Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena. compartilhado de Tutaméia
“O presidente Lula tem sido incansável em seu apoio a Julian Assange. É extraordinário. Ele entende claramente a importância das publicações de Julian Assange para a soberania do Brasil”, diz o pai do jornalista em entrevista exclusiva ao TUTAMÉIA. John Shipton, militante pacifista e arquiteto, afirma ainda: “O presidente Lula, o presidente Obrador, do México, o presidente Petro, da Colômbia, a presidenta Kirchner, da Argentina, e o presidente Boric, do Chile, entendem juntos que a capacidade da América Latina de avançar, de cuidar de suas populações e organizar a distribuição de recursos, educação, conhecimento, bens materiais e elevar o padrão de vida depende apenas de uma coisa. Soberania. Eles entendem e movem peça a peça delicadamente em direção a isso. Acho que vocês devem ser orgulhar de um grupo de líderes que entendem que a soberania é fundamental para melhorar a qualidade de vida de um povo e permitir uma administração justa do Estado. Trata-se de poder dar às pessoas o conhecimento necessário para que elas cheguem aonde queremos, e que elas possam também dizer o que gostariam que você fizesse.”
Falando ao TUTAMÉIA de Melbourne, na Austrália, pouco depois de ter deixado sua filha mais nova na escola primária, ele alerta sobre a ameaça à liberdade de imprensa e de informação embutida no processo contra Assange:
“A intimidação e a opressão a Julian Assange, que é editor e jornalista, incluem 25 processos judiciais, sem contar os processos na Espanha. Isso é uma ameaça a qualquer jornalista em qualquer lugar do mundo. Outro aspecto importante é a aplicação extraterritorial das leis dos Estados Unidos. Os Estados Unidos se arrogam o direito de atacar e prender qualquer um que eles considerem que violou suas leis ou sua interpretação de suas leis. Não importa se você chegar aos Estados Unidos e for considerado inocente, embora, sob acusações de espionagem, ninguém seja considerado inocente. Ninguém jamais foi absolvido no tribunal de espionagem de Washington. Portanto, qualquer jornalista ou editor poderia se deparar com isso.”
E completa Shipton, 76, na entrevista realizada cinco dias antes de sua viagem ao Brasil, aonde chega nesta segunda (21.08) para promover o filme “Ithaka – A Luta de Assange”, que estreia dia 31 de agosto:
“Convém a certas áreas do governo dos Estados Unidos intimidar e oprimir editores e jornalistas. É conveniente para eles. Eles não dão a mínima para sua própria primeira emenda. O que importa para eles é sua capacidade de oprimir comentários e limitar o conhecimento.”
Fundador do site WikiLeaks, o jornalista australiano Julian Paul Assange está encarcerado há quatro anos em Belmarsh, presídio de segurança máxima do Reino Unido. Desde 2011, estava refugiado na embaixada do Equador em Londres. Em 2019, o governo de Lenin Moreno traiu seu compromisso humanitário, possibilitando a prisão.
Atualmente, a justiça britânica analisa recursos contra sua decisão de extraditar o jornalista para os Estados Unidos, onde há processos que podem resultar em 175 anos de prisão.
Assange foi responsável por publicar, entre 2010 e 2011, documentos dos EUA que revelam crimes de guerra e campos de tortura no Iraque, Afeganistão e na base de Guantánamo, enclave ilegal dos EUA em Cuba. Por isso, é acusado de espionagem.
A publicação, mais tarde, de uma série de mensagens diplomáticas, provou que os Estados Unidos espionaram por anos os negócios da Petrobras e o gabinete da presidente Dilma Rousseff, com a ajuda de autoridades e políticos brasileiros. Demonstrou ainda que o golpe contra a democracia brasileira estava sendo tramado em conjunto com os EUA pelo menos desde 2006, ano da descoberta do pré-sal.
A seguir, a íntegra da entrevista de John Shipton ao TUTAMÉIA (clique no vídeo para ver a conversa e se inscreva no TUTAMÉIATV). A transcrição da conversa e sua tradução foram gentilmente realizadas pelo tradutor Gustavo Filippi, a quem agradecemos.
