De volta para o passado: Escola Base, Lava Jato e Guerra Fria, por Luis Nassif

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Imensos erros foram cometidos no período. Esperava-se que o tempo trouxesse alguma sabedoria, mas o jornalismo continua igual.

Por Luis Nassif, compartilhado de seu Blog




Não adianta. No meu livro “O jornalismo dos anos 90” descrevo os principais episódios da década, de um jornalismo que perdeu a vergonha, desde a campanha do impeachment de Fernando Collor. 

O sucesso e o poder de destruição da mídia, naquele momento, fez com que perseguisse dali para frente, um binômio impossível: respeito e popularidade.

Em países desenvolvidos, há uma divisão clara entre a mídia de opinião, a mídia sensacionalista e a mídia regional. A campanha vergonhosa do impeachment rompeu com essas divisões. O padrão Datena espalhou-se por todos os veículos.

Imensos erros foram cometidos no período. Esperava-se que o tempo trouxesse alguma sabedoria, mas o jornalismo continua igual.

A volta do fantasma da Escola Base

O portal G1 recebe um vídeo supostamente mostrando que crianças de uma creche eram colocadas em bebe conforto no banheiro, com as mãozinhas amarradas.

Há duas hipóteses para as imagens:

Hipótese 1 – é prática habitual na escola.

Hipótese 2 – cena armada por alguém, de dentro da escola, para prejudicar o estabelecimento. 

São poucos segundos de imagens e, apenas por elas, é impossível saber a verdade. As hipóteses são submetidas, então, não ao teste da verdade, mas ao teste da audiência: o que provocará mais impacto? Claro que é a versão da escola que tortura crianças.

A partir daí repete-se o mesmo percurso vergonhoso da Escola Base. No início, ninguém tem informações suficientes para bater o martelo na versão correta. Então, os veículos – G1 e Jornal Nacional – se aproveitam para consolidar sua versão a golpes de marretadas nos princípios jornalísticos mais comezinhos..

Criam o carnaval, logo aparece uma mãe que lembra que o filho voltou com um hematoma da escola. No início, ela não pensou em nada ruim. Mas, assistindo a reportagem, deu-se conta que só poderia ser tortura. Igual, vergonhosamente igual às mães que, induzidas pela cobertura, julgaram que as assaduras dos filhos fossem resultado de orgias, no episódio Escola Base.

Depois, declarações em off de professoras, dizendo que as donas da escola obrigavam a amarrar as crianças. Verdade? Medo de serem envolvidas em factóides? Não se sabe, mas a mídia cai matando.

Aí, o G1 descobre que em 2010 um aluno da escola morreu por insuficiência respiratória. Logo, está comprovado o crime continuado. E tudo isso com o endosso daquele que, durante décadas, foi o mais importante veículo da mídia brasileira: o Jornal Nacional.

A campanha só será coroada de êxito quando todos os vilões forem destruídos. E a Escola sofre uma devassa que jamais foi tentada contra, por exemplo, José Serra, ou mesmo Geraldo Alckmin, quando era “gente nossa”.

Culpada ou inocente é detalhe irrelevante. O julgamento já foi feito e garantiu a audiência necessária.

Recentemente dei um depoimento para um documentário sobre a Escola Base. Na época, quase toda a imprensa endossou as barbaridades, dois veículos recusaram a cobrir o fato (mas não ousaram assumir a defesa dos donos da Escola) e eu assumi a defesa dispondo apenas de uma coluna na Folha, um comentário no Jornal da Noite da TV Bandeirantes e participação no Jornal Gente da rádio Bandeirantes. Foi suficiente para romper a unanimidade e abrir espaço para que um desembargador mandasse libertar os proprietários da escola.

