais uma votação promovida pela ONU, 188 dos 193 países membros se mostraram a favor do fim do embargo econômico. Os EUA, no entanto, continuam sem recuar um passo sequer. Entenda quando o bloqueio foi instaurado, por que e como ele impacta a vida na ilha socialista
No último dia 18, 188 dos 193 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) mais uma vez votaram contra o bloqueio imposto de maneira unilateral, há mais de meio século, pelos Estados Unidos a Cuba. Apenas a potência norte-americana e Israel votaram a favor, e se abstiveram as Ilhas Marshall, Micronésia e Palau.
Esta votação acontece desde 1992 e nunca reuniu mais de quatro votos em defesa do bloqueio. Sempre com Israel e os EUA, que foram trocando, ao longo do tempo, seus aliados circunstanciais.
Enquanto isso, o voto a favor de Cuba ganhou inúmeras adesões. Em 91, somente 59 países rejeitaram o bloqueio e 71 se abstiveram. Desde a primeira votação, somaram-se à causa cubana outros 129 países.
Apesar deste apoio, o bloqueio persiste por decisão unilateral dos Estados Unidos, que o impuseram e o defendem.
O começo do bloqueio
Com a chegada dos revolucionários cubanos ao poder em 1959, as relações entre os Estados Unidos e a ilha passaram a ser tensas. A reforma agrária e outras medidas realizadas nos primeiros meses de regime provocaram a reação de Washington, que fez de Havana alvo de ataques militares e sanções econômicas.
A primeira grande ofensiva foi deixar de comprar o açúcar cubano, quando a ilha exportava mais de 70% de sua produção ao país norte-americano. A resposta de Cuba veio em forma de negociação com a União Soviética, que passou a comprar o produto.
Depois de várias tentativas de quebrar o governo encabeçado por Fidel Castro, os EUA decidiram impor o bloqueio.
Um memorando do Departamento de Estado norte-americano de 1960 afirmava: “A maioria dos cubanos apoia Castro, não existe uma oposição política efetiva. O único meio previsível para acabar com esse apoio interno é por meio do desencanto baseado na insatisfação e nas dificuldades econômicas.”
O mesmo documento agregava que para isso “deve-se utilizar prontamente qualquer meio concebível para debilitar a vida econômica de Cuba. Negar-lhe dinheiro e suprimentos para provocar queda nos salários reais e monetários a fim de causar fome, desespero e a derrocada do governo.”
Dessa forma, desde o início, o bloqueio (instaurado oficialmente em 1962) teve como objetivo prejudicar o povo cubano. A intenção, em si, questionável do governo estadunidense de modificar o regime de Cuba não teve – nem tem – escrúpulos em provocar o sofrimento da população civil que, no discurso, pretende defender.
Que efeitos concretos tem o bloqueio?
Com o passar dos anos, o bloqueio foi modificado e intensificado. Primeiro, proíbe que Cuba exporte qualquer produto aos Estados Unidos. Também não permite que a ilha faça transações em dólares. Se isso acontece, Washington confisca o dinheiro ou multa as instituições que promoveram a transação. Por ser obrigada a trocar os dólares por outra moeda, como o euro, Cuba perde todos os anos entre 50 e 60 milhões de dólares.
Outra imposição do bloqueio, reforçada nos anos 90 pelas leis Torriceli e Helms-Burton, é que nenhuma empresa pode vender a Cuba um produto que tenha mais de 10% de componentes norte-americanos. Um exemplo disso é a indústria aeronáutica. Cuba não pode comprar o Boeing porque é produzido nos EUA, mas tampouco pode adquirir o Airbus europeu, pois tem alta porcentagem de tecnologia estadunidense.
O contrário também acontece. Nenhuma empresa pode vender aos Estados Unidos nada construído a partir de produtos cubanos. Se uma corporação automotriz alemã ou japonesa quer vender um carro nos EUA, precisa demonstrar que não utilizou níquel cubano (o segundo produto de maior exportação da ilha).
Se alguma empresa ignorar as imposições e furar o bloqueio, deve se preparar para ser alvo de sanções distintas, como a impossibilidade de comercializar com os EUA ou de que seus barcos ancorem em portos norte-americanos. Fica proibido, ainda, o ingresso de seus executivos em território estadunidense.
Como se não fosse suficiente, com o argumento do bloqueio, os Estados Unidos pressionam o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento para que não aprovem créditos a Cuba.
Segundo estimativas do próprio governo cubano, durante os anos de vigência do bloqueio a ilha já perdeu U$ 1.112.534.000
A ilegalidade nacional e internacional do bloqueio
As leis aprovadas nos anos 1990 com o objetivo de afundar Cuba definitivamente por conta da perda de seus sócios comerciais mais importantes, que se encontravam no desaparecido campo soviético, significaram também a violação da legislação nacional e internacional.
Foi a partir de então que o bloqueio passou a operar de maneira extraterritorial, ou seja, além dos Estados Unidos. As leis Torriceli (1992) e Helms-Burton (1996) estabeleceram que a legislação estadunidense se aplicaria em países estrangeiros. A determinação foi imediatamente questionada pela União Europeia e pela própria Organização Mundial do Comércio, já que atenta, justamente, contra o livre mercado.
O bloqueio também viola a Constituição dos Estados Unidos, porque proíbe seus habitantes de viajar para Cuba, ou seja, interfere no direito de ir e vir. Qualquer norte-americano que visite a ilha pode ser multado em 250 mil dólares ou ser condenado a até dez anos de prisão. Essa situação já fez com que famílias ficassem separadas por anos, algo muito similar ao que ocorria em Berlim durante a época em que o muro existia.
A resistência cubana
O bloqueio significou, para Cuba, perdas econômicas e materiais ao longo de praticamente todo o processo revolucionário, mas o auge se deu durante a década de 1990.
A União Soviética e o bloco socialista permitiam que Cuba se sustentasse e mantivesse um comércio internacional estável, que lhe possibilitava exportar seus produtos e importar o necessário.
No entanto, com a queda do “socialismo real” no Leste Europeu, Cuba perdeu, de um dia para o outro, 85% de seu comércio exterior. Entre 1989 e 1993, o PIB cubano caiu 35% (apenas para comparar, o da Argentina, durante os anos da crise, diminui 22%).
As importações cubanas, que eram de U$ 8,5 milhões de dólares em 1989, em pouco tempo atingiram U$ 1,5 milhão. A ingestão calórica média baixou de 3 mil a 1.900 por dia (segunda a Organização Mundial da Saúde, não pode ser menor do que 2.400). Dos 800 medicamentos utilizados em Cuba, 500 não puderam mais ser receitados.
Apesar deste cenário trágico, não se privatizou nenhum serviço e não se fechou uma única escola. O recrudescimento das leis do bloqueio, diante de uma situação econômica desesperadora, não foi capaz de vencer o povo cubano.
Afinal, diferentemente dos Estados Unidos, Cuba vive de acordo com seus princípios, e não segundo meros interesses. Apesar dos pessimistas do fim da história, a ilha segue sua marcha, forjando dia a dia o sonho de uma sociedade justa, democrática e igualitária.
(Crédito da foto de capa: Notas.org.ar)