“CONVÉM A CERTAS ÁREAS DO GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS INTIMIDAR E OPRIMIR EDITORES E JORNALISTAS. O QUE IMPORTA PARA ELES É SUA CAPACIDADE DE OPRIMIR COMENTÁRIOS E LIMITAR O CONHECIMENTO”
TUTAMÉIA: Quando foi a última vez que o sr. conseguiu visitar seu filho? Qual era a condição dele, seu estado de saúde e de espírito? O sr. pode compartilhar um pouco do que vocês conversaram?
JOHN SHIPTON: Sim, a última vez que estive lá foi em outubro, já faz algum tempo. Naquela época, ele estava sofrendo os efeitos nocivos de muitos e muitos anos na prisão. Mas, em geral, ele me pareceu vigoroso e otimista. Ainda tinha energia para trabalhar em seus processos judiciais e lutar por sua liberdade. Ele foi emocionalmente caloroso e receptivo e me pareceu muito feliz por receber uma visita. Voltaremos lá em outubro novamente, mas logo fará 12 meses que não o vejo.
TUTAMÉIA: O sr. pode compartilhar conosco um pouco dessa última conversa com ele?
JOHN SHIPTON: Antes de tudo, sempre falamos dos filhos dele, de como eles estão, dos meus netos e do irmão e da irmã dele. Ele sempre pergunta sobre os irmãos. Depois disso, falamos sobre alguns amigos que encontrei em Melbourne. Um deles foi Raj, formado em física, fizeram faculdade juntos em Melbourne. Falamos sobre os amigos ou apoiadores que encontrei e sobre o que eu iria fazer, se eu viria para o Brasil ou… Na verdade, da última vez, se bem me lembro, eu havia conhecido Lula em Paris alguns anos antes, e falamos de seu presidente Lula.
TUTAMÉIA: Quais eram as condições da prisão? Ele está em uma cela só para ele? Qual é a situação na prisão?
JOHN SHIPTON: Ele está em uma cela só para ele. Ele já tem mais de 50 anos… Acho que fica 22 horas na cela, faz uma hora de exercício e depois passa uma hora em uma associação, conversando com as pessoas. Os advogados vão lá com frequência, mas ele não sai da cadeia para ir a um tribunal há dois anos. Por alguma razão, a promotoria britânica e o diretor da penitenciária acharam por bem não permitir que Julian participasse de seus próprios processos judiciais. Não sei a origem dessa restrição ou por que ela foi imposta. Mas acho muito curioso que um acusado não possa comparecer a seus próprios processos judiciais.
TUTAMÉIA: Então, agora, Assange já está na prisão, se contarmos o tempo que ele passou na embaixada do Equador, há 12 anos…
JOHN SHIPTON: De uma forma ou de outra, o encarceramento ou restrição de movimento já soma 14 anos. De uma forma ou de outra, sim.
TUTAMÉIA: E o que mudou de antes da prisão para agora? Todo esse tempo com sua liberdade restrita?
JOHN SHIPTON: Eu não gosto muito de pensar nesse tipo de coisa, sabe? Porque é muito angustiante ver um homem no auge da vida restrito à prisão, ano após ano, sem qualquer trégua dessa perseguição incessante, de toda a difamação, um processo judicial após o outro. Fora a ruína escandalosa dos direitos humanos, do devido processo legal e da conspiração entre a promotoria sueca e a promotoria britânica, o crown prosecuting service (Ministério Público da Coroa), no Reino Unido), para manter Julian na embaixada, ou seja, eles estão juntos nisso. Essas duas nações suspenderam suas próprias leis e garantias para manter Julian na embaixada, enquanto seus porta-vozes no parlamento e no parlamento sueco diziam que Julian era livre para sair quando quisesse.
Esse tipo de coisa tem um efeito profundo na psicologia de uma pessoa. Neils Melzer, Relator das Nações Unidas sobre Tortura, escreveu um relatório de 26 páginas em meados de 2019 no qual descreveu que Julian havia passado por anos e anos de tortura incessante, tortura psicológica, com difamação constante, assédio moral, mentiras nos jornais, um processo judicial atrás do outro, suspensão do devido processo legal, violação dos direitos humanos e revogação das convenções de asilo. Eles trabalharam juntos para retirar todos os direitos que um ser humano pode ter. E pior, essas pessoas na Suécia e no Reino Unido agiram em conjunto. Em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aceitou promover o devido processo legal dentro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e em 1973, foi a vez das convenções de asilo. Tudo isso foi abandonado pelos próprios autores desses dispositivos, dispositivos civilizatórios surgidos após a guerra.
