Defensores do ‘Politicamente incorreto’ também apertaram o gatilho em Goiás

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Publicado em Justificando – 

Nos últimos anos um determinado tipo de discurso humorístico tem ganhado espaço nos meios de comunicação de massa, sobretudo nos programas de entretenimento televisivos, o ‘politicamente incorreto’. O discurso ‘politicamente incorreto’ do ponto de vista dialético existe em contraposição a um discurso politicamente correto. Com isso, indica que esse discurso se funda na transgressão ou quebra de limites impostos, além de que, no campo do humor, as piadas não teriam regras e limites, sendo passível zombar de tudo, uma vez que piada é só uma piada e qualquer crítica a isso estaria ferindo a ampla liberdade de expressão, direito garantido constitucionalmente.

Defensores do ‘Politicamente incorreto’ também apertaram o gatilho em Goiás
Foto: EFE/Marcello Dantas/Cortesia Jornal O Popular/Direitos reservados (via Agência Brasil).

No artigo Questionando alguns argumentos – base que sustentam um tipo de discurso politicamente incorreto, o autor Mateus Paul Gruda critica o argumento que ‘piadas são só piadas’, pois para as piadas não podem ser consideradas como instrumentos meramente lúdicos ou então como elementos à serviço da indústria do entretenimento. As piadas representam aquilo que exatamente se quer dizer, seja para criticar os costumes sociais, ou para ofender os grupos sociais como negros, gays, pobres e mulheres[1].

O discurso politicamente incorreto também busca se legitimar por meio da defesa da liberdade de expressão, mas vale dizer que o direito de ter e difundir ideias não são ilimitados e não pode passar por cima do respeito ao outro. Esse direito não está imune aos conflitos devido às discordâncias pelo ponto de vista, ignorando que a expressão é fruto das relações sociais, querendo vetar o direito ao contraditório das suas colocações ditas humorísticas. As piadas preconceituosas estarão, sim, sujeitas aos protestos e manifestações de sujeitos e movimentos que se sentirem ofendidos e tal ação de forma alguma pode ser confundida com censura. Questionamentos às piadas racistas, preconceituosas, baseadas em estereótipos e agressivas, contribuem muito mais para o enfrentamento as desigualdades, do que para a sua manutenção.

O politicamente incorreto rejeita ser criticado, reduzindo seus opositores a ‘patrulheiros’ do politicamente correto, termo que é utilizado de forma pejorativa, sendo as pessoas que querem pela via coercitiva alterar as linguagens cotidianas, quando, na verdade, a proposta é trazer uma reflexão acerca da realidade, que é atravessada por vários aspectos de desigualdades, como cor, gênero, cultural e econômica. O discurso do politicamente incorreto se nega a dialogar com o contraditório, alimentando pressupostos nocivos e prejudiciais à igualdade e o respeito à diversidade.

E essa estratégia de igualar o discurso politicamente correto a censura já foi utilizada por alguns humoristas como Paulo Bonfá numa entrevista ao UOL, dizendo que o politicamente correto é o estágio inicial da censura. Outra forma de atacar aqueles que são críticos às formas de expressão que reproduzem desigualdades e preconceitos, é dizer que o mundo hoje ‘está muito chato’ por causa do politicamente correto, como afirmou o escritor de novelas Aguinaldo Silva.

A reação ao politicamente correto não ficou restrita aos humoristas e pessoas individuais, a Pepsi marca de refrigerante divulgou uma propaganda no ano passado, em que os dois limões da peça publicitária fazem deboche do politicamente correto, quando um dos limões em um diálogo diz que a latinha ficou animal, e outro responde para ele não falar assim, porque vai que algum animal se ofende? No final da propaganda ainda é dito que o mundo anda muito sensível e se o mundo estar chato, dar um twist, se referindo a Pepsi Twist. A propaganda foi denunciada por 50 consumidores por desmerecer ações e movimento das minorias e o caso aguarda julgamento pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).

Em 2012 a TV Câmara produziu e exibiu o documentário O Riso dos Outros dirigido por Pedro Arantes, cujo objetivo era refletir sobre quais eram os limites entre o humor e o discurso preconceituoso, reunindo vários humoristas como Laerte, Fernando Caruso, Danilo Gentilli, André Dahmer, Rafinha Bastos, Léo Lins entre outros. Assista aqui.

O Bullying: Violência Psicológica e Física

O humorista Danilo Gentili é sem sombra de dúvidas o principal representante do humor politicamente incorreto no país, começou a sua carreira na televisão no extinto programa humorístico da Rede Bandeirantes CQC – Custe o Que Custar – após sair do programa, passou a apresentar o The Noite com Danilo Gentili no canal SBT.

