Por Antônio Carlos Aquino de Oliveira, compartilhado da Revista Nova Família
As pessoas passam e olham para as #favelas, para as encostas invadidas, em risco permanente, mas não tem a menor noção do que seja morar e viver ali. Tudo é paisagem para o cego social e humano. As pessoas se acostuma com as tragédias e as formas trágicas de viver.
Nota: Este brasileiro ao ser perseguido caiu, bateu a cabeça contra o chão e morreu.
As pessoas sabem o que é #Tortura, que ela existe de várias formas e em todos os extratos sociais, que ela é cultural nos sistemas de segurança e justiça, que compõe as práticas institucionalizadas dos #Estados de terceiro mundo, mas não tem noção do que sente e os instintos que desperta nos torturados e torturadores, das consequências na alma e na mente dos que torturam e são torturados. Muitos estudos foram feitos e estão disponíveis sobre o assunto, movimentos e #leis, mas, o que está claro, nas #Guerras pelo mundo, nas barbáries urbanas e rurais, é que, estúpida e barbaramente, mais que as práticas de Tortura, seus defensores continuam vivos e ativos.
As duríssimas lições do nazismo, do fascismo, das ditaduras torturadoras ao redor do mundo, do Brasil de #1964 seguem sendo negadas por muitos, até comemoradas. Não são humanas e normais essa gente. São terroristas, fanáticos radicais soltos e impunes, ameaças permanentes ao mundo civilizado.
Com todas as histórias e conhecimento acumulados pela #humanidade 2022 anos D.C., forças de segurança que defendem preconceitos e discriminações, guerras e Torturas como formas de controles da paz social não são formadas. São forças deformadas.
A tortura não pune, não educa, não corrige erros, não exemplifica, é só maldade, crueldade, barbárie
Buscar impor ideologias, cleptocracias, totalitarismos teocráticos pela força de músculos, balas e armas é muito mais que atentado a democracia e às liberdades, é a maior forma de tortura individual e coletiva em prática no diversos sistemas políticos. Cabe reforçar, com todas as letras, que o repúdio à tortura, o desprezo por torturadores, a aversão a ditaduras se aplica a toda e qualquer ideologia, lado, cor de camisa ou conveniência política.
Se as #Ditaduras, as diversas formas de Tortura e #Violência não indigna e ofende a alguém, essa pessoa precisa de psiquiatra, de justa justiça.
Um Torturador, um defensor da Tortura como método de relação humana, de controle social não é gente, não é um ser humano normal, com cérebro e coração.
É um bárbaro sem ética e sem valor, é um monstro.
Conviver com defensores de guerras, de torturas e de todas as formas de violências, de exclusão de inocentes e indefesos, saber que eles existem e quem são é também uma forma cruel de tortura, ainda mais quando é o dinheiro dos nossos impostos que os sustentam.
Antônio Carlos Aquino de Oliveira
Invadiram o apartamento, reviraram gavetas, nos acompanhe…
Pelo 31 de março “28 de maio de 1974: um grupo de homens armados invade meu apartamento. Começam a revirar gavetas e armários – não sei o que estão procurando, sou apenas um compositor de rock. Um deles, mais gentil, pede que os acompanhe “apenas para avisar minha família, que entra em desespero. Todo mundo sabia o que o Brasil vivia naquele momento, mesmo que nada fosse publicado nos jornais.
Sou levado para o #DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), fichado e fotografado. Pergunto o que fiz, ele diz que ali quem pergunta são eles. Um tenente me faz umas perguntas tolas, e me deixa ir embora. Oficialmente já não sou mais preso: o governo não é mais responsável por mim. Quando saio, o homem que me levara ao DOPS sugere que tomemos um café juntos. Em seguida, escolhe um táxi e abre gentilmente a porta. Entro e peço para que vá até a casa de meus pais – espero que não saibam o que aconteceu.
No caminho, o táxi é fechado por dois carros; de dentro de um deles sai um homem com uma arma na mão e me puxa para fora. Caio no chão, sinto o cano da arma na minha nuca. Olho um hotel diante de mim e penso: “não posso morrer tão cedo.” Entro em uma espécie de catatonia: não sinto medo, não sinto nada. Conheço as histórias de outros amigos que desapareceram; sou um desaparecido, e minha última visão será a de um hotel. Ele me levanta, me coloca no chão do seu carro, e pede que eu coloque um capuz.