TUTAMÉIA: O sr. pode detalhar dois aspectos de sua última resposta? O sr. disse que os direitos humanos de Assange estão sendo desrespeitados. E falta o devido processo legal em todo esse caso contra ele. O sr. poderia nos dizer mais sobre isso, nos dar alguns exemplos?
JOHN SHIPTON: Sim, digamos, por exemplo, as convenções de asilo. Se você pedir asilo, há um procedimento antes de você ser aceito como asilado. Julian passou por isso. Para esse privilégio ser removido, também é necessário um procedimento. O asilo de Julian na embaixada do Equador foi removido arbitrariamente, sem procedimento nenhum. Então esse é um.
Os outros são que a promotoria sueca e a promotoria britânica conspiraram juntas para retirar o direito de Julian de dar entrevistas na embaixada, o que seria uma prática normal. Durante o período em que Julian esteve na embaixada, 40 pessoas acusadas de crimes pelo governo sueco tiveram suas entrevistas feitas na Inglaterra pelo Zoom ou por vídeo. Esse é outro exemplo. Então são dois exemplos.
Quanto à revogação dos direitos humanos de Julian, temos a suspensão do direito ao devido processo legal, do direito a um tratamento legal adequado. A lista de abusos no caso de Julian é meio interminável, sabe? Apenas outro exemplo é que, com a retirada do direito de asilo de Julian, arbitrariamente, ele foi acusado de não comparecer ao tribunal após um pedido de fiança. Ora, não é possível acusar um asilado de fazer isso, porque a pessoa está em asilo justamente por causa da perseguição, a perseguição de Julian pelo Reino Unido para extraditá-lo para os Estados Unidos e que pode colocar sua vida em risco. Isso foi visto como motivo para a concessão do asilo. Não podemos remover esse asilo sem o devido processo legal. Se removemos esse asilo arbitrariamente e depois acusamos Julian de não comparecer ao tribunal, estamos retirando seu direito de asilo, seus direitos humanos e seu direito ao devido processo legal.
TUTAMÉIA: E o processo de extradição? O que o sr. pode nos dizer sobre esse processo? O juiz respeitou os fatos? A defesa foi autorizada a agir como queria? Como foi? Como está o processo de extradição?
JOHN SHIPTON: Não sou advogado, mas o juiz decidiu a favor de Julian que ele não seria extraditado. Os Estados Unidos recorreram dessa decisão e os juízes de segunda instância acharam por bem permitir que os Estados Unidos recorressem novamente. Eu mesmo não consigo entender, pois não sou advogado, mas me parece que os juízes de segunda instância favoreceram os Estados Unidos para a continuação do recurso.
Na última audiência diante do juiz {Jonathan} Swift, ele foi curto e grosso e disse que o recurso de Julian, que tinha 100 páginas – nem é tão longo – era muito comprido e demorado. Agora, se uma pessoa está lutando, ela tende a ser muito resistente, então 100 páginas para ler não é muito, principalmente porque o documento cobria todos os casos.
Por exemplo, nas 100 páginas havia uma ilustração do que aconteceu no Paquistão quando o WikiLeaks publicou que a seleção de alvos dos Estados Unidos no Paquistão era arbitrária e que muitas festas de casamento e cortejos funerários foram atacados. Quando isso foi publicado, os Estados Unidos deixaram de atacar cortejos fúnebres ou festas de casamento, mas apenas após a exposição desse procedimento de seleção de alvos. O que quero dizer é que essas coisas são muito importantes para nós e valem a pena. E a reclamação do juiz Swift de ter que ler essas coisas me parece muito estranha.
TUTAMÉIA: O que o sr. quer dizer é que o trabalho do WikiLeaks, o trabalho de Assange, não só expôs as atrocidades do governo dos EUA, ou seja, seus crimes de guerra, crimes contra a humanidade, mas também de certa forma salvou vidas.