Danilo Gentili é tão ligado ao termo politicamente incorreto, que esse é um dos títulos do seu livro lançado em 2010, no qual o autor faz críticas a política brasileira. A relação de Danilo Gentili com o humor politicamente incorreto, que se baseia em conteúdos preconceituosos e discriminatórios não é a toa. Em 2014 Danilo Gentili foi absolvido pela justiça do crime de injúria racial, após oferecer bananas a um internauta negro em uma discussão no Twitter. O humorista já fez piadas com a violência contra homossexuais, com uma mulher gorda, com o apagão no Nordeste exalando xenofobia, comparou o cancelamento de uma estação do metrô em São Paulo, com os trens de Auschwitz para fazer piada com Judeus, veja aqui o ranking das 5 piadas mais ofensivas de Gentili.

Arte do Documentário o Riso dos Outros com aspas do cartunista André Dahmer.

O jornal Folha de São Paulo publicou uma matéria sobre o filme de Danilo Gentili em cartaz esse mês no cinema chamado “Como se tornar o pior aluno da Escola” baseado no livro do humorista com o mesmo título, em que o personagem instrui os alunos a declarar guerra a Escola na qual o diretor se orgulha de ter acabado com o bullying. Em um dos momentos Danilo Gentili experimenta variações de termos sobre pessoas gordas para apelidar um dos protagonistas e escolhe pelo apelido de ‘rasga Mãe’. Além de promover o bullying, o filme de Danilo Gentili também alimenta a pedofilia, quando um personagem interpretado pelo apresentador e comediante Fábio Porchat, se propõe a ajudar a uns garotos a encontrar o tal pior aluno, desde que o masturbem.

O jornalista Diego Bargas que foi responsável pela matéria no jornal Folha de São Paulo criticando o filme de Danilo Gentili com o título ‘Comédia juvenil ri de bullying e pedofilia’, foi demitido do jornal. Os editores da Folha de São Paulo disseram que a demissão de Diego Bargas ocorreu pelo mesmo por não seguir as orientações sobre posicionamentos políticas – partidárias nas redes sociais, que comprometam a independência das suas reportagens.

O humor praticado por Danilo Gentili pode ser classificado naquilo que o professor Adilson Moreira chama de ‘Racismo recreativo’, que é essa prática cultural e pública de humilhar pessoas de forma dissimulada como se fossem brincadeiras e piadas

Na sexta feira (20) um adolescente de 14 anos atirou dentro da sala de aula no Colégio Goyases, uma escola particular de ensino infantil e fundamental, em Goiânia. Ao todo foram 2 mortos e 4 feridos. O adolescente filho de Policiais Militares utilizou uma pistola .40 da Mãe para realizar a ação.

Segundo os colegas do estudante que foi autor do ataque, o mesmo sofria bullying na Escola sendo chamado de fedorento por não usar desodorante. O delegado que ouviu o estudante no dia do acontecimento, diz que ele se inspirou nos casos ocorridos em Columbine nos EUA em 1999 e Realengo em 2011 no Rio de Janeiro, todos esses casos foram execuções dentro de Escolas.

A juíza Mônica Senhorello acatou o pedido do Ministério Público e determinou a internação provisória do adolescente. Nas redes sociais a mãe do adolescente João Pedro Calembo, de 13 anos, um dos mortos, realizou uma homenagem a seu filho, pedindo para que nem seu filho, e nem a sua família fossem julgados pelo fato da vítima realizar bullying e que perdoava o atirador.

No ano de 2015 uma parceria entre o Ministério da Educação, a Organização dos Estados Ibero – Americanos, fez uma pesquisa com 6.700 estudantes das sete capitais mais violentas do Brasil. O resultado da pesquisa demonstrou que quatro entre dez estudantes do 6º ano ao 3º ano do ensino médio afirmaram já terem sofridos violências físicas e verbais. Em que 65% dos casos o agressor tinha sido um colega, e menos de 15% assumiram já ter realizado alguma violência, e um quarto dessas agressões foram na sala de aula.

O adolescente que tirou duas vidas e feriu mais quatro pessoas não apertou o gatilho sozinho; junto com ele atiraram todos àqueles que defendem o ‘politicamente incorreto’, que não passa de dar uma carta branca para que pessoas possam ser discriminadas, perseguidas, em um flagrante ataque a dignidade humana, em nome do humor e do riso. Os sangues desses adolescentes estão espalhados em outras mãos por aí.

Henrique Oliveira é graduado em História, mestrando em História Social pela UFBA, colaborador da Revista Rever e militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/Bahia.


[1] Disponível em: http://www.poscritica.uneb.br/revistagrauzero/edicoes/VOLUME-1_NUMERO-1/15.VOLUME-1_NUMERO-1.pdf

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