Por Marcelo Auler –
Alheio à folia momesca, me valho do noticiário de alguns jornais e da internet para concluir que o Japonês da Federal não fez muito sucesso na folia de rua. Pelo menos no Rio de Janeiro. Por aqui, máscaras reproduzindo seu rosto parecem não ter agradado. Poucas foram vistas. Menos mal.
O japonês da federal, na verdade, só ganhou notoriedade por conta de o Departamento de Polícia Federal (DPF), através da Superintendência Regional do Paraná (SR/DPF/PR) ou da própria direção geral em Brasília, ter permitido sua excessiva aparição nas operações da Lava Jato. Foi uma estratégia – e aí vem a dúvida de qual o objetivo – ou um simples e repetido erro?
O fato de um agente condenado por corrupção, cuja expulsão do DPF foi revertida por uma questão técnica e não pela prova de sua inocência, tornar-se o rosto dos federais nas operações gerou desconforto interno entre seus colegas.
De tanto aparecer nas fotos das 22 fases da Operação Lava Jato escoltando presos, Newton Hidenori Ishii, 60 anos, virou o retrato do Departamento de Polícia Federal (DPF) na Operação Lava Jato para a população. Mais curioso ainda é a propaganda que aparece no Facebook relacionando o Ministério Público Federal e o juiz Sérgio Moro (acima) com a campanha do abaixo-assinado para propor ao Congresso um projeto de iniciativa popular com mudanças nas leis de combate à corrupção. Ali, junto ao juiz Moro e ao procurador Deltan Dallagnol – apontados como os dois principais paladinos da moralidade e honestidade no país – quem aparece ao lado não é nenhum delegado da Força Tarefa, mas o agente Ishii, que apenas escolta presos. Pior ainda, um condenado por corrupção. Ao que parece, falta coerência.
Essa excessiva exposição vem irritando seus colegas do DPF, inclusive e notoriamente, delegados. Entre estes, os que participam diretamente da Força Tarefa (FT) no Paraná. Uma delas*, no Facebook, comentou sobre o fato de serem representados por alguém que não compõe a FT:
“Por isso eu desisto…. Chega de virar noite (…) Ao menos se fosse um dos colegas que trabalham de fato”.
As críticas nas páginas dos delegados nas redes sociais, repetiram-se em diversos momentos. Eles consideram não ser o agente a pessoa adequada para representá-los junto à população. Criticaram, de forma um tanto quanto preconceituosa, até o fato dele provavelmente não ser articulado como deveria: “talvez não formule um frase com correção, é surreal” (sic). Acham que faltou à instituição escalar alguém gabaritado para representá-la:
“A ausência de um rosto nosso (seja qual razão for), fez a imprensa dar à PF o rosto de um “escoltador”. É patético…”,
resumiu um delegado do norte do país, um dos mais indignados com a situação e que mais comentários postou. Outro colega seu, lotado em Brasília, foi mais direto ao relembrar o passado do Ishii que Luis Fernando Veríssimo, em artigo irônico, intitulou de “Japonês Bonzinho”;
“Na verdade, o agente deveria era ter ido pra rua (…) Ter como rosto da PF alguém que foi demitido por praticar crime é uma tragédia”.
CORREÇÃO DO BLOG: Erroneamente, na legenda da ilustração acima, afirmávamos se tratava de uma página do MPF no Facebook. Erramos. O MPF do Paraná não tem página no Facebook. Trata-se de páginas de apoio à campanha, sem responsabilidade da instituição propriamente dita. Pedimos desculpas a todos os membros do MPF e ao leitores de um modo em geral.
O passado de Ishii, policial federal desde 1974 quando passou no concurso e que conta os dias para aposentar-se em maio, tem manchas. O processo que responde por corrupção, formação de quadrilha e facilitação de contrabando e descaminho, ainda não transitou em julgado. O Recurso Extraordinário que tanto o Ministério Público Federal como os réus condenados ingressaram no Superior Tribunal de Justiça (STJ), dormita no gabinete do ministro Félix Fischer, desde abril de 2015, a espera do julgamento.
