O DELEGADO da Polícia Federal que investigou o Sleeping Giants Brasil é cunhado de Flavio Azambuja Martins, mais conhecido pelo pseudônimo Flavio Morgenstern, influenciador bolsonarista em redes sociais e dono de uma página de extrema direita chamada Senso Incomum. Azambuja é crítico feroz do grupo anônimo que atua para retirar anúncios de sites que propagam conteúdo de ódio, fake news e desinformação – caso do próprio Senso Incomum. E, vale lembrar, foi condenado a indenizar Caetano Veloso em R$ 120 mil por mover uma campanha digital acusando o artista de pedofilia.

Vamos à genealogia: Ricardo Filippi Pecoraro, o delegado, é irmão de Camila Filippi Pecoraro, uma advogada que se casou com Azambuja em 2014 em São Paulo. Tivemos acesso à certidão de casamento que comprova a união. Azambuja, após a assinatura do documento, adotou o sobrenome da mulher – Flavio Azambuja Martins Filippi Pecoraro.

Tivemos acesso também a documentos que atestam o grau de parentesco entre Camila e o policial federal Ricardo Pecoraro, seu irmão e cunhado de Azambuja, o delegado responsável pela insólita investigação que prometia ir atrás de sites que publicam fake news mas, na verdade, investigou os denunciantes, como revelamos.

E vejam que curioso: Azambuja escreveu um punhado de artigos poucos dias antes de Pecoraro abrir seu brilhante inquérito. Num deles, o editor esperneou que o grupo “começou no Brasil com difamação – chamando vários sites de ‘propagadores de fake news’, sem prova alguma”. Por mera coincidência (?), uma das justificativas de Pecoraro para investigar o perfil foi, justamente, que o Sleeping Giants estaria fazendo “acusações graves, contudo genéricas, não apontando exatamente quais teriam sido as fake news que os veículos de comunicação que cita teriam cometido”.

A argumentação é idêntica, e identicamente mentirosa. As denúncias do grupo são objetivas, como se pode ver aquiaquiaquiaquiaqui e aqui, pra começar.

Um dos textos de Azambuja foi publicado em 20 de maio, uma quarta-feira. Cinco dias depois, na segunda, o cunhado dele abriu inquérito contra o Sleeping Giants Brasil e ordenou “a produção de Informação Policial que indique, conforme seja possível, os dados e endereço do responsável legal pelo perfil Sleeping Giants”. Curiosamente, mais uma vez, o mesmo argumento está no texto do Senso Incomum, onde Azambuja lembrou o seguinte: “a Constituição permite pseudônimos, não anonimato”.

O delegado também argumentou que o Sleeping Giants Brasil pode estar cometendo “crimes contra […] a Liberdade de Imprensa; a Liberdade de Pensamento; à Liberdade de Expressão e a Livre Concorrência dos Meios de Comunicação no Brasil” – nada disso faz sentido. Notem que a preocupação com os prejuízos econômicos que o Sleeping Giants vem causando na extrema direita é patente em vários dos textos de Azambuja sobre o assunto. Como se diz por aí, delegado e cunhado estavam realmente “na mesma página”.

Mas a história não acabou. Além de cunhado do editor bolsonarista, o delegado Pecoraro foi colega de repartição do então escrivão de polícia Eduardo Bolsonaro, mais conhecido como o filho 03 do presidente e chefe do fã-clube brasileiro de Steve Bannon – preso na última quinta-feira por fraude. Em 2013, Eduardo foi transferido para a superintendência da PF em São Paulo, onde Pecoraro trabalhava.

Flavio Azambuja Martins Filippi Pecoraro também é próximo da família Bolsonaro. Ele, a mulher Camila e o 03 Eduardo foram juntos a um protesto pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2014, em São Paulo.

Foto: Reprodução/Facebook

Então, por essas coisas da vida, um poeminha:

Pecoraro
Que trabalhava com Eduardo
Que é irmão de Camila
E cunhado de Flávio
Queria quebrar do Sleeping Giants
O seu anonimato.

Se os argumentos psicodélicos usados por Pecoraro para investigar o Sleeping Giants já sugeriam que havia algo errado (é sério, leiam a reportagem e tentem não rir), o elo familiar dele com um provável alvo – e crítico feroz do grupo – faz o mau-cheiro da coisa aumentar exponencialmente. Tentamos contato com Azambuja para entender se ele apenas inspira Ricardo loucamente ou se tem algo a mais nessa história. Se acolheu uma sugestão dele para abrir a investigação, por exemplo, o delegado pode ter até cometido crime de prevaricação. Sem respostas.

código de ética da Polícia Federal proíbe “utilizar, para o atendimento de interesses particulares, recursos, serviços ou pessoal disponibilizados pelo Departamento”, “influenciar decisões que possam vir a favorecer interesses próprios ou de terceiros” e “utilizar-se de sua função, poder, autoridade ou prerrogativa com finalidade estranha ao interesse público”. Há que se observar ainda a Lei de Abuso de Autoridade. Pecoraro, parece evidente, precisa ser investigado.

Tentamos entrar em contato com o delegado Pecoraro e com a irmã dele, Camila, por telefone. Procuramos Azambuja por seus perfis no Twitter, Facebook e pelo chefe de redação do jornal de Olavo de Carvalho, Paulo Briguet, que nos informou que o colega bolsonarista não iria nos responder – antes de sequer ter ouvido que perguntas faríamos. A redação, aliás, funciona em Londrina, onde moram alvos do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal, e onde o policial Pecoraro trabalha.

Também entramos em contato com a Polícia Federal para perguntar as afrontas ao código de ética que o delegado pode ter cometido. A instituição respondeu que não irá se manifestar e que a corregedoria “tomou ciência do caso”.

A chefe da corregedoria Regional da Polícia Federal no Paraná é a doutora Rosicleya Baron de Albuquerque Barradas. Este é o telefone dela: (41) 3251-7671. O e-mail é cor.srpr@dpf.gov.br. São informações públicas.

Talvez ela não esteja sabendo que o cunhado do delegado Pecoraro era parte interessada na investigação dele.

Ou possa só apreciar nosso poeminha.

Bom sábado.