Day Molina, uma revolucionária ressignificando a moda

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Estilista indígena investe na democratização do setor e ajuda mulheres Kayapó a transformar cultura e identidade em vestimentas

Por Ana Rafaella Oliveira, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: Day Molina, pioneira em trazer perspectivas indígenas para o universo da moda brasileira. Foto Acervo Pessoal

Em poucos minutos de conversa, já é possível perceber o quanto Day Molina é revolucionária. Pioneira em trazer perspectivas indígenas para o universo da moda brasileira, criadora de uma marca que valoriza a potência do feminino, além de ativista na luta por mudanças nessa indústria, a estilista tem percorrido uma trajetória que merece destaque.

Sua carreira começou quando, ainda durante o período em que cursava sociologia, passou a trabalhar como figurinista em um atelier. A experiência foi tão transformadora que a levou a seguir o caminho da moda.

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“Quando eu decidi fazer o freela nesse atelier, eu não tinha noção de que essa pequena movimentação transformaria muita coisa na minha vida. Foi nesse lugar que eu dei os meus primeiros passos na carreira, e ali, eu entendi que queria mesmo estudar moda”, relembra a estilista.

Ainda nessa época, Day ganhou uma bolsa para estudar Direção de Arte na Argentina, onde entendeu que a estrutura do racismo não fazia parte apenas da realidade brasileira, mas sim, de toda a América Latina e do resto do mundo. “Foi quando eu comecei a aprofundar a minha pesquisa para questionar quem são os criadores indígenas atuando na indústria da moda. E naquela época não existiam pessoas indígenas protagonizando lugares de liderança, de opinião, ou atuando como designers”.

Dessa forma, mapeou e criou um casting para trazer visibilidade aos profissionais indígenas, e deu início ao movimento #descolonizeamoda. Ao se reconectar com a sua própria narrativa, encontrou na sua linhagem matriarcal, a motivação para seguir esse propósito. Sua bisavó Caetana foi uma das primeiras mulheres que exerceram o ofício de alfaiate em Pernambuco, como forma de sustentar a família após se tornar viúva. Enquanto isso, sua avó Nana influenciou na forma como Day se posiciona no mundo. Logo, trabalhar para o feminino se tornou quase que uma consequência, e em 2017, lançou a Nalimo.

“Eu sempre falo que Nalimo não é só uma marca de moda, é um movimento de vanguarda, é um movimento de profunda coragem de tocar em assuntos que antes não eram falados dentro da indústria da moda. E eu sempre digo que o meu grande viés de empoderamento foi a intelectualidade”.

Day promove cursos com mulheres indígenas para ensiná-las o ofício da costura, com o propósito de proteger a terra, possibilitar a troca e fortalecer a autonomia financeira e criativa. Foto Acervo Pessoal
Day promove cursos com mulheres indígenas para ensiná-las o ofício da costura, com o propósito de proteger a terra, possibilitar a troca e fortalecer a autonomia financeira e criativa. Foto Acervo Pessoal

Todo esse repertório lapidou sua perspectiva mais analítica sobre os modos de se fazer moda. “Eu olho mais para os processos, do que para uma roupa. Eu olho muito mais para aquilo que eu quero dizer através de uma roupa, do que só o design. Porque para mim, o design só pelo design é inútil. Ele não tem propósito algum. Agora, quando eu olho para o design e para o processo dele, e aquilo que eu quero dizer através disso, eu encontro o meu propósito e consigo conectar com pessoas que estão no mesmo movimento”.

Se refletir o sentido de se fazer moda é parte da sua essência, com o seu processo criativo não seria diferente. Suas criações, como ela mesma sinaliza, estão num lugar do feminino, das conexões, da coletividade, do matriarcado, e do empoderamento de todas as gerações que vieram anteriormente.

“Eu sempre falo que o meu processo criativo também está nesse lugar onde eu consigo pisar na terra, sentir o vento, ouvir o rio, ouvir os encantados que dentro da nossa cultura tem um papel importantíssimo. Porque a gente entende que os nossos mais velhos morrem e voltam para a terra, voltam para a natureza. Viram árvores, viram rios, viram pássaros, viram o próprio vento, viram a chuva”, conta a estilista.

A relação saudável com a natureza é sua premissa, e dessa maneira, as peças da Nalimo são produzidas em fibra natural, orgânica (cânhamo) ou com tecnologia sustentável. As modelagens geométricas também refletem uma das formas que a estilista encontrou para reduzir impactos, uma vez que geram menos resíduos por conta do design minimalista.

O minimalismo, inclusive, é muito expressivo na identidade da Day e da sua marca. “Quando ainda era stylist, li um artigo que me tocou profundamente. Se tratava de um relato documental sobre o impacto da moda nos rios da China. A cada temporada, os rios eram coloridos pelo Pantone da estação. Se a cor da temporada fosse azul, se percebia na poluição. Eu chorei lendo esse artigo”.

Como cada detalhe que compõe os cuidados com a sua marca, poucas cores foram escolhidas para serem trabalhadas na Nalimo, mas cada uma delas apresenta um forte simbolismo da sua cosmologia.

“Usamos uma cartela de cores minimalista, com códigos ancestrais importantes para nós: o branco reflete a nossa espiritualidade, o preto simboliza o genipapo; o cinza pelas florestas incendiadas de forma criminosa; o vermelho pela resistência e nossas lutas; os tons de marrom pela diversidade de nossas peles. Raramente usamos outras cores”.

Para Day, a moda é uma ferramenta política que pode representar cosmologias em defesa dos territórios, dos princípios e dos valores éticos. Como consequência, tem buscado também difundir seus aprendizados nesse campo. Recentemente, a estilista participou de uma imersão com mulheres Kayapó para ensiná-las o ofício da costura, com o propósito de proteger a terra, possibilitar a troca e fortalecer a autonomia financeira e criativa delas.

“Essa experiência de partilhar o meu conhecimento, me ensina muito mais do que qualquer instituição de ensino. Para nós, indígenas, todos temos o potencial de aprender e ensinar. Isso responde a muita coisa. Rompe a lógica colonial sobre mestre e aluno. Na aldeia somos todos alunos, somos todos mestres. E juntos criamos coletivamente, pensamos e praticamos. É muito bonito esse movimento”.

Ao todo, o projeto contemplou 33 aldeias. E todas essas comunidades receberam máquinas de costura e insumos têxteis para que mulheres Kayapó pudessem criar suas próprias vestimentas transmitindo, dessa forma, aspectos da sua cultura e identidade.

Refletindo sobre as possibilidades de futuro, a criadora demonstra muita energia ativa para seguir materializando novas conquistas. “O fundamento da minha pesquisa está nisso; fazer da moda algo democrático, mais acessível, expressando nossa diversidade étnica e cultural. Nessa caminhada, também estou escrevendo meu livro que é tão aguardado desde já. Sou a primeira mulher indígena atuando na vanguarda desse movimento. Escrevendo, pensando, mapeando e criando novas referências estéticas em nível de representatividade racial”, finaliza.

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