Como Odebrecht, dúvida nas transcrições – O japonês ainda responde a uma Ação Civil Pública iniciada em junho de 2008. Com muitos réus entre policiais federais e auditores da Receita Federal, atravessadores e contrabandistas – eram mais de 40 inicialmente – o processo está em um ritmo lento, ainda na fase do depoimento de testemunhas. que a se encontra no interrogatório das testemunhas. Mas, curiosamente, nela, o agente Ishii e sua defesa levantaram a mesma dúvida dos advogados de Marcelo Odebrecht na ação que este responde na Operação Lava Jato: a transcrição das gravações não foi fiel.
Sua expulsão pelo Processo Administrativo Disciplinar (PAD), e, 2009, acabou anulada por decisão do STJ, em 2014. Àquela altura, delitos administrativos já tinham prescrito, inviabilizando um novo procedimento. Ishii briga na Justiça para reaver os valores que deixou de receber após ser demitido.
Disputado por partidos políticos – Mesmo sem condenação transitada em julgado, o agente japonês, teoricamente, não pode ser considerado um “ficha limpa”. Afinal, seu processo já passou pela segunda instância. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ao julgar a Apelação Criminal impetrada pelos réus, reduziu sua pena. Mas, manteve a condenação.
Tal situação poderá prejudicar os planos que alguns políticos nutrem de lança-lo candidato. Como comentou uma delegada de São Paulo. Ao defender maior participação dos delegados na mídia, revelou sua conversa com um deputado federal:
“Vocês tem toda razão …. ! Precisamos reforçar o papel do Delegado na mídia. Falei com um deputado federal conhecido e ele me contou que vários partidos disputam a tapa o japonês da federal para candidatura em seus partidos. Fiquei chocada!!!”
Prontamente seu colega respondeu:
“Um agente que agora é disputado a tapa pelos partidos.“
E foi complementado pela colega da Força Tarefa:
“E ganha até para senador no Paraná.”
O colega do norte do pais ironizou:
“O azar dele é que as eleições, agora, são municipais, rs (…)
Mas, ao comentar o posicionamento da colega de São Paulo, ele assumiu a parcela de responsabilidade, só não ficou claro se com relação ao papel dos delegados ou com relação à candidatura do agente:
“Não tenho dúvidas. Este é o nosso país. E, acredite, não somos inocentes nisso tudo. Temos culpa. Todos nós.“
Passando o carnaval em casa, cuidando da filha que contraiu uma virose, o agente japonês garante que não está nos seus planos ingressar na carreira política. “Não tem nada a ver. Não sei porque ficam falando estas coisas. Na realidade eu estou entrando em férias“. Mas, não será o primeiro se depois de negar se deixar morder pela mosca azul. Hoje, insiste, uma candidatura não faz parte dos seus planos: “Nem penso nisso. Não é minha pretensão. Vou trabalhar, me aposentar e vou para casa”.
Tucanos se apropriando – Ishi pode estar até sendo sincero ao dizer que não tem pretensões políticas, mas já está fazendo o jogo político. e sendo aproveitado politicamente. Basta ver as páginas do Facebook do jornalista e marqueteiro cibernético Sérgio Kobayashi. Tucano assumido, com passagens pelo governo de José Serra, na prefeitura de São Paulo, de Geraldo Alckimil, no governo do estado paulista e com Gilberto Kassab na prefeitura paulistana, hoje preside a RTVE – Rádio e TV Educativa do Paraná.
Com Alckimin, ocupou a Fundação do Desenvolvimento Escolar (FDE) e a verba que deveria ser prioritariamente usada na construção de escolas, pagava assinatura de jornais e revistas.
Bastou encontrar-se com Ishii nos 60 anos da E-TV do Paraná, em dezembro, para registrar o fato em um selfie e em seguida badalar o japonês em sua página do Facebook, sempre com críticas ao PT, Dilma e Lula, como tornou-se habitual em se tratando de Kobayashi. Desde então, sua página é alimentada por fotos e charges em que o agente federal do Paraná sempre aparece prendendo ou ameaçando algum petista.
Comunicação Social na berlinda – O japonês da federal diz desconhecer as críticas dos delegado – “nem tenho Facebook, como vou ficar sabendo” – e garante que não foi transferido de posto, como noticiado recentemente. “Não sei de onde retiraram isso. Continuo na mesma função, só estou saindo de férias. A gente riu para caramba dessa notícia, de que eu tinha saído. O meu chefe, o superintendente também não sabia, o direto-geral também não sabia e tampouco eu“.
