Por René Ruschel, jornalista
Os militares têm a estranha mania de se julgarem acima do bem e do mal. O “braço forte e a mão amiga” são irretocáveis. De tempos em tempos, resolvem por as caras fora dos quartéis para ditar regras que, normalmente, são aquelas que as convêm. Sempre em nome da pátria, da liberdade e da paz. Uma retórica que se arrasta desde o Império e que tomou corpo a partir do golpe que destituiu D. Pedro II, em 1889.
A menor crítica às Forças Armadas é entendida como desacato, insubordinação, desobediência. Ora, fora dos muros da caserna, vivemos em uma democracia onde cada um tem o direito de expressão, de manifestar suas opiniões, inclusive criticar as instituições de Estado.
O general da reserva, Sérgio Etchegoyen, em entrevista a imprensa gaúcha afirmou que o presidente Lula cometeu um ato “de profunda covardia” ao dizer que “não confia nas Forças Armadas”. O militar cometeu um equívoco: Lula disse que perdeu a confiança em “parcela das Forças Armadas”. Há uma abismal diferença entre o que afirmou o general e o que de fato declarou o presidente da República.
Em qualquer instituição – civil, militar, religiosa – sempre vai existir sua banda podre. As Forças Armadas não são diferentes. Isso não significa que elas, as instituições, são culpadas – embora sejam responsáveis – pelos erros de seus integrantes. Em 2019 um sargento da FAB foi pego com a mão na massa, na Espanha, traficando 39 kg de cocaína no avião presidencial. O comando da Aeronáutica agiu prontamente e puniu o militar.
Na noite de 30 de abril de 1980, véspera do Dia do Trabalhoador, uma bomba explodiu no colo de um sargento do Exército no Riocentro, Rio de Janeiro, que morreu no local do atentado. Seu parceiro, oficial capitão, ficou gravemente ferido. Os dois militares eram agentes do DOI-Codi e o plano era explodir o artefato na plateia a fim de causar pânico para depois culpar algum grupo de esquerda.
Aliás, o País vive um momento crucial de sua história. A anistia negociada há 43 anos pelo último dos generais-ditadores, João Baptista Figueiredo, foi um acordo à tentativa de apagar as digitais da caserna que ficaram impregnadas nos porões da ditadura. Era precioso garantir que não haveria punição. Ainda hoje o que se passa na Argentina assusta os quartéis. Los hermanos são implacáveis com a lei e mais de 400 militares foram presos, muitos condenados à prisão perpétua.
A conciliação à brasileira, explica o jornalista Fábio Victor em seu livro “Poder Camuflado – Os Militares e a Política”, um pacto entre militares e políticos que ao final resultou bem mais vantajoso aos primeiros, “praticantes de uma violência de Estado incomparável com os crimes da luta armada contra a ditadura”, é apontado por estudiosos como uma das causas primordiais da “ausência de um controle civil de fato sobre os militares”, como ocorre nas democracias consolidadas.
As Forças Armadas saíram chamuscadas do governo do ex-capitão. Denuncias de escândalos em licitações de compras para o Exército foram fartamente ventiladas pela imprensa. Picanha, Viagra, bebidas, próteses penianas… Os ministros-generais apoiaram e defenderam Bolsonaro até as últimas consequências, a ponto de um deles, Eduardo Pazuello, consentir candidamente que a regra era a mesma dos quartéis – “um manda, outro obedece”.
Em entrevista ao portal UOL, a historiadora Lilia Schwarcz afirmou que “Bolsonaro foi construído como bomba-relógio das forças militares”. Só que o projétil explodiu no colo dos asseclas fardados por ocasião do atentado à democracia ocorrido em 8 de janeiro último, quando o ex-capitão já tinha fugido para os Estados Unidos. Tudo transmitido ao vivo e a cores para todo o País.
As denúncias de omissão das forças de segurança, inclusive oficiais do Exército, por ocasião da invasão à Praça dos Três Poderes, em Brasília, estão sendo apuradas. Há evidências de sobra que precisam ser averiguadas.
Enquanto isso ninguém pode ser acusado, como também ninguém pode deixar de ser investigado. E os culpados, sejam civis ou militares, devem ser punidos. Chega de empurrar o lixo para baixo do tapete ou esconder esqueletos da corrupção nos armários oficiais. A democracia e suas instituições estão acima das pessoas. Inclusive dos generais.