A campanha pelo fim da jornada 6 x 1 conseguiu unificar internamente esquerda (favorável à medida) e direita (contrária). O velho Marx chamaria isso de “luta de classes”
Por Francisco Fernandes Ladeira, compartilhado de Fórum
na foto: Bancada bolsonarista e bancada do PSOL na Câmara Federal. PL / PSOL
Foi manchete no noticiário satírico Sensacionalista: “Empresário contra fim da jornada 6 x 1 desabafa: Ainda estamos nos recuperando da Lei Áurea”. Trata-se de uma brincadeira, mas, como tal, tem lastro na realidade, o chamado “fundo de verdade”. No caso, ilustra o caráter escravagista de nossa elite econômica e seu histórico de negar os direitos mais básicos à classe trabalhadora.
A menção do Sensacionalista sobre a PEC para redução da jornada de trabalho (de 6×1 para 4 x 3) também demonstra que esta pauta tem tomado conta do debate público (apesar de a referida PEC ainda não ter sido protocolada no Congresso Nacional).
Em tempos de polarização política (até mesmo dentro de um determinado campo ideológico), a campanha pelo fim da jornada 6 x 1 conseguiu unificar internamente esquerda (favorável à medida) e direita (contrária). O velho Marx chamaria isso de “luta de classes”.
A meu ver, os debates pela diminuição da jornada de trabalho esbarram em um dos maiores mitos (negativos) divulgados pelo senso comum em relação ao brasileiro: a falsa premissa de que somos “vagabundos”, em contraposição aos povos dos países desenvolvidos – “trabalhadores e esforçados”.
Quem nunca ouviu falar sobre nosso país não se desenvolver porque seu povo não gosta de trabalhar, só pensa em carnaval, futebol e feriado, enquanto europeus, estadunidenses e japoneses são disciplinados e focados em questões realmente importantes? Jessé Souza chama isso de “racismo cultural”.
No entanto, a “desenvolvida” Alemanha tem testado o sistema de 4 dias de trabalho por semana e o resultado é claro: 70% das empresas do país não voltarão à tradicional jornada de cinco dias. Nos Estados Unidos e Japão, as jornadas de trabalho são de 40 horas semanais. Caso alguém trabalhe acima desse período na terra do Tio Sam, a empresa tem de pagar 150% de hora extra.
Enquanto isso, o trabalhador brasileiro está disponível para seu patrão durante 44 horas semanais. Além disso, os “disciplinados” japoneses tem dois feriados anuais a mais do que nós brasileiros.
Como não poderia deixar de ser, nas imprensas de direita e extrema direita, a diminuição da jornada de trabalho foi duramente atacada. Algo absolutamente normal para quem historicamente se opôs à Lei Aurea, à CLT, ao Décimo Terceiro Salário e à PEC das domésticas.
Na GloboNews, Gerson Camarotti questionou sobre quem vai “pagar a conta” das horas a mais de “ócio” do trabalhador e o consequente “custo maior da produção”, casa haja a diminuição da jornada 6 x 1. Na mesma linha patronal, para o jornal bolsonarista “Gazeta do Povo”, a PEC da redução da jornada de trabalho é populista e pode ser “armadilha” para o emprego, pois afetaria a “produtividade”.
Em outros termos, recorrendo mais uma vez ao Velho Marx, Camarotti e “Gazeto do Povo” defendem que a extração da mais-valia (disparidade entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalho) não retroceda um centavo sequer.
Já no Congresso Nacional (também como não poderia deixar de ser), a bancada bolsonarista tem trabalhado fortemente contra a PEC pela redução da jornada de trabalho. Recorrendo novamente a uma manchete do Sensacionalista: “Família Bolsonaro rejeita fim da jornada 6 x 1, mas defende jornada 0 x 365 para si”.
Como dizem por aí: seria cômico, se não fosse trágico.
Enfim, o que temos visto nesses acalorados debates a respeito do fim da jornada 6 x 1 é mais um exemplo nítido de que direita tradicional (a quem a grande mídia representa) e extrema direita (sobretudo o bolsonarismo), apesar de algumas diferenças na chamada “pauta dos costumes”, representam duas faces da mesma moeda: os interesses do patronato.
Por outro lado, a PEC abordada neste texto oferece uma excelente oportunidade para a esquerda brasileira colocar de lado distracionismo discursivos e se unificar sobre o que realmente importa: os anseios da classe trabalhadora.
Não por acaso, o supracitado Marx, em seu “Manifesto do Partido Comunista” (coautoria de Friedrich Engels), escreveu: “A história da humanidade é a história das lutas de classes”.