Sua colega do Paraná responsabilizou a imprensa e o próprio DPF pelo fato de Ishii tornar-se hoje simbolo da instituição:”Não há uma política institucional de valorização do nosso trabalho, a mídia pega aquilo que aparece, e quem é escolhido pra as escoltas de presos famosos certamente aparece, a opção é da Administração” (…)
Nisso, o delegado do norte do país, complementou:
“A ADPF precisa sepultar a IN (Instrução Normativa) da mordaça, ainda que seja na justiça. Embora precisemos ter critérios, ela inibe a atuação junto à imprensa. Precisa ser reformuladas”
A crítica acabou caindo em um setor do DPF que sempre teve dificuldades internas: a Comunicação Social. Normalmente, seus responsáveis, ficam entre o mar e o rochedo e, não raro, apanham dos dois lados, pois nem sempre a política da direção do órgão é de transparência. Em governos passados, era bem pior, quando a Comunicação Social só divulgava o que interessava e escondia os erros encontrados. Bons tempos da dupla François Renne e Bruno Craesmeyer, que não brigavam com notícia e nem desprezavam jornalistas.
Hoje, as sindicâncias abertas a partir da Lava Jato para investigar vazamentos, escutas clandestinas e outras irregularidades, são um exemplo direto. À imprensa não se repassa o que realmente ocorre. Daí surgem as informações em off (sem a fonte aparecer). A crítica à Comunicação Social, também surgiu no Facebook dos delegados, no texto que reproduzimos ao lado.
A questão é que os delegados, no relacionamento com a imprensa trabalham de forma dissimulada. Seja pelas proibições internas – a Instrução Normativa que, oficialmente, impede o contato com jornalistas sem autorização superior -, mas também por um jogo de interesse. Quando vazam informações, principalmente para detonar suspeitos, transformando-os em réus antes mesmo de concluírem as investigações, na verdade fazem um jogo político. Em alguns casos, como na Lava Jato, nitidamente partidário, contra o governo e o PT. Em outros, pesam os interesses internos na corporação ou a vontade de aparecer e ficar bem com os jornalistas,.
Não raro, no dia-a-dia, há uma gama grande de delegados que sequer acompanham as investigações par e passo. São agentes, mais experientes e traquejados, que por estarem à frente dos caso, colhendo informações na rua ou mesmo no cruzamento de dados, detêm as informações relevantes e se tornam alvo dos jornalistas. Nestes casos, os vazamentos sempre serão em segredo, pois os APFs não podem se pronunciar, salvo em raras exceções.
O que fica nítido é que a figura do Japonês da Federal na Lava Jato criou mal estar até mesmo fora do DPF, como narraram alguns delegados:
“Colegas, sem emitir juízo de valor, informo que recebi, inclusive de fora da PF, mensagens demonstrando preocupação com a exposição excessiva na mídia do APF da SR/PR, conhecido como “JAPONÊS DA FEDERAL”, e que poderia, em tese, criar transtornos para ele próprio, para a PF, e para a investigação realizada no IPL da Lava Jato”,
advertiu um deles, do Rio de Janeiro, sendo complementado por outro de Brasília:
“Um colega da PC/RJ (Polícia Civil do Rio) trouxe a seguinte novidade, que aponta para a necessidade de providências urgentes; Ele (o japonês) precisa urgentemente ser removido dos holofotes. Não se trata de fazer nada contra ele. Apenas de retirá-lo das prisões importantes, promovendo um rodízio entre os agentes que a executam para evitar que sejam criadas celebridades que surfarão na onda da Lava Jato.”
Dentro e fora da Polícia Federal já há quem perceba que a super exposição do agente que já foi condenado pode trazer problemas à instituição e à própria Operação Lava Jato, no minimo suscitando desconfianças. Resta saber o que a Direção Geral do DPF busca atingir mantendo-o na linha de frente. Só pode ser o descrédito de todo o trabalho, afinal, o simbolo da Polícia Federal na operação que se propõe a acabar com a corrupção no país é alguém condenado justamente por corrupção. Falta coerência.
*Como o interesse do blog é apenas noticiar fatos, sem gerar problema aos servidores federais que, ao fazerem suas crítica à administração do DPF, exercem um direito, deixamos de identificá-los publicamente. Situação diversa de quando atacaram autoridades, inclusive, a presidente Dilma Rousseff, o que fere a legislação que regulamenta o deveres dos Policiais Federais.