Por Marcelo Auler em seu Blog –
Os termos da delação de Joesley Batista, da JBS, não foi o primeiro caso de colaboração de réus em processos instaurados em nome do combate à corrupção a gerar discussão sobre sua validade.
Em 2006, o delegado federal Geraldo Machado, lotado na Delegacia de Polícia Federal de Londrina (PR), apontou irregularidades na delação do doleiro Alberto Youssef, no famoso Caso Banestado, desenhada pelo Ministério Público Federal do Paraná e homologada pelo juiz Sérgio Moro, então na 2ª Vara Federal de Curitiba.
Machado, embora desconhecido ou ignorado pela chamada grande mídia, foi indicado pela delegada federal Erika Mialik Marena a Rodrigo Pimentel como o verdadeiro precursor de toda a investigação da Operação Lava Jato (OPL). Érika, ao lado do delegado Márcio Anselmo Adriano, aprofundou as investigações nos dois anos iniciais, até ser removida para Florianópolis. Pimentel, famoso por sua atuação como capitão PM no Bope do Rio, hoje escreve o roteiro de uma série sobre a OLJ na qual tratará o delegado de Londrina como pai desta Operação. Márcio Anselmo, antes de passar no concurso para delegado, foi escrivão da Polícia Federal e trabalhou diretamente com Machado.
O alerta do delegado a Moro e ao procurador da República Deltan Dallagnol pouco adiantou. Afinal, uma das práticas da Força Tarefa criada em Curitiba era esconder os erros cometidos, jogando-os debaixo do tapete. Da mesma forma, “denunciantes” de tais erros eram satanizados. Os vilões viravam “mocinho”.
Aposentadoria precoce – Enquanto Youssef, mesmo reincidindo no crime, ganhou tratamento VIP da chamada República do Paraná, Machado e seus familiares comeram o pão que o diabo amassou.
Foi aposentado, compulsoriamente, aos 48 anos, por uma junta médica. Diagnosticaram invalidez para o exercício do cargo. A causa foi uma crise de “stress”, provocada não só pelo excesso de trabalho, mas, principalmente, pela pressão da parte do doleiro e do ex-deputado José Janene (PP-PR), que faleceu em 2010. Tudo junto e misturado lhe causou profunda depressão. O que afetou também mulher e filhos, relatam aqueles que presenciaram o drama.
Após ser tratado, médicos particulares atestaram que ele tinha condições de retornar ao trabalho aos poucos – inicialmente sem o porte de arma. Não foi o que entendeu a junta médica do Departamento de Polícia Federal (DPF). Provavelmente, influenciada por um surto de suicídios – 27 policiais e um agente administrativo, entre 2010 e 2016, segundo informações do Sindicato Nacional dos Servidores do Plano Especial de Cargos da Polícia Federal – SinpecPF.
Prova maior de que a decisão pode ter sido precipitada está no testemunho de quem acompanha os trabalhos sociais aos quais o delegado aposentado dedica hoje seu tempo livre. Poderia, como muitos colegas, voltar-se para uma nova atividade remunerada. Optou, porém, pelas causas beneficentes.
“Gerson é boa gente. É uma pessoa que dedica o tempo integral às causas sociais. Luta pelos Direitos Humanos e pela Cidadania. São duas vertentes da sua dedicação na nossa Associação – Associação Michael Martins dos Santos. Lá ele é secretário. Desenvolvemos trabalhos com crianças e adolescentes em situação de risco e junto a suas famílias”, constata Irmã Maria José Picarti, missionária Claretiana, em Londrina. Ela, há quatro anos tem no delegado aposentado um colaborador sempre próximo.
O alerta não ouvido – Em Londrina – município ao norte do Paraná, distante 385 quilômetros de Curitiba -, terra natal de Youssef e cidade onde foram criados os ex-deputados Janene e André Luiz Vargas Ilário (PT-PR), hoje preso pela Lava Jato, Machado presidiu diversas investigações no rescaldo do Caso Banestado. Foi como tomou conhecimento das atividades de Youssef.
O próprio doleiro confessou ao delegado que, ao assinar, em dezembro de 2003, um acordo de delação premiada negociado com o MPF do Paraná e homologado por Moro, deixou de relacionar todo o dinheiro que amealhou no escândalo do Banestado. “Não disse, porque não me questionaram”, justificou-se.
Ficou com alguma coisa entre R$ 20 milhões e R$ 25 milhões, como o delegado admitiu ao ser interrogado, na condição de testemunha, arrolado pela defesa do ex-diretor da Odebrecht, Marcio Faria, em um dos processo da Lava Jato. Como demonstra o vídeo do seu depoimento, que reproduzimos abaixo, o advogado de Youssef, Antônio Augusto Figueiredo Basto, ainda tentou desmerecer o depoimento do delegado por conta da aposentadoria compulsória. Basto, com a Lava Jato, tornou-se um especialista em delação premiada.
A participação de Youssef na remessa de recursos para o exterior por meio de contas CC5, levou-o a uma condenação, por Moro, de sete anos de cadeia. Teria ainda que responder a outros inquéritos, que poderiam lhe gerar pena de reclusão bem maiores, na avaliação de alguns personagens que conhecem o caso. Por isso, aceitou a delação premiada. Mas, não cumpriu sua parte como manda a lei.
Palavra de um contra outro – Na época, a confissão de Youssef foi levada ao conhecimento do juiz Moro. De nada adiantou. Este alegou que apenas homologou o acordo, mas pediu que o delegado representasse sobre o caso. Já o procurador Dallagnol parece ter sido mais cético. Alegou que seria necessário testemunha ou prova do que o doleiro falou ao delegado, para não ficar a palavra de um contra a do outro. Parece ter esquecido que um delegado de polícia tem fé pública, o que não ocorre com réus. Mas, na República de Curitiba certas regras parecem não ter validade.