JOHN SHIPTON: Sim, salvou. Existem vários exemplos de vidas que foram salvas pelos telegramas diplomáticos. No caso do Equador, quando Rafael Correa foi eleito, ele leu nos telegramas que a embaixada dos Estados Unidos em Quito estava pagando a polícia de elite. Consequentemente, a força policial de elite era leal à embaixada americana. Para lidar com esse problema, Rafael Correa habilmente elevou os salários de todos os policiais ao nível da polícia de elite. Isso salvou seu governo e provavelmente sua vida. Então esse é um, e na América do Sul, desculpe, devo dizer na América Latina porque inclui o México, há diversos exemplos dos benefícios trazidos pela divulgação dos telegramas. O México é um bom exemplo. Um grande jornalista mexicano escreveu um livro sobre o profundo efeito dos telegramas no governo daquele país.
TUTAMÉIA: Aqui no Brasil, sabemos que os Estados Unidos espionaram a Petrobras, a presidenta Dilma, por causa do WikiLeaks. Tivemos um golpe aqui e o WikiLeaks nos ajudou a entender o quadro geral da situação. Aqui no Brasil, sabemos que os Estados Unidos espionaram a Petrobras, a presidenta Dilma, por causa do WikiLeaks. Houve um golpe aqui, e o WikiLeaks nos ajudou a entender o quadro geral da situação.
JOHN SHIPTON: Eu me lembro de visitar Julian em 2011, quando ele estava em prisão domiciliar. Havia uma jornalista brasileira lá que tinha lido 3.000 telegramas, todos eles relacionados à América Latina. Ela era especialista no efeito dos telegramas sobre o governo brasileiro e sua compreensão no Brasil. Eu me lembro principalmente do escândalo da Petrobras, em que os Estados Unidos tentaram assumir o controle da estatal.
TUTAMÉIA: O sr. disse antes que a extradição de Assange para os Estados Unidos colocaria a vida dele em risco. Por quê?
JOHN SHIPTON: Bem, se você é acusado de espionagem e, mais especificamente, se você leu telegramas confidenciais, ainda que não fossem ultrassecretos, eram confidenciais, desde o nível mais simples até documentos que poderiam ser lidos apenas por poucas pessoas, esse tipo de coisa exige que os Estados Unidos impeçam você de falar com qualquer outro prisioneiro, porque eles alegam que você poderia contar algo que leu nesses telegramas confidenciais. Portanto, isso permite arbitrariamente, por via administrativa, que sem qualquer audiência com um juiz ou júri, os Estados Unidos apliquem, de forma arbitrária e administrativa, o que eles chamam de medidas administrativas especiais. Medidas administrativas especiais significam que você fica trancado em sua cela 24 horas por dia. Ou seja, você fica em completo isolamento.
O argumento para essa medida cruel e hedionda é que você poderia comentar com alguém sobre o que leu em um documento confidencial. Não importa que o mundo inteiro já saiba o que havia nesses telegramas e documentos. O que parece importar para os Estados Unidos é somente a capacidade de punir alguém, eliminando toda e qualquer esperança, de modo que você fique em uma situação desesperadora.
Numa prisão chamada Florence, no Colorado, há uma sequência de 20 celas especialmente destinadas para pessoas sob medidas administrativas especiais. Coitados. Vinte celas, uma do lado da outra. E eles não têm permissão para falar com ninguém. Conseguem apenas ver seus advogados. E os Estados Unidos têm essas leis que dizem que você pode consultar um ou outro psicólogo ou seu advogado. Mas é tudo tão difícil e tão vago que é praticamente impossível para uma pessoa ter qualquer tipo de contato com o mundo exterior ou mesmo receber um pouco de alento e calor humano. Eles tiraram isso completamente. E é isso que aconteceria com Julian Assange lá.
TUTAMÉIA: Muita gente considera que esse processo contra Julian Assange também é uma grande ameaça à liberdade de imprensa em todo o mundo. Por quê?
JOHN SHIPTON: Bem, há… Essa é uma pergunta muito, muito boa. A intimidação e a opressão a Julian Assange, que é editor e jornalista, incluem, creio eu, 25 processos judiciais, sem contar os processos na Espanha. E na CEDH e nas decisões da Corte Interamericana, isso é uma ameaça a qualquer jornalista em qualquer lugar do mundo. Portanto, outro aspecto importante é a aplicação extraterritorial das leis dos Estados Unidos. Os Estados Unidos, sob essas circunstâncias, podem atacar e prender qualquer um que eles considerem que violou suas leis ou sua interpretação de suas leis. Não importa se você chegar aos Estados Unidos e for considerado inocente, embora, sob acusações de espionagem, ninguém seja considerado inocente. Ninguém jamais foi absolvido no tribunal de espionagem de Washington. Portanto, qualquer jornalista ou editor poderia se deparar com essa circunstância.
