Dandalunda, maimbanda, coquê

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A cantora baiana Margareth Menezes aceitou ser ministra da Cultura do governo que toma posse no dia 1º de janeiro de 2023. O ministério não existe. Foi extinto, transformado em secretaria para fins de destruir a Cultura plural e polifônica que é a sociedade brasileira, mesmo atropelada pela República militarizada do Templo de Salomão instaurada no país em 2018 na esteira do golpe de 2016.

Por Maria Luiza Busse, diretora de Cultura da ABI, compartilhado do Portal




Confirmada, o primeiro ato de Margareth será fazer Cultura, ato literal porque terá que fazer ressurgir da ausência institucional o órgão que tem a função de ouvir, dialogar e ser parceiro do mundo da arte em todas as suas dimensões. “Cultura é a capacidade de fazer surgir o que está ausente”, definiu com precisão e sensibilidade política a emérita professora de muitas gerações que com ela aprenderam a pensar.

Em 2003, Lula assumia o primeiro mandato presidencial e Margareth cantava Dandalunda no carnaval que rolava lindo, leve e solto pelas ladeiras, avenidas e corredores da Bahia. Por Bahia, entenda-se Salvador, porque baiano chama Bahia de Salvador. Nenhum bairrismo, só modo de sintetizar o Estado e encurtar distancias. Mas, voltando. Assim como o Brasil se movia quando “tocava” Lula, ninguém ficava parado quando Dandalunda ribombava pela cidade na voz vocativa de Margareth Menezes:

“Bem pertinho da entrada do gueto
Um terreiro de Angola e Ketu
Mãe maiamba que comanda o centro
Dona Oxúm dançando Oxóssi no tempo…”

Dandalunda, autoria de Carlinhos Brown, foi eleita pelo povo e especialistas o hino do carnaval baiano daquele ano. Reconhecimento do repertório de personalidade própria que vinha de longe, muito antes desse sucesso que está fazendo vinte anos. Em 1987, um som provocou a audiência para mais e para menos. Era ‘Faraó (Divindade do Egito)”, música de Luciano Gomes que lançou como cantora a então atriz de teatro infantil da periferia de Salvador. O primeiro samba-reagge gravado no Brasil vendeu mais de 100 mil cópias e causou encanto espantado em intelectuais acostumados a filosofar em muitos idiomas e não estranhar o que vem dos seres humanos. Jornalista de nome, editorialista político de página de então leitura obrigatória, foi possuído por Akhenaton, o faraó egípcio que compõe a letra lisérgica que mistura Olodum com Osiris, Isis, todo o panteão politeísta que o pai de Tutankhamon acabou com a festa para instituir o monoteísmo do Deus Sol. Entendeu? O objetivo do autor era chamar atenção para a cultura egípcia no Brasil. Margareth cantou. Naquele dia, assim como aconteceu uma única vez com Kant, o jornalista se atrasou nos compromissos regulares. Ouviu cinco vezes o disco e declarou: ‘sensacional”. Aí vai um trechinho de Faraó:

Pelourinho
Uma pequena comunidade
Que porém Olodum uniu
Em laço de confraternidade

Despertai-vos
Para a cultura egípcia no Brasil
Ao invés de cabelos trançados
Veremos turbantes de Tutankhamon

E as cabeças
Se enchem de liberdade
O povo negro pede igualdade
Deixando de lado as separações

Cadê Tutankhamon?
Ê Gizé, Akhaenaton
Ê Gizé, Tutankhamon
Ê Gizé, Akhaenaton

E eu falei faraó
Ê, faraó
Ê, faraó
Ê, faraó
Ê, faraó

Que mara mara maravilha, ê
Egito, Egito, ê

Margareth se forjou em becos e comunidades e ganhou o mundo. Os questionamentos em torno de sua indicação para o ministério da Cultura se devem ao desconhecimento de suas credenciais para gerenciar responsabilidade de tal monta, que envolve a construção do imaterial simbólico e do material que contribui com até 2.6% do PIB e representa 1,8% de postos de trabalho promovidos pela economia criativa.

Nesse contexto chega Margareth Menezes, embalada pela premonitória letra de Dandalunga: “Em janeiro, no dia primeiro, desce o dono do terreiro. Coquê”. Que venha e sente praça acompanhada de axés e benções neste terreirão de todos os santos chamado Brasil.

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