Diante da representação de Machado, ele próprio foi encarregado do Inquérito Nº 2007.70.00.007074-6, ajuizado, por dependência, na 2ª Vara, a que Moro é titular e que hoje se tornou 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Youssef, porém continuou livre, leve e solto. E aprontando, como se verificaria anos depois.
Surgiram então as pressões contra o delegado por parte do doleiro e do já ex-deputado Janene. Este, após seu envolvimento no Mensalão, afastou-se de licença médica e se aposentou precocemente, evitando seu julgamento pela Comissão de Ética da Câmara.
Sua influência política na região era conhecida e pode ter contribuído para a aposentadoria de Machado. Contrariando o que sempre falou o diretor da polícia Federal na primeira gestão de Lula, delegado Paulo Lacerda – que não houve nomeações políticas na instituição – no norte paranaense dizem que Janene conseguiu nomear amigos.
Nomeações políticas – Foi o que também relatou o jornalista José Maschio, na Folha de S. Paulo, em novembro de 2003. Correspondente do jornal em Londrina, é dele a reportagem Papéis mostram elo entre doleiro, deputado e policiais:
“Janene e o deputado federal Paulo Bernardo (PT-PR) são apontados como os responsáveis pela indicação do diretor da divisão da Polícia Federal em Londrina, Sandro Roberto Viana dos Santos. Youssef tem desde 1997 colaborado com projetos do Sindicato dos Policiais Federais no Paraná“.
A influência de Youssef também não era desprezível, como consta da mesma matéria ao falar de outro delegado:
“Em março deste ano, o delegado Nilson Souza foi afastado das investigações sobre o doleiro pela Polícia Federal em Londrina. O Ministério Público Federal descobriu que Souza havia se hospedado em Londrina, em outubro de 1997, com as despesas pagas pela empresa de Youssef, a Youssef Câmbio e Turismo.
Na época, Souza era delegado em Foz do Iguaçu (PR) e foi a Londrina para uma festa da comunidade árabe.
A mesma empresa do doleiro, a Youssef Câmbio e Turismo, patrocinou a impressão de 2.500 cartilhas de um projeto educativo, em 1998, para o Sindicato dos Policiais Federais do Paraná. A cartilha “O Brasileirinho” é cópia de um projeto de policias federais dos Estados Unidos para prevenção às drogas nas escolas“.
Sandro, em fevereiro passado, foi preso em flagrante pelos agentes da Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal (DIP/DPF), junto com o empresário Clodoaldo Pereira dos Santos, dono de uma empresa de vigilância. Foram acusados de extorquir outro empresário da cidade, em um caso que já estava arquivado.
Delação rompida – Embora ajuizado na Vara de Moro, que acompanhou inicialmente as investigações mas acabou declarando-se impedido para continuar à frente do caso,o inquérito que investigaria o não cumprimento das regras da delação premiada por Youssef jamais foi concluído. Coube ao juiz substituto da Vara, Flávio Antonio da Cruz, assumir o caso.
A pressão de Youssef, por sua vez, fez efeito. Dallagnol entendeu que o delegado Machado estava tendo uma questão pessoal com o doleiro e “sugeriu” que abandonasse o caso, repassando a outro delegado de Londrina. Porém, ligado à Curitiba.
O inquérito acabou arquivado, como se nada do que o delegado Machado ouviu fosse verdade. Perdeu-se, então, em 2006, uma ótima oportunidade de descobrir que o doleiro continuava ativo e cada vez lavava mais dinheiro, das propinas. Se a palavra do delgado não fosse colocada em dúvida, provavelmente Youssef não apareceria na Lava Jato: estaria recolhido cumprindo as penas dos processos do Banestado.
O que de certa forma pode ter ajudado Machado se redimir é que os fatos, oito anos depois, já no bojo da Operação Lava Jato, lhe deram razão. Além de ter ficado com o dinheiro – que jamais lhe foi cobrado – Youssef voltou a atuar como doleiro e, principalmente, a lavar recursos provenientes de propinas.
Tanto assim que, ao ser preso na primeira fase da Lava Jato, no apartamento 704 do Hotel Luzeiro, na manhã da segunda-feira 19 de março de 2014, estava com uma mala carregada com R$ 1,4 milhão. O dinheiro era propina a ser repassada a um emissário da governadora Roseana Sarney.
Foi em 6 de maio de 2014, 49 dias após ele ser preso na primeira fase da Lava Jato, que o juiz Sérgio Moro decidiu pela cancelar o termo de Delação Premiada e revogar os benefícios que conquistara em 2003.(Veja decisão abaixo).
Pelo que ficou negociado, Youssef cumpriu apenas um ano da pena de sete anos aplicada pelo mesmo Moro e livrou-se de outros processos por sua participação na lavagem do dinheiro que circulou pelas contas CC5 do Banestado.
Estes outros processos, teoricamente, voltaram a ter andamento. Certamente serviram apenas como mais uma forma de pressão para o doleiro que reincidiu no crime, voltasse a fazer delação premiada. O que acabou acontecendo e ele conquistou o direito – mesmo com mais de cem anos de condenação em diversos processos – ganhar a liberdade, com o uso de tornozeleira eletrônica, dois dias antes de completar três anos preso.Para ele não foi um mau negócio. Já para a sociedade..
Revogação do acordo de Delação Premiada de Alberto Youssef
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