Tempos depois, repetiu-se o mesmo assassinato de reputação no caso Bar Bodega, no qual 5 jovens favelados foram mantidos presos por um mês – e torturados – para que confesassem o que não fizeram. Foram libertados graças a um procurador estadual corajoso. Na época, escrevi uma coluna na Folha manifestando minha vergonha por saber que jornalistas presenciaram torturas e se mantiveram cúmplices do delegado “fonte”.

À noite, para minha surpresa, o Jornal Nacional transmitiu reportagem no mesmo teor, sobre os abusos da imprensa, preparada pelo repórter autor de todas as reportagens sensacionalistas do período.

Agora, volta tudo à estaca zero, mostrando que a mídia brasileira tem gem ruim, uma parcialidade-maldade que resiste aos tempos e à própria necessidade de se diferenciar das redes sociais. Na hora dos likes, que exploda o jornalismo.

A volta do fantasma da Lava Jato

No final do mês passado, o Tribunal Superior Eleitoral anulou investigações contra o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. 

Esta semana, o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo iria opinar sobre a delação premiada de um executivo do setor. No dia anterior, os procuradores vazam o caso para o repórter da Folha. Que se comporta como os jornalistas que cobriram a Lava Jato: se a fonte me entregar um furo,  não vou atrapalhar com essas besteiras de jornalista, de conferir os dados. A cavalo dado não se contam os dentes. 

Sai a matéria, com estardalhaço, pressionando o Conselho do MPE. Pela delação, o executivo se compromete a restituir mais de R $600 milhões para o estado. Obviamente, o Conselho não será contra.

Mas, e o conteúdo da delação, e as provas? E os contrabandos inseridos na delação, quem irá conferir? E a Polícia Federal se juntando ao MPE-SP nas investigações?

Nas manifestações do impeachment, procuradores do MPE denunciaram procuradores da República por invasão de competência, porque dois procuradores responsáveis correram para conferir se os meninos presos sob acusação de terrorismo, não estavam sendo torturados (no episódio do militar espião). Cumpriram uma função que deveria ter sido exercida pelos colegas paulistas. E agora, o MPE-SP permite que a PF se aposse das investigações.

 Na Lava Jato, Léo Pinheiro aceitou incluir em sua delação todos os contrabandos exigidos pelos procuradores. Tempos depois, teve a dignidade de admitir que fez isso sob tortura. Manter uma pessoa presa indefinidamente, ameaçada, e condicionar sua libertação a aceitar a inclusão de nomes sugeridos pelos procuradores, é tortura.

Quem garante que não se repetiu o mesmo agora? Pouco importa. A condição para receber o release é publicá-lo na íntegra.

A volta do fantasma da Guerra Fria

Cobertura intensiva da guerra, os principais canais pagos majoritariamente transformam a disputa em um roteiro de Marvel. De um lado, heróis sem mácula; do outro, vilões intrinsecamente maus. Há entrevistados de bom nível, trazendo cenários mais elaborados. Mas os anaistas jornalistas são fundamentalmente binários.

Nenhum veículo, por exemplo, informou a existência de mercenários atuando do lado da Ucrânia. A informação foi divulgada por um correspondente autônomo, Yan Boechat.

Ontem, na CNN Brasil, uma reportagem surpreendente da CNN Internacional sobre veteranos americanos atuando na Ucrânia. Alvíssaras! De volta para o jornalismo! 

Lêdo engano. A reportagem, apresentada por William Waack, diz que os veteranos de guerra – das guerras do Afeganistão e Iraque – foram para a Ucrânia treinar civis, pagando as próprias passagens. São ongueiros da guerra. Porque acreditam na democracia e precisam lutar por seus valores. 

A reportagem diz que os civis conseguem, no máximo, dar 10 tiros durante o treinamento. Depois, são jogados na guerra, como buchas de canhão.

Claramente uma propaganda visando preparar o terreno para o que vai vazar em algum momento: a presença ampla de mercenários americanos na guerra.

Qual a diferença dos irmãos Grace, nos anos 60, bancando a Campanha do Rearmamento Moral do padre Peyton? Nenhuma.

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