Por Daniel Giovanaz publicado em Brasil de Fato –
Ex-assessor de Michel Temer e deputado federal pelo Paraná foi flagrado com mala de R$ 500 mil da JBS
Uma das maiores concentrações de piscinas por habitante no mundo. Restaurantes de alto padrão, quiosques, mini-shoppings, parques e jardins. Clima bucólico, favorável à prática de yoga, à beira do Lago Paranoá. Vista privilegiada do por-do-sol e da ponte JK, cartão postal de Brasília. Essas são algumas das características do Lago Sul, onde mora o ex-deputado federal Rodrigo da Rocha Loures (PMDB).
Considerado um dos braços direitos de Michel Temer (PMDB), o político foi flagrado em um vídeo da Polícia Federal (PF) no dia 28 de abril, quando recebia uma mala com R$ 500 mil em uma pizzaria. Segundo delatores da empresa JBS, o conteúdo da mala era dinheiro de propina.
Quando o escândalo veio à tona no Brasil, Loures estava em Nova Iorque com o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). No dia 3 de junho, o ministro Edson Fachin determinou a prisão preventiva, e ele ficou detido até 1º de julho. Desde então, vive com uma tornozeleira eletrônica e está impedido de sair de casa à noite.
Há duas semanas, o ex-deputado decidiu mudar de ares, sem deixar o requinte do Lago Sul: mudou-se para uma área ainda mais nobre e reservada, conhecida como Setor de Mansões Dom Bosco.
Até o pescoço
Na interpretação da Procuradoria-Geral da República (PGR), os R$ 500 mil que Rocha Loures levava na mala seriam destinados a Temer. Basicamente, tratava-se de uma “recompensa antecipada” para que o governo favorecesse a empresa em uma decisão no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O grupo J&F, a qual pertence a JBS, também controla a Empresa Produtora de Energia (EPE). Na época do suposto pagamento de propina, o grupo questionava o monopólio da Petrobras na importação de gás da Bolívia. Se o Cade reconhecesse o monopólio e exigisse a abertura de concorrência, os irmãos Joesley e Wesley Batista teriam caminho aberto para um mercado bilionário.
Joesley Batista confirmou, em depoimento à Lava Jato, que Rocha Loures foi o nome indicado por Michel Temer para “resolver os pleitos do grupo” no Cade.
Duas medidas?
A Lava Jato costuma ser questionada pelos excessos. O juiz de primeira instância Sérgio Moro teve duas reclamações disciplinares julgadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A Corte Interamericana de Direitos Humanos recebeu, em setembro, um requerimento que descreve uma série de violações constitucionais cometidas pela operação. O ex-ministro José Dirceu (PT), por exemplo, foi preso preventivamente sem sequer ter acesso aos termos da acusação, e permaneceu detido em Curitiba por 354 dias. Mas nem todos os alvos da operação têm a mesma sina.
O ex-assessor do senador Zezé Perrella (PMDB), Mendherson Lima, a irmã senador Aécio Neves (PSDB), Andrea Neves, e o primo deles, Frederico Pacheco. Todos eles foram investigados com base nas delações da empresa JBS e autorizados a cumprir prisão domiciliar após cerca de um mês. De quebra, “ajudaram” a soltar Rocha Loures – segundo Fachin, o ex-assessor de Temer deveria ter direito às mesmas garantias dos demais investigados.
Mendherson Lima ficou atrás das grades por 32 dias; Rocha Loures, por 28; Andrea Neves e Frederico Pacheco, 34 dias cada. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal (STF) levou em média onze vezes menos tempo para autorizar a saída deles da cadeia, em comparação com o caso José Dirceu.
Isonomia
Denunciado por corrupção na Lava Jato, o ex-assessor de Temer também era investigado por obstrução de justiça e organização criminosa. Porém, o STF não entendeu a saída dele da prisão como um risco às investigações. “Em face do transcurso de lapso temporal e das alterações no panorama processual, se depreende mitigada a possibilidade da reiteração delitiva”, argumentou Fachin, que autorizou a prisão domiciliar com base no princípio da isonomia, conforme descrito acima.
