Por Liana Melo, compartilhado de Projeto Colabora –
Estudo revela que, dos 185 mil processos para explorar minérios, apenas 2,45% estão geograficamente localizados em áreas indígenas
Muito embora as Terras Indígenas da Amazônia Legal sejam postuladas como uma “nova fronteira” da exploração minerária, um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) contradiz a lógica do projeto de mineração predatória defendido pelo governo. Aos números. Dos 185 mil processos minerários que aguardam a autorização de pesquisa da Agência Nacional de Mineração (ANM), apenas 4.329 deles, ou 2,34%, estão geograficamente localizados em terras indígenas. O mesmo ocorre com o nióbio – mineral cobiçado por Bolsonaro desde a época da campanha eleitoral. Apenas 9% dos 384 requerimentos incidem em terras indígenas – as maiores jazidas de nióbio do país se encontram em Minas Gerais e em Goiás. E dos 8.779 processos de exploração de minério de ferro, apenas 0,54% estão em terras indígenas.
É um tiro no escuro a regulamentação da mineração em terras indígenas. Primeiro porque é insuficiente o conhecimento da geologia nacional – os mapas geológicos da Amazônia, por exemplo, só estão disponíveis na escala 1:1.000.000, o que pode levar a erros crassos, como detectar uma jazida a 5km de distância de onde de fato ela está. Segundo porque os dados da pesquisa mostram que dentre os minerais considerados estratégicos para a economia nacional, a maioria tem pouca relevância quando se trata de requerimentos incidentes em terras indígenas. Duas semanas depois do projeto de lei ser apresentado por Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na terça 18, anunciou que não é o momento “adequado” para a casa discutir o tema: “Vamos aguardar, vamos deixar ele [projeto] ali do lado da mesa para que, no momento adequado, a gente trate esse debate com todo cuidado do mundo”.
Se os números contradizem a lógica, como aponta o estudo do ISA, que interesses o presidente Jair Bolsonaro estaria atendendo ao liberar geral a exploração mineral e energética, o que significa petróleo e gás, em terra indígena? Mais de uma vez, o presidente já declarou seu amor ao garimpo: “Eles querem garimpar e nós queremos legalizar o garimpo”.
O ouro é o principal minério em uma lista total de 55 substâncias, e representa 54% do total dos processos em terras indígenas, aponta o estudo do ISA. O Brasil possui 0,4% do comércio mundial de ouro em valor e menos de 0,1% em volume. Grande parte dessa exploração vem de garimpos ilegais na Amazônia, muitos deles em terras indígenas.
“Não se sabe ao certo quantas áreas indígenas sofrem com o problema do garimpo, mas em, ao menos, 18 delas a dimensão das invasões garimpeiras é drástica, com desmatamento elevado e altos índices de contaminação por mercúrio”, comenta o antropólogo Tiago Moreira, pesquisador do programa de Monitoramento do ISA e um dos autores do estudo, esclarecendo que a falta do devido cumprimento da fiscalização das terras indígenas tem levado a uma explosão na exploração ilegal de minerais propícios à garimpagem, como ouro, cassiterita e diamantes.
“A proposta de um projeto de lei que pretende liberar atividades minerárias em terras indígenas literalmente inverte a ordem de prioridades, postulando a exceção como ordem do dia”, analisa Moreira, acrescentando que “o governo parece estar querendo legalizar a ilegalidade, que já ocorre na prática nas terras indígenas, alvo de atividade de garimpo.
O projeto de lei vai no sentido contrário de um planejamento setorial. Até o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) já se manifestou contrário a proposta, justificando que as empresas só estudarão investimentos nas regiões se o tema estiver “apaziguado” com a sociedade.
O projeto de lei do governo permite ainda atividades agropecuárias e o cultivo de transgênicos nas terras indígenas, assim como a pesquisa com organismos geneticamente modificados nas Unidades de Conservação. Para os autores do estudo, a medida tenta transformar em lei um preconceito veiculado por parte do setor ruralista de que ‘há muita terra para pouco índio’.
“Essa proposta pode trazer sérias consequências como o aumento da degradação ambiental e a violação dos direitos indígenas”, avalia Moreira. Segundo ele, a agricultura brasileira não precisa avançar sobre as terras indígenas, tampouco, sobre as florestas. Entre 2004 e 2012, por exemplo, o produto interno bruto (PIB) do agronegócio brasileiro subiu 75%, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Cepea/Esalq). No mesmo período ,o desmatamento na Amazônia caiu 80%, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Ao contrário do que prega o governo, o reconhecimento das terras indígenas nunca foi um impeditivo para a expansão agropecuária. O país tem cerca de 63 milhões de hectares de pastagens e campos degradados, o que equivale a 7,5% do território brasileiro ou 35% de toda área de pastos existentes no Brasil (180 milhões). Por estarem degradadas, são áreas de baixa ou quase nenhuma produtividade agrícola, o que significa que ainda possuem um balanço de carbono negativo, deixando de ser uma área de captura de CO2 da atmosfera para ser um emissor. Diz o estudo do ISA que nos estados onde o conflito em torno do reconhecimento de terras indígenas é mais grave, como no Mato Grosso do Sul ou no Rio Grande do Sul, a proporção a área de pastagens degradadas pode ser até duas vezes maior do que a área de terras indígenas em relação ao tamanho do estado.