Decisão serena de Teori joga água na fervura

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Por Geraldo Prado, Justificando – 

Os juízes penais não têm a missão de perseguir penalmente, mas sim a de decidir os casos que lhes são apresentados.”

Alberto Bovino

Dois fatos marcaram a noite de 22 de março e podem ter contribuído para restabelecer o primado das instituições, abalado pelo desvio ilegal do processo criminal da Lava-Jato na direção do processo político, nas últimas semanas, quando ao fim o juiz Sergio Moro infringiu dispositivos legais e constitucionais na gravação e divulgação indevida de conversas telefônicas:




a) o reconhecimento explícito das ilegalidades pelo STF, em decisão monocrática e provisória do Ministro Teori Zavascki;

b) a reflexão do Procurador-Geral da República de que a instituição do Ministério Público, fundamental à consecução da Justiça, não deve e não pode agir conforme interesses partidários, de forma voluntarista e messiânica, tampouco sugerir a ideia de que um processo criminal – qualquer processo criminal – pode redimir um País.

A ação da Justiça restabeleceu o primado do Direito. No Estado de Direito não há decisões de cunho pessoal de magistrado algum que possam se sobrepor à Constituição.

Quando o juiz Sergio Moro intervém no processo judicial (investigação ou processo) a partir de critérios extra-jurídicos, de evidente conotação política, pois dirigidos à censura de atos de governantes, viola primário dever de imparcialidade objetiva e maneja a independência judicial não como garantia do cidadão, seu motivo fundamental, mas como blindagem para agir em esferas relativamente às quais não está legitimado.

Não custa lembrar que:

a) a garantia da imparcialidade exige estrita separação das funções requerentes e decisória, conforme paradigma fixado por tribunais internacionais (p.e. Caso Piersack) tomando em consideração os ângulos objetivo e subjetivo pelos quais esta se manifesta.

b) a imparcialidade define-se como ausência de prejuízos ou parcialidades e demanda distanciamento entre juiz e partes a assegurar a objetividade do julgamento.

c) a parcialidade objetiva não se confunde com censura pessoal ou moral ao juiz;

d) a jurisprudência dos tribunais de direitos humanos, na tutela do direito ao juiz imparcial, firma-se pela hipótese de afastamento do juiz sempre que a “imagem de imparcialidade do juiz tenha resultado, em termos sociais, afetada”;

e) não se trata, pois, de assegurar somente “as regras do jogo” e sim garantir “os valores em jogo” (Perfecto Ibañez, juiz do Tribunal Supremo da Espanha).

A defesa da independência judicial não é a defesa da toga, mas da Constituição, portanto é também a defesa do agir imparcial e da atuação em marcos institucionais claramente delimitados pela própria Constituição. Garantir os valores em jogo significa prestigiar a confiança da sociedade de que qualquer julgamento não é mero “jogo de cena”, com resultado previamente definido, mas sim espaço do contraditório, da audiência como ato de ouvir as partes, premissa para decidir os casos.

Quem não é do Direito – e vale para alguns que são – não se dá conta de que as últimas decisões mais comentadas do Juiz Sergio Moro, na Lava-Jato, configuram retrocesso político-jurídico proibido pela Constituição, porque privilegiam opiniões políticas pessoais em detrimento de valores jurídico-políticos que a Constituição fixou e estão acima das escolhas das autoridades. A proibição de obter ilicitamente provas e divulgá-las, como lembrou o Ministro Teori, exprime um destes valores.

A posição pública assumida pelo Procurador Janot (PGR), por outro lado, sinaliza para a crença de que o enfrentamento da corrupção, necessário pois a corrução sangra indiretamente pessoas de carne e osso, quase sempre humildes, pode ser eficaz se realizado no marco do devido processo, sem tergiversações messiânicas e inclinações político-partidárias. Em outras palavras, cabe que esse enfrentamento seja feito pelo Ministério Público de modo profissional, como ocorre em um sem número de ações da instituição, mas que em algum momento se perdeu na Lava-Jato.

Ainda assim eu acrescentaria, em relação à mensagem interna do PGR, que eficiência em investigação e processo depende de respeito às regras da Constituição, condição de validade, como em outros Países. E que uma das funções mais relevantes do Ministério Público é a de controle externo da polícia, que passa pela repressão dura a práticas ilegais de condução coercitiva de pessoas, por exemplo, como se viu uma vez mais na manhã de 22 de março, na mesma Operação.

Os dois fatos marcantes de ontem jogam água na fervura porque separam o que nunca deveria ter andado junto: procedimentos com o propósito de investigar crimes e a ação política que tenho chamado de “tentativa da oposição de ‘aquisição hostil’ do governo, à revelia das urnas”, em uma metáfora com o mundo dos negócios com o qual, promiscuamente, a disputa político-partidária parece assemelhar-se cada vez mais.

Ainda falta estender as posições aos desdobramentos das disputas no campo do STF, com a jurisprudência da Corte Constitucional cortando na própria carne, de modo a que a sociedade brasileira se tranquilize em definitivo com a certeza de que a imagem de imparcialidade do tribunal não tenha resultado, em termos sociais, afetada.

É uma questão de tempo, mas como o tempo em crise voa, isso não pode tardar muito.

Termino lembrando Hélio Tornaghi que, por ironia, não tinha desapreço pelo autoritarismo, mas que disse algo que é certo: “A grande preocupação da lei deve ser a de não sujeitar ninguém ao arbítrio de outrem; há sempre o perigo de abuso de poder, do excesso de autoridade, por vezes até causado pela paixão da justiça.”

Geraldo Prado é Professor Titular de Processo Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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