Dá o papo reto, bandido!

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Por Samuel Lourenço Filho, publicado em Jornal GGN – 

Refletir o cotidiano a partir das minhas experiências prisionais apontam para o tamanho das minhas limitações. Eu, que vi o sol nascer quadrado em tempos passados, hoje em dia vejo tudo a partir das grades, acho que sou aquele passarinho que não sabe voar depois de tanto tempo na gaiola.

A questão é o seguinte, vejo as coisas a partir da prisão por entender que não há dissociação, e que a prisão faz parte da cidade e está nela, ou seja, estamos juntos. Prisão é algo que acontece e se estabelecer na cidade e na sociedade e não está fora dela. Por isso, também, faço essas relações viciadas em cadeias e grades.




Mas vamos ao que interessa: o debate dos presidenciáveis! Se tem uma coisa que a convivência entre os presos me ensinou é a questão do papo reto. Papo reto é a forma de dizer como a conversa tem que ser franca em momentos decisivos.  Não vale dois papos, papo de mironga, conversa fiada e papo de maluco. O papo tem que ser reto, isso mesmo, sem curva!

Quando a convivência prisional exige dos presos uma reunião para fins de decisão, escolha de líder, representante, visão de cela, responsa, e outras ocupações que exigem responsabilidade entre os bandidos, quem cometeu erros, assume, e quem não tem, não fica pagando de santo. Se está no desenrolado, não há motivos para ficar atacando o cara, é pra apresentar uma saída pra geral. “Entrou no desenrolo pra somar ou pra falar mal do amigo?”. “É que da outra vez aconteceu isso…”.  Lá não tem dessas coisas de que “fulano fez isso no passado. É escolha, é decisão, é papo reto, visando a melhoria da convivência. Se puxar algum fundamento tem que levar o desenrolo até o fim, do contrário, “é pau no gato sem massagem”.

No fim, a honestidade é a seguinte: se entrou no desenrolado, por favor, não leve ninguém enganado não. Dá o papo reto, sem ludibriar. A escolha será feita, a sabatina (desenrolado) foi importante pro coletivo, não tem jogada ensaiada ou afastamento de amigo. Ninguém abafa a voz de ninguém e, ao que tudo indica, na cadeia o jogo é limpo e sem mironga! Apesar de alguém dizer ontem que bandido de verdade usa gravata, acho que faltou um pouco de bandidagem no debate.

Samuel Lourenço Filho – Cronista, palestrante, egresso do Sistema Prisional, aluno de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social -UFRJ

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