O carro roda por talvez meia hora. Devem estar escolhendo um lugar para me executarem – mas continuo sem sentir nada, estou conformado com meu destino. O carro para. Sou retirado e espancado enquanto ando por aquilo que parece ser um corredor. Grito, mas sei que ninguém está ouvindo, porque eles também estão gritando. Terrorista, dizem. Merece morrer. Está lutando contra seu país. Vai morrer devagar, mas antes vai sofrer muito. Paradoxalmente, meu instinto de sobrevivência começa a retornar aos poucos.
Sou levado para a sala de torturas, com uma soleira. Tropeço na soleira porque não consigo ver nada: peço que não me empurrem, mas recebo um soco pelas costas e caio. Mandam que tire a roupa. Começa o interrogatório com perguntas que não sei responder. Pedem para que delate gente de quem nunca ouvi falar. Dizem que não quero cooperar, jogam água no chão e colocam algo no meus pés, e posso ver por debaixo do capuz que é uma máquina com eletrodos que são fixados nos meus genitais.
Entendo que, além das pancadas que não sei de onde vêm (e portanto não posso nem sequer contrair o corpo para amortecer o impacto), vou começar a levar choques. Eu digo que não precisam fazer isso, confesso o que quiser, assino onde mandarem. Mas eles não se contentam. Então, desesperado, começo a arranhar minha pele, tirar pedaços de mim mesmo. Os torturadores devem ter se assustado quando me veem coberto de sangue; pouco depois me deixam em paz. Dizem que posso tirar o capuz quando escutar a porta bater. Tiro o capuz e vejo que estou em uma sala a prova de som, com marcas de tiros nas paredes. Por isso a soleira.
No dia seguinte, outra sessão de tortura, com as mesmas perguntas. Repito que assino o que desejarem, confesso o que quiserem, apenas me digam o que devo confessar. Eles ignoram meus pedidos. Depois de não sei quanto tempo e quantas sessões (o tempo no inferno não se conta em horas), batem na porta e pedem para que coloque o capuz. O sujeito me pega pelo braço e diz, constrangido: não é minha culpa. Sou levado para uma sala pequena, toda pintada de negro, com um ar-condicionado fortíssimo. Apagam a luz. Só escuridão, frio, e uma sirene que toca sem parar. Começo a enlouquecer, a ter visões de cavalos. Bato na porta da “geladeira” (descobri mais tarde que esse era o nome), mas ninguém abre. Desmaio. Acordo e desmaio várias vezes, e em uma delas penso: melhor apanhar do que ficar aqui dentro.
Quando acordo estou de novo na sala. Luz sempre acesa, sem poder contar dias e noites. Fico ali o que parece uma eternidade. Anos depois, minha irmã me conta que meus pais não dormiam mais; minha mãe chorava o tempo todo, meu pai se trancou em um mutismo e não falava.
Já não sou mais interrogado. Prisão solitária. Um belo dia, alguém joga minhas roupas no chão e pede que eu me vista. Me visto e coloco o capuz. Sou levado até um carro e posto na mala. Giram por um tempo que parece infinito, até que param – vou morrer agora? Mandam-me tirar o capuz e sair da mala. Estou em uma praça com crianças, não sei em que parte do Rio.
Vou para a casa de meus pais. Minha mãe envelheceu, meu pai diz que não devo mais sair na rua. Procuro os amigos, procuro o cantor, e ninguém responde ao meus telefonemas. Estou só: se fui preso devo ter alguma culpa, devem pensar. É arriscado ser visto ao lado de um preso. Saí da prisão mas ela me acompanha. A redenção vem quando duas pessoas que sequer eram próximas de mim me oferecem emprego. Meus pais nunca se recuperaram.
Décadas depois, os arquivos da ditadura são abertos e meu biógrafo consegue todo o material. Pergunto por que fui preso: uma denúncia, ele diz. Quer saber quem o denunciou? Não quero. Não vai mudar o passado.
E são essas décadas de chumbo que o Presidente Jair Bolsonaro – depois de mencionar no #Congresso um dos piores torturadores como seu ídolo – quer festejar nesse dia 31 de março.
(Texto Atribuído a Paulo Coelho)
Paulo Coelho é o autor de “O Alquimista” e “Hippie”. Também atuou como compositor para artistas como Raul Seixas e Rita Lee.
Antônio Carlos Aquino de Oliveira é administrador, especializado em marketing estratégico. Palestrante e consultor dos setores público e privado, é autor de dois livros e colunista da Revista Nova Família