Publicado em Jornalistas Livres –
“O cenário é de inconstitucionalidade integral do decreto, dada a sua natureza de afronta estrutural à Lei nº 10.826/03 e à política de desarmamento por ela inaugurada. As ilegalidades se acumulam em praticamente todos os espaços regulados pela proposição: posse, compra, registro, porte, tiro esportivo e munições”
Mas uma ilegalidade do presidente da República…Mais uma ataque a constituição federal. No Poder Legislativo o parecer também é contrário ao decreto do presidente.
A nota da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) é clara:
“O cenário é de inconstitucionalidade integral do decreto, dada a sua natureza de afronta estrutural à Lei nº 10.826/03 e à política de desarmamento por ela inaugurada. As ilegalidades se acumulam em praticamente todos os espaços regulados pela proposição: posse, compra, registro, porte, tiro esportivo e munições”. No documento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão relembra que o regime democrático de direito e o princípio da separação dos poderes exigem que o governo submeta ao Congresso Nacional, dentro das regras do devido processo legislativo, suas propostas de política pública – notadamente quando dependa de alteração de política anteriormente adotada mediante lei.
Um conjunto de argumentos foi encaminhado ao Congresso Nacional e à Procuradoria Geral da República como subsídio à análise da questão
O Decreto 9.785/2019, publicado pelo governo federal no último dia 7, alterou de forma inconstitucional e ilegal a política pública brasileira relativa à posse, comercialização e porte de armas de fogo e munições no país. O entendimento é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal e que nessa segunda-feira (13) encaminhou ao Congresso Nacional uma Nota Técnica para subsidiar os parlamentares na análise da matéria. Um conjunto de argumentos também foi enviado à Procuradoria Geral da República (PGR).
O Decreto 9.785/2019 editou novo regulamento ao Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), revogando o anterior e outras alterações – inclusive as realizadas pelo Decreto nº 9.685, apresentado pelo governo federal em janeiro deste ano.
Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a medida atenta contra uma série de princípios estabelecidos pela Constituição Federal, entre eles os da legalidade estrita (art. 5º), da separação de poderes (art. 2º ), da solidariedade (art. 3º) e do devido processo legal substantivo (art. 5º) – além de afrontar o direito fundamental à segurança, consagrado nas dimensões individual e coletiva pela Carta Magna.
“O cenário é de inconstitucionalidade integral do decreto, dada a sua natureza de afronta estrutural à Lei nº 10.826/03 e à política de desarmamento por ela inaugurada. As ilegalidades se acumulam em praticamente todos os espaços regulados pela proposição: posse, compra, registro, porte, tiro esportivo e munições”. No documento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão relembra que o regime democrático de direito e o princípio da separação dos poderes exigem que o governo submeta ao Congresso Nacional, dentro das regras do devido processo legislativo, suas propostas de política pública – notadamente quando dependa de alteração de política anteriormente adotada mediante lei.
“Com essa configuração, a modificação no regime de posse e uso de armas de fogo pretendida pelo governo deveria ter sido submetida ao Congresso Nacional através de um projeto de lei, pois não se trata de matéria meramente regulamentar, mas sim de alteração de uma política pública legislada”, esclarece. A Procuradoria também chama atenção para o fato de que o Poder Executivo não promoveu discussão transparente e plural sobre sua convicção de que armar os cidadãos possa gerar efeitos benéficos à segurança pública e tampouco apresentou qualquer fundamento para essa opção.
“A iniciativa de ampliar a posse e o porte de armas de fogo reforça práticas que jamais produziram bons resultados no Brasil ou em outros países. Sua adoção sem discussão pública, de resto, atropela o processo em andamento de implantação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), fruto de longa discussão democrática e caminho para uma redefinição construtiva do modo de produzir segurança pública no país”.
