Por Yasmim Restum, compartilhado de Projeto Colabora –
Profissionais das áreas de cultura, consumo e mídias, habituados à rua e aglomerações, se reúnem para buscar alternativas para sobreviver à pandemia
De acordo com o último Mapa da Indústria Criativa da Firjan, publicado em fevereiro de 2019, 837 mil profissionais criativos estão em atuação no Brasil, 90 mil apenas no Rio de Janeiro. Grande parte deles – das áreas de cultura, consumo e mídias – usa o espaço público para colocar em prática seus empreendimentos e depende de gente reunida para viabilizar suas produções. “A rua é onde me expresso. Mas agora não posso ficar só restrita a ela. Que ironia, né? Logo um espaço de tanta liberdade”, comenta a grafiteira e artista visual Dolores Esos, de 34 anos.
O impacto para Dolores foi semelhante a de muitos profissionais criativas (e também de outros): trabalhos adiados, encomendas canceladas, renda em queda. “Sou muito apegada a datas para me organizar: dá um certo bloqueio”, lamenta. O meio digital foi a alternativa para buscar outros trabalhos e novos clientes. A grafiteira é um dos mais de 50 profissionais que aderiram à plataforma Adianta, lançada no início de abril para ajudar a rentabilizar a quarentena de artistas e empreendedores autônomos da economia criativa brasileira. O princípio é o mesmo que vem sendo usado por bares, salões de beleza e até clínicas: negociar e receber agora para prestar o serviço só quando ‘sair de casa’ for uma realidade.
Dolores Esos conta que sentiu a ansiedade bater à porta e diz respeitar os momentos de ócio e baixa produtividade, mas também que está aproveitando os rompantes de criatividade. “Recebi propostas pelos prints que vendo e estou preparando um curso on line. Tenho feito lives e vídeos mostrando meus processos criativos e isso tem me dado mais visibilidade. O jeito é viver um dia de cada vez. Quando estou me sentindo bem, aproveito para testar novas técnicas. Tempo é o que não falta agora”, afirmou.
O fotógrafo Leo Nogueira, de 28 anos, foi um dos empreendedores que já conseguiu fechar negócio através da plataforma. O ensaio que vai fotografar ainda não tem data marcada, mas ele conta que o dinheiro já caiu na conta e que vai ajudá-lo a não acumular despesas. “Felizmente logo depois da aprovação do meu perfil, falaram comigo pelas minhas redes e mandei um portfólio mais detalhado. Fechamos o trabalho e já recebi. Pena que não vai dar para juntar, mas pelo menos diminui as contas que continuam chegando”, afirma o fotógrafo.
De quarentena desde 14 de março, Leo precisou adiar trabalhos como ensaios fotográficos e registros de eventos. Através de iniciativas como o Adianta, ele acredita que vai ganhar mais visibilidade. “É hora de aproveitar possibilidades. Acredito que oferecer um bom desconto é meio caminho andado porque ninguém está consumindo além do básico. Sabemos que isso tudo vai passar, mas não acho que a recuperação será rápida para quem trabalha com arte”, reflete.
O diretor de produções audiovisuais Guilherme Brehm, de 28 anos, também sentiu o impacto do coronavírus no planejamento financeiro. Equipes de gravação por si só já são uma aglomeração indesejável durante a pandemia, por isso ele vem optando por soluções gráficas para fazer as entregas. “Minha fonte de renda praticamente zerou logo quando estava me organizando para pagar investimentos que fiz no ano passado. Sem aglomeração não tem filmagem, então tive que me adequar. Em um dos trabalhos que estava pendente, utilizei animação em todo o vídeo”, explica.
No entanto, apesar de o relatório de mercado do Banco Central projetar um cenário de recessão econômica e queda de mais de 3% no PIB, Brehm acredita que a necessidade de presença digital das marcas pode impulsionar o mercado audiovisual no segundo semestre de 2020. “Vídeos e materiais publicitários são fundamentais para qualquer artista ou marca vender e se destacar. Como a prioridade agora são produtos básicos de alimentação e limpeza, outros segmentos vão ter que vir com tudo depois da pandemia para não terem prejuízos”, argumentou.
Quem também não trabalha sem aglomerações é o DJ Allison Knines, de 29 anos, que está tentando encarar a crise com bom humor. “Foi inesperado. Antes eu estava preocupado em me mostrar musicalmente e pensar próximos passos da carreira. E agora tô focado em não esquecer de lavar as mãos”, diverte-se. Ele garante que, apesar das dificuldades, está otimista e feliz com a união e apoio entre artistas. “Não vou poder investir em equipamentos agora. Tenho que pagar o aluguel. A gente sabe que lidar com arte não é fácil, mas graças a deus vivo do meu sonho. Fico feliz de poder oferecer meu trabalho online e me ver ao lado de vários profissionais bacanas, um indica o outro”.
Ao #Colabora, os criadores da plataforma – o designer Daniel Medeiros e o planejador de comunicação Raphael Peres – se mostraram entusiasmados com o aumento da adesão de artistas e outros ao projeto. Ambos atuam na economia criativa e, por saberem os problemas que a quarentena poderia provocar aos autônomos, pensaram o site como uma rede de apoio e divulgação. “Adiantar é quase uma gíria. Um ‘adianto’ é um facilitador, uma ajuda. Também somos do ramo, conhecemos muitos deles de outros trabalhos e vimos que existia um problema em comum. A longo prazo, a gente ganha porque mantemos nossa parceria com eles”, explicou Daniel.
A negociação é feita diretamente com os artistas e outros profissionais da economia criativa, sem intermediários e, segundo Daniel, há uma ideia comum entre os inscritos de pensar preços e propostas atraentes dentro das possibilidades de cada um. “Eles são livres pra negociar como quiserem, mas entendemos que um bom preço, uma proposta mais generosa são oportunidades de agradecer a quem topa negócios durante esse período complicado. E a gente agradece também, claro”, disse com um sorriso na voz.
Para disponibilizar seus serviços na plataforma Adianta, basta se cadastrar através do link. Conheça os artistas e seus trabalhos no site.