Agora, no nosso caso, pessoas do mundo todo já gastaram dezenas de milhões de dólares defendendo Julian, protestando, assistindo a filmes, fazendo seus próprios filmes. Milhões de dólares foram gastos com advogados, dezenas de milhares de pessoas protestaram, jornais de todo o mundo protestaram, toda sociedade civil de qualquer posição protestou contra essa opressão a um editor e jornalista. Imaginem um editor ou um jornalista contemplando essa possibilidade. Serve apenas para que eles entendam que sua família será esmagada. Que eles vão à falência. E de uma forma ou de outra, eles terão que se defender contra os ataques de Reino Unido, Estados Unidos, Suécia, Austrália e assim por diante.
É algo terrível, que causou grandes danos, danos profundos à capacidade das pessoas comuns de ler, entender e ampliar seu conhecimento sobre como o mundo é governado e, consequentemente, contribuir para a segurança de sua própria família, sua contribuição para a formulação de políticas de governo, para levar às suas comunidades mais conhecimento e uma compreensão mais profunda do dia a dia e de como planejar o futuro. É uma catástrofe.
TUTAMÉIA: Então, com esta enorme ameaça para as pessoas, para a liberdade de imprensa, para a liberdade e a democracia, por que a mídia corporativa está em silêncio sobre Assange? Qual o sr. acha que é o papel desses meios de comunicação corporativos em todo o mundo no caso Assange? Eles mudaram de ideia sobre o caso Assange? O que o sr. acha dessas corporações de mídia?
JOHN SHIPTON: Há três pontos positivos no que você diz. A primeira é que em novembro passado, parceiros do WikiLeaks, ou seja, The New York Times, Der Spiegel, Le Monde, The Guardian, e El País na Espanha, escreveram uma carta ao secretário do Departamento de Justiça dos Estados Unidos pedindo que as acusações fossem retiradas. Ou seja, eles finalmente fizeram algo para apoiar Assange. Isso é um ponto.
O segundo é que todos esses jornais, e há apenas cinco corporações nos Estados Unidos que possuem todos os meios de comunicação de massa, dependem de licenças governamentais de alguma maneira. Por exemplo, uma estação de televisão tem licença para operar em determinada frequência. Uma estação online, uma agência de notícias online tem licença para outra frequência. A distribuição de jornais também depende de licenças. Um jornalista nos Estados Unidos depende de uma série de vazamentos do governo, que são constantes. Acho que há cerca de 80.000 vazamentos por ano que vão parar nos jornais. Eles podem ser perseguidos por isso, e o caso de Julian é um exemplo. Na realidade, não importa para os Estados Unidos se eles são condenados, o importante é criar esse ambiente de insegurança, venenoso, entre os jornalistas. O resultado é que a mídia alternativa é viva, criativa, corajosa, enquanto que o que chamamos de grande mídia continua a seguir de perto a linha do governo.
Outra coisa que se nota é que nos países falantes de inglês, simultaneamente e no mundo todo, e isso ficou bem claro nos casos da covid e da destruição da Ucrânia, os principais jornais relatam a mesma história sempre da mesma maneira. Ou seja, eles se tornaram apenas mais um braço do governo.
TUTAMÉIA: Por outro lado, parece haver pelo menos algum apoio à causa de Assange. No início desta semana, por exemplo, na Austrália, houve a declaração de um grupo de vários ex-procuradores. Entre outras coisas, eles disseram: “Os Estados Unidos estão aplicando o princípio da extraterritorialidade ao acusar Assange, mas, como dissemos, ele não é cidadão americano e não cometeu esses supostos crimes nos EUA sob sua lei de espionagem. Acreditamos que isso abre um precedente muito perigoso e tem o potencial de colocar em risco qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, que publique informações que os EUA unilateralmente considerem sigilosas por motivos de segurança. Essa ação deve ser uma preocupação real para o governo por causa de seu impacto sobre jornalistas e denunciantes”. Qual seu comentário sobre isso?
