De Olivetti, lambreta italiana e Chico Bambino Buarque de Hollanda, em carta

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E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura, caro amigo Cícero César Sotero Batista, vem em formato de carta, com direito a poema, a este editor do Bem Blogado. Uma carta repleta de recordações, inspirada no livro de Chico Buarque “Bambino a Roma”, a ser lançado em breve.

Como Nilópolis fica um tanto longe de Paquetá, nossas missivas são assim, via Bem Blogado, pois a tarifa não tem graça. Isto posto, recorremos ao mesmo “carteiro” informal, mas este leva meses para chegar e meu nome gritar com a encomenda na mão.




Para vocês terem uma ideia, o livro mais recente do Cícero César, “Circo (de Bolso) Gilci”, chegou às mãos do “mensageiro” em maio para que fosse entregue a mim em Paquetá. A obra só chegou às minhas mãos em julho. Então, imaginem quando chegará em Nilópolis o modesto cordel deste editor sobre os 80 anos do Chico Buarque de Hollanda. Espero que não aguarde o centenário do nosso grande canto, compositor e escritor.

Feito o relato desabafo, vamos à carta do cronista Cícero César (Washington Araújo)

“Beija-Flor, 29 de julho de 2024.
Prezado Editor, creio que muitos de nós estejam apreensivos com a chegada da primeira semana de agosto de 2024, uma vez que nela se encerra o período de pré-venda de “Bambino a Roma”, o mais novo livro de Chico Buarque de Holanda. Aliás, ainda aguardo a chegada do livro que escreveste em homenagem aos oitenta anos de Chico Buarque. Sabemos que nuestro carteiro é um tanto arredio, teimoso até. Não é à toa que ele ganhou a alcunha de “Contramão”. Bem, se ele não é de atrapalhar o tráfego, não se pode dizer o mesmo quanto à entrega de encomendas. Mas ele a entregará com certeza.

Voltemos ao assunto desta missiva, meu caro editor. Eu costumo comprar os livro do Chico Buarque em papel mesmo. Sabe por quê? Porque um livro dele é um acontecimento, faz o pessoal da editora botar a cachola para funcionar. Trocando em miúdos, vai-se aos detalhes: a capa é geralmente muito bonita – excetuando talvez a de “Meu irmão alemão”, que é a única que para mim destoa do conjunto. O papel é bom, tem lá sua aspereza. A fonte é grande, ideal para os meus olhos já fatigados etc.

O livro poderia vir com um cilindro de oxigênio anexado à contracapa, pois tem uma coisa na prosa do Chico Buarque que é esquisita (no sentido desta palavra em espanhol e em inglês, isto é, “estupenda”): a gente começa e a leitura acelera, parecendo que estamos montados numa vespa daquelas de fita de Fellini.

Kindle não é lá grande coisas. E tem um grande inconveniente: como emprestar um livro para quem se ama na versão em Kindle? Não dá! Portanto, quando se trata de alguns autores, a leitura tem que ser mesmo à moda antiga. No papel. Mesmo que seja muito menos em conta.

Prezado editor, já passei o meu café na minha cafeteira italiana. Uma delícia sem igual. Fico pensando no que a Itália nos proporcionou: o cine de Rosselini, de Antonioni, de Visconti, de Di Sicca, de Fellini, de Pasolini. Penso no gelato e nas vespas, por óbvio. E também penso na parceria entre Chico Buarque e Sergio Bardotti, que rendeu tantos bons frutos.

Tem uma foto do Chico voltando para o Brasil depois de uma temporada na Itália (ocorrida no final da década de 1970 por questões paralelas, como se sabe). Se não me engano, ele traz um globo terrestre nas mãos. Acho que é por aí, o CBH é um desses caras que traz mundos nas mãos, às vezes como quem não quer nada.

O que irei te dizer agora, meu caro editor, não tem muito a ver com as expectativas em torno deste novo livro de Chico Buarque, mas foi algo que recentemente me comoveu. Para tua ciência, não é que encontrei uma máquina de escrever em uma dessas minhas andanças por aí? A bichinha fazia parte da decoração de um bar, estava perto de discos de vinil, toca-discos, abajures, televisores em preto e branco etc. Em suma, dessas coisas que fizeram algum dia parte de nossas existências. Digamos que a maquininha era uma Olivetti.

Quando menino, eu costumava brincar de escritor com uma dessas. Nuns dias eu brincava de cowboy; noutros, de ghostwriter, meu caro editor. Quando fui fazer curso de datilografia não passei da terceira aula, pois brincadeira já não era. Eu digito catando milho, no um a um, como se diz. De tanto me concentrar, me perco.

Para resumir uma história que vai ficando comprida, meu caro editor, uma máquina de escrever é como a vespinha italiana que mencionei acima. Ambas trazem um não sei o quê, um design moderno que ficou para trás, apesar de lindo. Não sei se me dará a louca para eu comprar uma vespa elétrica e andar por aí mais serelepe que ator italiano em cena noturna. Não sei mesmo. Não sei se me dará a louca para comprar um Remington, uma Olivetti, uma dessas máquinas que fazem um globo da morte para os nossos textos.

O que posso te dizer é que fiquei tão datilografado que escrevi este poema do qual tu participas como destinatário. “Chama-se Amor à primeira tecla”, e é uma paródia de “Meu caro Barão”, de Chico Buarque)

Grande abraço,
Cícero C.

Está em Paquetá
Meu caro editor?
São Roque o proteja
O santo bebedor
Encontrei no prego
De segunda mão
Uma Olivetti
E paguei paixão
Não foi nem pechincha
Estourei cartão
Mas tirei foi chinfra
Não tem explicação

Ponho
De novo
Naquele tambor
A minha pauta
Meu caro editor

Fui no tique-taque
Da recordação
No tatibitate
Que daqui tá bom
Como lhe dizia
Meu caro editor
Agora eu sou do ramo
Eu sou escritor
Te amo, Olivetti
Escrevo com amor
Se eu pinto o sete
Ocê muda a cor

Ponho
De novo
Rodo o tambor
A minha pauta
Meu caro editor

E se tem gralha?
Tem, sim senhor!
Letra trocada
Tirar sem por
Maracangalha
Onde está?
Tem uma vírgula
Em seu lugar

Dizem que imito
A velha canção
Na cara de pau
Isso não pode, não?
Dizem que é trilha
De cinema trapalhão
Não sei de onde veio
Tanta inspiração
Pois eu tenho ouvido
A voz do coração
Que diz que a Olivetti
Me fez bem então…

Pronto
Tonto
Já fiz um textão
Já já lhe conto
O que é revisão

Se vosmecê

Me permitir

Ponho de volta

Os pingos nos is

Mas, na verdade

O quê que há?

Eu quero é mais ser feliz

Erro inocente

Pura distração

Erro a concordância

Erro a exclamação

Erro a sintaxe

Erro a posição

Erro o paragráfo

Erro o palavrão

Erro o cedilha

Erro o cifrão

Não acerto a crase

Vai no travessão

Espaço

Traço

Já era, acabou

Pronto

Três pontos

Meu caro editor

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