Por Brenno Tardelli, Justificando –
Eu vi, tu viste, ele e ela viram a conversa de Romero Jucá com o ex-presidente da Transpetro, pois, apesar de ser uma gravação ilegal que envolve um então senador, ultimamente isso não tem sido óbice para estampa nas capas dos jornais de maior circulação no país. Por isso, reconhecendo que estamos falando de uma prova obtida de forma ilícita, bem como da abertura que esse diálogo oferece para as infinitas possibilidades do arbítrio, é necessário apontar algumas questões no assunto já difundido em todos os cantos do país.
A coerência manda um abraço
Para entender basicamente do que se trata, a situação de Jucá – senador, gravado de forma ambiental, enquanto ajuda um amigo em apuros – é idêntica à situação do senador Delcídio do Amaral, preso e cassado, bem como semelhante ao que aconteceu com Lula e Dilma, com a diferença que no caso dos presidentes houve o expresso descumprimento da lei por um juiz de direito, quando divulgou os áudios à mídia.
Na caso de Delcídio, o STF resolveu por conta própria riscar a Constituição Federal e determinar a prisão de um senador que não havia sido surpreendido em flagrante delito. Já quanto a Lula e Dilma, foi lida uma dura carta pelo decano Celso de Mello contra ambos, um liminar de Gilmar Mendes suspendendo a posse do ex-presidente à Casa Civil, cobertura da mídia por 24 horas seguidas, além de intensa mobilização de setores interessados na deposição da presidenta.
São diversas variáveis que tornaram o processo de impeachment em um golpe, mas uma das principais características é a diferença de tratamento. Ironicamente, o que mais se fala para rebater a tese de golpe é que “as instituições estão funcionando”. Ora, se assim é, que horas que o Supremo irá se reunir para ler uma nota duríssima em frente às câmeras? E liminar para suspender Jucá do ministério? A Globo, pertencente ao quarto poder, vai fazer uma cobertura de 24h? Bonner não leu o diálogo linha por linha, como fez para derrubar Dilma. A sociedade civil bateu suas panelas? Juízes e Procuradores da República irão à Paulista? Sabemos que não.
Por outro lado, não demorou nem cinco horas da divulgação do áudio para que parlamentares do PSOL anunciassem que entrariam no judiciário com um pedido de prisão de Jucá, sob fortes aplausos de progressistas nas redes sociais. A medida parte da crença que i) o cárcere resolva alguma coisa; ii) podemos relativizar a constituição para prender um inimigo. Francamente, de uma esquerda que se comporta assim em épocas de crise, não se pode ter muitas esperanças…
A delação e gravação que atingem Jucá têm sérios problemas éticos e jurídicos
Agora, vamos ao conteúdo da gravação de Romero Jucá. Trata-se de um áudio gravado por uma pessoa próxima o suficiente para debater arealpolitik (seriam amigos?), em um cenário de pedido de socorro ao então senador, por entender que será preso em breve. Era tudo uma cilada, na verdade, mas na cabeça de Jucá era, sim, um pedido de ajuda. Jucá se solidariza com o cara, escuta e diz que vai ver com os ministros do supremo, com o partido e com o raio que o parta para ajudar a situação do sujeito – e a própria indiretamente, pois ainda rola uma pequena ameaça velada na conversa. Jucá foi solidário; o delator foi um traíra de marca maior.
Além disso, algumas frases que ficaram famosas são iscas oferecidas pelo próprio delator, como, por exemplo, a mais épica: “quem não conhece o esquema de Aécio?”. Era o verde para colher maduro; Jucá não caiu nessa. Outras coisas graves Jucá falou, mas é necessário ressalvar que era uma cama de gato armada. Encenação do delator que está fazendo o amigo que pede socorro (não há nada mais covarde que isso). Trata-se, em outras palavras, do mais puro flagrante preparado, isto é, a situação de flagrância forjada, que ludibria o acusado e, portanto, é nula de pleno direito.
Mas por que o delator traiu tão lindamente? Para conseguir um benefício mesquinho com a Inquisição. Isso é central e o mais problemático. São ratos que estimulam o denuncismo. Enquanto isso estiver sendo praticado na classe política (que odiamos) tudo bem. Mas coloca isso no varejo para a população ver o que é bom para a tosse viver numa república de gente tão traíra. Ainda que você defenda a delação premiada enquanto instituto, há de se concordar que, atualmente, a maioria não são delações, mas sim armações premiadas – como bem lembrou o advogado Marcelo Feller.
Explico com mais calma: eu, político ou executivo que frequenta o poder, forjo conversas com pessoas que sei que atrairão atenção da Inquisição (Ministério Público e Magistratura). Guardo essas conversas para se e quando for alvo de alguma investigação e a uso como moeda de troca. Foi o caso do delação que fisgou Delcídio do Amaral, como também a que atingiu em cheio Romero Jucá.
Vale dizer, a cilada para o traíra ganhar seu petisco processual não torna o golpe mais golpe. Já era golpe antes e continuará sendo. Na verdade, o áudio de Jucá nos testa na coerência de querermos um país menos punitivista. Mas, infelizmente, faz tempo que mandamos os escrúpulos às favas.
Brenno Tardelli é diretor de redação no Justificando. Foto da capa de Jane de Araújo/Agência Senado