JOHN SHIPTON: Na Austrália, nós somos o exemplo. Por muitos anos, digamos 12 anos, de perseguição a Julian, o governo australiano não fez nada. Foram quatro governos, quatro primeiros-ministros e quatro ministros das relações exteriores. Ninguém fez nada. Agora, não fazer nada e concordar com a perseguição a Julian pela Austrália significa cumplicidade. Não tem outra interpretação. Se você concorda que um cidadão do seu país seja maltratado, então você é cúmplice. É uma conclusão inevitável.
Nos últimos dois anos, na verdade, nos últimos três anos, começamos a trabalhar mais nisso. Já se passaram quatro anos e, nos últimos quatro anos, nós, apoiadores de Julian e sua família, construímos lentamente uma atmosfera aqui, e agora metade do parlamento australiano apoia Julian, 50 congressistas australianos estão no Grupo de Apoio a Assange, que é um órgão parlamentar. O primeiro-ministro disse que este assunto deve ser resolvido. O líder da oposição disse que esse assunto deve ser resolvido. O ministro das Relações Exteriores disse algo parecido. Portanto, temos a circunstância de todo o corpo político, ou seja, o povo e os parlamentares, insistindo para que Julian possa voltar para casa. Isso fez com que entidades como a associação de procuradores-gerais aposentados se reunissem para divulgar sua posição. Portanto, no caso da Austrália, temos um entendimento unificado de que Julian é um cidadão australiano sendo maltratado no exterior, e que a negação de seus direitos humanos significa a degradação de nossa capacidade de aplicar a lei entre os países. Consequentemente, uma vez que o entendimento se infiltra na política, na política como um todo, as pessoas começam a agir. Está assim hoje em dia na Austrália. Tenho muito orgulho dos australianos por terem se unido em apoio a Julian. Eles têm sido magníficos.
TUTAMÉIA: Nesta semana, vários sites registraram que a embaixadora dos EUA na Austrália disse que poderia haver uma resolução sobre o caso Assange, que poderia haver um acordo. O que o sr. pode nos dizer sobre isso?
JOHN SHIPTON: Sim, eles entendem perfeitamente que têm um problema nas mãos. Mas quando eles dizem ‘acordo’, eles colocam o ônus de resolver este assunto em Julian. Eles colocam o fardo sobre a vítima. Essas pessoas precisam voltar para a escola e aprender alguma integridade moral, sabe? Fico chocado quando eles falam em ‘acordo’. Há um acordo de que Julian não cometeu crime nenhum.
A extraterritorialidade de um crime… Você não pode… As obrigações de tratados assinados por Reino Unido e Estados Unidos dizem que não se pode extraditar alguém por um delito político. E agora eles dizem que há um acordo. Tudo o que eles precisam fazer é ir até a prisão e destrancar a porta da cela. É só isso. É a coisa mais simples do mundo, mas eles complicam tudo por meio da embaixadora dos Estados Unidos na Austrália.
Há duas semanas, Anthony Blinken, um dos secretários de estado mais impopulares da história dos Estados Unidos, demonstrou frustração e irritação conosco, que pedimos a libertação de Julian. Na sequência, a embaixadora americana Carolyn Kennedy – quem não se lembra da foto de Carolyn Kennedy ao lado da mãe, Jacqueline Kennedy, no funeral do pai, quando menina? De qualquer forma, Carolyn Kennedy, a embaixadora dos Estados Unidos na Austrália, diz que há um acordo em andamento, embora, segundo ela, não se trate de uma questão diplomática. É uma questão jurídica.
Toda a perseguição a Julian é política. Não há nenhum aspecto jurídico envolvido. Então, sabe? Eu acho até cômico, mas como é a vida de Julian que está em jogo, é uma comédia bastante sinistra. Eles não têm nada que dizer que existe um acordo, eles têm que dizer que as acusações foram retiradas. Reexaminamos o caso, fizemos uma análise cuidadosa e descobrimos que… É constrangedor para a Austrália que isso avance. Basta uma sentença política para deixá-lo voltar para casa e para os filhos. Eu não entendo, sabe? É o direito de uma criança de ter um pai, essas coisas são muito simples, não é tão complexo.
