Por Leonardo Sakamoto no seu Facebook, publicado no Portal 180 Graus –
Carnaval é contestação e subversão. Quando é pasteurizado, transformado em produto, empacotado, vendido e transmitido, a contestação é domesticada e pode perder o que tem de melhor. Por isso, dificilmente se manifesta com grandeza em ambientes protegidos por seguranças armados, isolados por cordões mal remunerados, reunindo a “nata” da sociedade abraçada em ar condicionado ou filtrados pela edição das câmeras de TV.
Não é a contestação do beijo forçado e da nudez sexista, que reproduz o cotidiano de nossa sociedade machista e violenta, mas a contestação que nunca é convidada para festas da “Casa Grande”. Por isso, o Carnaval não é apenas a arte da libertação. Também é a do incômodo. Papel duplo que a Paraíso da Tuiuti cumpriu maravilhosamente, neste domingo (11), no Sambódromo do Rio de Janeiro, sob o enredo “Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?”.
Da exploração de africanos trazidos à força, passando pelo racismo brasileiro até a precarização causada pela Reforma Trabalhista do governo Michel Temer (representado como um portentoso vampiro), a escola de samba constrangeu não apenas autoridades e locutores que transmitiram o desfile, que talvez esperassem algo mais fofo, mas para um naco da sociedade que acha que dias de festa servem para esquecer o cotidiano.
Pelo contrário, as datas de comemorar – palavra que significa “lembrar junto” – são momentos de trazer à tona aquilo que tentam nos fazer esquecer no dia a dia.
E o que houve naquele 13 de maio, há 130 anos, no qual a Lei Áurea foi promulgada, não foi uma abolição na prática, mas uma mudança na metodologia da exploração. A carne negra segue descartável e dispensável, tratada como mão de obra barata.
A superexploração de hoje não é fruto da inércia, mas realimentada constante através de leis e regras criadas pelo andar de cima para manter os mais pobres sob controle. E também por narrativas tão bem engendradas que fazem com que trabalhadores se tornem cães de guarda de quem os oprime. E batam panela pedindo Justiça social ao lado de “Patos Amarelos” que são corresponsáveis pela tragédia da desigualdade social. Essa narrativas vendem a ilusão de que medidas que mantém a mão de obra explorada, como a Reforma Trabalhista aprovada pelo governo federal, são ações com o objetivo de libertá-la.
Não deixa de ser irônico que seja necessário um Carnaval, a festa da contestação e da subversão, para tirar o véu de ignorância sobre o assunto e apresentá-lo, em sua complexidade, mas, ao mesmo tempo, de forma tão simples que é possível cantar.