Na sexta-feira (10), a ministra Rosa Weber – relatora da ação direta de inconstitucionalidade contra o decreto, apresentada ao Supremo Tribunal Federal pelo partido Rede Sustentabilidade – concedeu prazo de cinco dias para que o presidente Jair Bolsonaro explique a medida. A ministra também solicitou o pronunciamento da PGR, além de manifestações da Advocacia-Geral da União, da Câmara dos Deputados e do Senado. A Procuradoria Geral da República pode oferecer parecer nas ações propostas pelos partidos Rede Sustentabilidade e PSol ou, ainda, decidir por propor uma ação específica, caso se convença da inconstitucionalidade do decreto e da necessidade da medida.
Subsídios ao posicionamento do MPF em ação que tramita no Supremo
No conjunto de argumentos sobre o tema apresentado à Procuradoria Geral da República, a PFDC destaca que, a pretexto de regulamentar a Lei do Estatuto do Desarmamento, que determina a redução de armamentos na população brasileira, o Decreto 9.785/2019 contrariou a norma, ao ampliar e facilitar a posse e o porte de armas de fogo, inclusive de calibres antes reservados às forças de segurança pública e militares.
“O objetivo declarado da medida é cumprir com uma promessa de campanha política, pouco importando os princípios da legalidade e da separação de poderes, bem como o dever público de promover a segurança pública”, destaca o texto à PGR.
Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, além de inconstitucional, a permissão ampla de posse e porte de armas de fogo afronta as bases científicas que reiteradamente demonstram que a expansão do porte de armas, longe de reduzir a violência, é prejudicial à segurança pública.
De acordo com o texto, os dados disponíveis revelam que as mortes por arma de fogo durante latrocínios – delito que supostamente se pretende evitar ao armar a sociedade – responde por apenas 3% da população carcerária. Ou seja, esse delito – embora gravíssimo – não é o que efetivamente contribui para as dezenas de milhares de mortes violentas anuais. Por outro lado, 40% dos homicídios são cometidos por motivos fúteis ou banais, em nada relacionados com a criminalidade organizada ou ordinariamente rotulada como violenta. “São justamente os crimes que estarão sujeitos a exponencial aumento com a proliferação da posse e porte de armas letais”, alerta a Procuradoria.
Milhões passam a ter acesso a armas
Em seu posicionamento, a PFDC destaca que, no seu afã de liberar o porte de armas ao máximo para a população, o Decreto nº 9.587/19 investiu como raras vezes visto contra uma lei de regência – já que instituiu uma relação de mais de 20 profissões ou circunstâncias para as quais se presume a situação pessoal de risco ou de ameaça à integridade física. “A própria lista apresentada revela que o normatizado na Lei para ser uma exceção transforma-se num rol que subitamente faz ampliar em dezenas de milhões de pessoas que obterão o porte de armas”.
Para a Procuradoria, seja em meio urbano, seja em meio rural, a posse e o porte generalizado de armas de fogo agravarão os problemas que atingem a segurança pública no Brasil. Somente no campo, cerca de 19 milhões de pessoas poderão fazer jus ao porte de armas de fogo, em um cenário onde o número de pessoas assassinadas vem crescendo sistematicamente. A expansão abusiva do decreto alcança, inclusive, crianças e adolescentes – em desconformidade com o sistema de proteção integral previsto na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).
“No que se refere à ampliação no acesso à munição – que pode chegar a até 5 mil para cada arma de fogo de uso permitido – as normas editadas geram uma situação de quase incredulidade, quando se consideram as reiteradas notícias de furtos e roubos de munições de arsenais privados e públicos, sendo sabido que tais munições terminam, quase sempre, nas mãos de organizações criminosas e milícias, tal como ocorreu no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes” .
Em seu conjunto de argumentos, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ressalta ainda que a Constituição Federal de 1988, especialmente em seu art. 3º, buscou instituir uma sociedade livre, justa e solidária, que se propõe a erradicar a pobreza e a marginalização, bem como a reduzir todas as desigualdades. “É uma sociedade voltada, no seu conjunto, a promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Não há, no entanto, como organizar solidariamente uma sociedade de medo, de desconfiança e uso da força letal generalizados”, alerta o texto.