TUTAMÉIA: Então, por que o processo continua? Quais são os poderes nos EUA que continuam com o processo? É o governo todo ou partes do governo, a CIA, empresas militares? Quem são os piores inimigos de Assange, da liberdade de imprensa, do direito das pessoas à informação?
JOHN SHIPTON: Na verdade, eu não sei, mas posso especular, se tudo bem por vocês. Temos a Hillary Clinton, que é vingativa. Ela tem que culpar alguém que não seja ela mesma pelo fracasso de sua candidatura presidencial. Uma das pessoas que ela culpa é Julian Assange. E Victoria Nuland, atualmente subsecretária de estado, e Jake Sullivan, presidente da Agência de Segurança Nacional, foram ambos orientados por Hillary Clinton. Então, eu imagino que aí temos duas coisas.
Existe também a tal inércia burocrática. Quando as pessoas são pagas para fazer determinada coisa em uma burocracia, é muito difícil mudar. Qualquer mudança exige esforço. E convém a certas áreas do governo dos Estados Unidos intimidar e oprimir editores e jornalistas. É conveniente para eles. Eles não dão a mínima para sua própria primeira emenda. O que importa para eles é sua capacidade de oprimir comentários e limitar o conhecimento. Essas duas coisas andam juntas.
E a terceira, de novo, é a inércia burocrática. Esses três itens ou elementos, o primeiro sendo as pessoas, Hillary Clinton e aqueles que ela orientou, o segundo sendo que convém ao atual governo americano oprimir e minar nossa capacidade de entender o que eles estão fazendo, e o terceiro é simplesmente essa inércia burocrática.
TUTAMÉIA: O presidente Lula disse várias vezes que é a favor da liberdade de Assange. Ele disse que os democratas do mundo deveriam se unir por sua liberdade. Qual a importância desse movimento de Lula? Lula tem um papel na luta pela libertação de Assange?
JOHN SHIPTON: Você levantou uma questão maravilhosa. O presidente Lula tem sido incansável em seu apoio a Julian Assange. É extraordinário. Ele entende claramente a importância das publicações de Julian Assange para a soberania do Brasil. Além disso, o presidente Lula, o presidente Obrador, o presidente Petro, da Colômbia, a presidenta Kirchner, da Argentina, e o presidente Boric, do Chile, entendem juntos que a capacidade da América Latina de avançar, de cuidar de suas populações e organizar a distribuição de recursos, educação, conhecimento, bens materiais e elevar o padrão de vida depende apenas de uma coisa. Soberania. Eles entendem e movem peça a peça delicadamente em direção a isso. Acho que vocês devem ser orgulhar de um grupo de líderes que entendem que a soberania é fundamental para melhorar a qualidade de vida de um povo e permitir uma administração justa do Estado. Trata-se de poder dar às pessoas o conhecimento necessário para que elas cheguem aonde queremos, e que elas possam também dizer o que gostariam que você fizesse.
TUTAMÉIA: De certa forma, todo o processo Assange também depende da soberania. O Reino Unido se curvará aos EUA ou seguirá a lei?
JOHN SHIPTON: No caso do Reino Unido, muitas pessoas me dizem e insinuam, como você acabou de fazer, que o Reino Unido age como representante dos Estados Unidos na questão da opressão a Julian Assange. Eu não acho.
TUTAMÉIA: Por quê?
JOHN SHIPTON: Acho que eles são parceiros iguais na opressão de Julian. Não é assim que eles fazem as coisas no Reino Unido, ter uma organização editorial, como o WikiLeaks, dirigido por Julian Assange. Não é assim que eles fazem as coisas. Eles não gostam disso.
TUTAMÉIA: Agora vamos falar sobre o filme, Ithaka. Por que este filme? Por que o sr. participou dele? O sr. vai visitar o Brasil em alguns dias para falar sobre o filme Ithaka. Poderia nos contar mais sobre sua participação?