Segundo o advogado de defesa de Rocha Loures, o criminalista Cezar Bitencourt, não era necessário nem adequado mantê-lo na prisão por um dia sequer, visto que não há sentença condenatória.
Para continuar longe da cadeia, o político precisa cumprir uma série de requisitos. Monitorado pela tornozeleira, Rocha Loures deve permanecer em casa nos fins de semanas e feriados, e todas as noites das 20h às 6h. Além disso, precisou entregar o passaporte à PF e não poderá ter nenhum contato com qualquer pessoa que tenha relação com os crimes pelos quais ele responde.
A mudança para o Setor de Mansões Dom Bosco tornou-se uma informação pública conforme outra determinação do STF ao “homem da mala”: sempre que trocar de endereço, Rocha Loures precisa comunicar a Justiça.
Rumo ao esquecimento
Além de sair da prisão, o político também saiu dos holofotes. Uma simples pesquisa em buscadores da internet demonstra que a reputação de Rocha Loures está, cada vez mais, protegida pelo silêncio.
De 1º de julho a 1º de agosto, são 40 mil resultados com o nome do político – os links que encabeçam a lista são notícias e reportagens referentes à suposta propina. Nos três meses seguintes, o número de resultados diminui quatro vezes.
Sombra e água fresca
Enquanto o homem da mala de R$ 500 mil aguarda a sentença em uma mansão às margens do Lago Paranoá, quatro a cada dez brasileiros que vivem atrás das grades estão à espera de julgamento. Quase metade deles está na cadeia há mais de 90 dias, segundo dados do Ministério da Justiça.
Trajetória
Rodrigo da Rocha Loures pertence a uma família tradicional do Paraná. Conforme estudo publicado pela Revista Núcleo de Estudos Paranaenses em maio de 2016, a árvore genealógica dele remete aos fundadores de Curitiba: Carrasco do Reis e Mateus Leme. Pelo lado materno, é descendente de Joaquim de Almeida Faria Sobrinho, duas vezes presidente da Província do Paraná, de Lourenço de Sá Ribas, ex-presidente da Câmara de Curitiba, e de Didio Costa, deputado no Congresso Legislativo Paranaense e prefeito de Paranaguá na década de 1920.
Nascido em Curitiba há 50 anos, o ex-assessor de Temer venceu as eleições para deputado federal em 2006 e foi vice-líder do bloco PMDB, PSC e PTC na Câmara, durante o segundo governo Lula (PT). Foi nessa época que o vínculo com Temer tornou-se mais estreito – o então vice-presidente da República escolheu Rocha Loures para chefiar seu gabinete em 2011. Quando o então deputado federal Osmar Serraglio (PMDB) foi nomeado ministro da Justiça, em março deste ano, Loures, que era suplente, voltou à Câmara e readquiriu foro privilegiado.
Sugestão de leitura
Os pesquisadores Ana Crhistina Vanali e Katiano Miguel Cruz, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), produziram em 2016 um estudo aprofundado sobre a trajetória da família Rocha Loures no estado.
O artigo “Um exemplo de old money no Paraná: a família Rocha Loures” tem 26 páginas e está disponível no portal do Núcleo de Estudos Paranaenses.
A leitura ajuda compreender como as gerações mais recentes herdaram bens e privilégios nos últimos 300 anos. Embora tenha sido lançado antes do flagrante da PF, o texto permite supor que a riqueza da família está construída sobre “bases sólidas”, e não será abalada pelas denúncias da Lava Jato.
Esta reportagem faz parte da cobertura especial do Brasil de Fato sobre a operação Lava Jato. Clique aqui para ter acesso a outros materiais sobre o tema.
Edição: Ednubia Ghisi
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