De Ulisses Capozzoli para Luiz Carlos Maciel: “Qualquer dia a gente se vê”

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O dia amanheceu amargo, ao contrário dos outros dias e continua assim. Antes de abrir completamente os olhos fiquei sabendo da morte de Luiz Carlos Maciel (1938-2017), por uma doença pulmonar crônica que acabou em falência múltipla de órgãos.

Quem é Luiz Carlos Maciel? O título do texto publicado no jornal, com a síntese apertada que um título exige, identifica-o como “pensador da contracultura”, o que é uma contradição (quase inevitável) de todo título. O que é contracultura? Vou improvisar uma resposta, porque Maciel foi muito mais que isso: a postura crítica de quem questiona e rejeita valores e práticas da cultura dominante.




Maciel foi um polímata, uma postura incomum numa mentalidade engessada como a nossa. Um polímata é um desassossegado que não se satisfaz com um único caminho. Seu desassossego e assombro com o mundo fazem dele um múltiplo, com cada um deles cumprindo uma trajetória, mas convergindo/interagindo a ponto de dar a impressão de que é um. Quando são múltiplos em um.

Por esses tristes trópicos, quem cria porcos não pode ocupar-se de carneiros, cabritos e pombos. Sob pena de críticas rasteiras, previstas no quarto dos sete pecados capitais: a inveja. A maldita inveja que faz do invejoso uma vítima de si mesmo. Do latim “invidia”, a inveja tem o sentido etimológico de “olhar com malícia”, ou maledicência o que implica em detração, difamação e maldizer. Todas elas posturas ressentidas e deselegantes de um infeliz.

O curto espaço de uma postagem no Face, com a brevidade do beijo de um beija-flor, não permite um relato justo sobre Luiz Carlos Maciel e os caminhos por onde ele andou, quando andou por aqui.

Foi jornalista, estudou filosofia como fazem os polímatas, esteve no teatro e no cinema. Tratou do existencialismo de Sartre e do zen-budismo de Allan Watts (1915-1973) teólogo, filósofo e orador britânico que também não se restringiu a espaços delimitados. Luiz Carlos Maciel foi uma das estrelas de “O Pasquim”, jornal irreverente que sacudiu a modorra só contraposta pela violência da ditadura dos generais nos anos de chumbo. Que muitos cegos querem de volta, pela limitação de não poderem ver.

Maciel foi “saído” do Pasquim por pressão do insuspeito Millôr Fernandes, evidência de que a inveja não escolhe pessoas. Ao menos pelo nome. Com espaço restrito, mesmo para uma biografia sumária de Luiz Carlos Maciel, é preciso dizer que ele foi o maior especialista na obra do antropólogo Carlos Castañeda (supostamente um brasileiro) autor de uma coletânea ampla e complexa, entendida aqui como escritos datados. Alguma coisa como a cor da moda e os sonhos efêmeros de um verão. Os especialistas em Castañeda, uma vertente do futuro que não tomou forma, por aqui restringem-se aos dedos de uma mão.

Maciel foi, aqui, um contraponto tão notável, visível e luminoso quanto Sirius, a estrela mais brilhante do céu. Tenho, num espaço especial de minha biblioteca, uma reunião de inteligências como Walter Benjamim (tratando do haxixe) Aldous Huxley (com suas portas da percepção) e Federico Fellini (“Blok-notes di um regista”, algo como “Anotações de um diretor de cinema”). Fellini relata um encontro surpreendente com Castañeda e a tentativa frustrada de um filme com ele.

E claro, Luiz Carlos Maciel com “A morte organizada” e “Negócio seguinte” entre outros escritos sobre quase tudo que se possa pensar. Em “A morte organizada” frases de Buda, Castañeda e do I-Ching, o livro das mutações, o ponto de partida de “O homem do castelo alto” de Philip K. Dick.

De Buda, Maciel cita: “Todas as leis mutáveis e imutáveis deste mundo carecem de garantia e estabilidade”, a cura para a neurose que exige, com sua pressão despótica, a garantia de segurança e, por isso, a repetição patológica do comportamento. Sem o menor espaço para a criação libertadora. De Castañeda: “Somente como um guerreiro é possível sobreviver no caminho do conhecimento. Porque a arte do guerreiro é contrabalançar o terror de ser um homem com a maravilha de ser um homem”, que dispensa comentários. E do “I-Ching”: “A perseverança é vantajosa”.

É o bastante para sugerir os caminhos por onde a inteligência, refinamento e desassossego intelectual levaram Luiz Carlos Maciel que, neste 10 de dezembro deixa a Terra. Como cada um de nós deverá fazer. Num dia em que não houver mais um amanhã.

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