JOHN SHIPTON: Quando você pergunta por que participei, acho que não tive muita escolha. O filme foi organizado pelo meu filho Gabriel. Eu não tinha escapatória. Ele estava usando seu talento para promover a defesa de Julian. Então, o que eu poderia dizer? Eu apenas disse que sim. Além disso, eu não mudei nada por causa do filme. Continuei indo de um país para o outro no cenário europeu, depois nos Estados Unidos e depois no México. Eu simplesmente fiz o que podia, mas não mudei nada só porque ele estava me seguindo com uma câmera. Não mudei nada. Eu respondia às perguntas deles, e claro que às vezes ficava um pouco impaciente, mas só porque tinha sido um dia longo. E eles sempre me faziam perguntas no fim do dia, e alguns dias eram muito cansativos, com reuniões com centenas de pessoas e umas 20 entrevistas por dia. Por natureza, sou muito tranquilo. O que eu gosto de fazer é chamar os amigos para cozinhar, preparar um jantar, comer, tomar um vinho e bater papo. Essa é a minha preferência. Falar para multidões, uma após a outra, não é muito a minha praia. Mas não quero sugerir de forma alguma que… Não tenho nada além de um grande carinho pelas muitas pessoas maravilhosas que conheci ao redor do mundo que apoiaram e apoiam Julian Assange, ou apoiaram a liberdade de imprensa, ou apoiaram a soberania de nações. Todo mundo foi absolutamente fantástico. A campanha pela libertação está se expandindo neste momento crucial.
TUTAMÉIA: Está crescendo? No Brasil existe um movimento de asilo. Um grupo de cientistas e movimentos sociais propôs a Lula oferecer asilo a Assange. O que o sr. acha disso?
JOHN SHIPTON: Acho que asilo… Glenn Greenwald acha a vida no Rio muito, muito boa. E acho que Julian e sua família também achariam. Então, sim, parece ótimo. Qualquer outro… O crescimento do… Tenho a impressão de que a perseguição a Julian Assange pelos Estados Unidos e outros que atuam silenciosamente nos bastidores está chegando ao fim, está muito perto do fim. O apoio. Outro dia, o presidente Lula foi muito contundente ao comentar sobre a perseguição a Julian. Stella, os filhos e netos se encontraram com o Papa, e eu desconfio que isso foi organizado pelo presidente Lula. O presidente Obrador do México nos convidou para a celebração do Dia da Independência. E nós o vimos no início deste ano, então isso dá… Se no nível presidencial, se presidentes, que são homens muito ocupados e com muitas responsabilidades, estão assumindo a defesa de Julian Assange, significa que o assunto é de vital importância e precisa ser resolvido.
TUTAMÉIA: Chegando ao Brasil, o sr. vai se encontrar com o presidente Lula? O que o sr. já tem agendado nessa sua visita ao Brasil?
JOHN SHIPTON: Não sei. Se o seu presidente tiver tempo, eu gostaria de encontrá-lo novamente. Já nos encontramos duas vezes, então pode não ser necessário nos encontrarmos novamente. Meu trabalho é principalmente construir bases sólidas abaixo dos presidentes, não me encontrar com presidentes. A ideia é construir apoio político entre as pessoas para que os presidentes respondam a isso. O trabalho é esse. No caso do Brasil, o apoio político já existe. O Partido dos Trabalhadores, as pessoas comuns, o meio jurídico e acadêmico, todos entendem a importância do caso porque se beneficiaram com a publicação dos telegramas, eles veem um benefício direto para si mesmos, suas famílias, suas associações e seu país. Portanto, realmente não há muito para uma pessoa como eu fazer no Brasil. E o presidente Lula, tenho certeza, está ciente disso. É por isso que ele advoga a favor de Julian. É muito importante entender a profundidade e a intensidade do apoio a Julian Assange na América Latina. As pessoas sabem que as revelações dos telegramas de Chelsea Manning publicados por Julian no WikiLeaks mudaram sua compreensão de como – e a partir de onde – a América Latina foi tratada da forma como foi. As pessoas comuns sabem disso no fundo da alma. As pessoas especializadas sabem disso por uma questão de conhecimento, mas todos se beneficiaram. É uma coisa extraordinária. Portanto, não há muito que eu possa fazer a não ser agradecer.
TUTAMÉIA: E qual é a sua mensagem, o que pretende dizer aqui no Brasil? Qual é a sua mensagem para o povo brasileiro?
JOHN SHIPTON: A única mensagem que tenho é de agradecimento ao povo do Brasil por seu apoio incansável há 12 anos. Vocês não mudaram de posição e disseram, ‘Ah, cansamos disso ou…’ Não. Vocês estão incansáveis há 12 anos, então, obrigado.