Teatro Ventoforte, demolido por Ricardo Nunes era um marco da resistência cultural, além de espaço de criação, diálogo e celebração da diversidade, características da capital paulista
Por: Luiz R Cabral, editado por André Accarini e compartilhado de CUT
na foto: Instagram de Chico César
A administração do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), mais uma vez atentou contra a cultura, uma das principais características da maior cidade da América Latina, com a demolição de um tradicional espaço da cidade, o Teatro Ventoforte, localizado no Parque do Povo, na Zona Oeste da capital paulista, na quinta-feira (13).
A demolição causou comoção em artistas e na sociedade que realizaram protestos repudiando a atitude do prefeito. Veja abaixo.
Além da construção que abrigava o teatro, também foi demolida a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul, próxima ao local. Importante polo cultural, o teatro tinha 40 anos de história e abrigava um rico acervo com cenários, figurinos e peças de arte, patrimônio histórico e cultural que foi erguido por diversos artistas, hoje renomados.
A ação não é a primeira após a reeleição de Nunes à prefeitura de São Paulo. Os primeiros artistas a serem perseguidos foram os músicos que tocam na Avenida Paulista aos domingos e feriados. Eles foram surpreendidos, no dia 2 de fevereiro, por uma ação da Subprefeitura da Sé, em parceria com a Polícia Militar, proibindo apresentações que utilizavam caixas de som.
Para o secretário de Cultura da CUT, Antônio Celestino “Tino” Lourenço, a demolição do teatro, que provocou revolta em muitos artistas, faz parte de um projeto maior de ‘apagamento da cultura, aquela que conscientiza o povo sobre sua identidade e seu significado’.
“Não se trata apenas de eliminar oportunidades de trabalho e emprego na área cultural, mas de uma tentativa deliberada de apagar a história da cultura popular brasileira. Tudo isso é para que as pessoas não tenham uma consciência crítica e não tenham uma identidade própria”, afirmou o dirigente.
Revolta e protestos
Os responsáveis pelos espaços culturais afirmam que não foram informados previamente sobre a demolição e que ainda havia materiais no local. A ação deliberada da prefeitura gerou protestos de artistas tanto nas redes sociais como no próprio local. No domingo (16), artistas e políticos, como o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) e o cantor Chico César, participaram de ato entre os escombros do que foi o Ventoforte.
O Teatro Ventoforte e a escola Angola Cruzeiro do Sul continuam vivos em nossa luta”, dizia um dos cartazes.
Nas redes sociais, o episódio gerou ampla repercussão. Diversos artistas e movimentos culturais publicaram mensagens de apoio.
Nota do MinC
Em nota publicada em sua página oficial, o Ministério da Cultura se manifestou sobre a destruição do espaço. Veja abaixo
“O Ministério da Cultura (MinC) manifesta indignação pela demolição, na quinta-feira (13), do Teatro Ventoforte, espaço icônico e vital para a preservação e difusão das culturas tradicionais e populares em São Paulo. O Teatro Ventoforte não era apenas uma edificação, era um marco da resistência cultural, ponto de encontro de vozes e expressões e, ao longo dos anos, tornou-se espaço de criação, diálogo e celebração da diversidade que, tão bem, caracteriza a capital paulista.
A demolição deste teatro representa não apenas a perda de uma estrutura física. O Ventoforte sempre foi um palco para artistas locais e tradicionais, uma casa onde as histórias de nossos ancestrais e as expressões contemporâneas se encontravam e se entrelaçavam.
Nos solidarizamos com todos os artistas, grupos culturais e cidadãos que, como nós, reconhecem a importância de espaços que valorizam e promovem as culturas populares e tradicionais, e também prestamos apoio ao Mestre Meinha e à escola de capoeira Angola Cruzeiro do Sul.
Que a memória do Teatro Ventoforte nos inspire a lutar por um espaço onde todas as vozes possam ser ouvidas e celebradas”, diz a nota do MinC
Argumentação insipiente
Segundo a Prefeitura, a demolição foi resultado de uma ação administrativa iniciada em julho de 2023. O município alega que os responsáveis haviam sido notificados e que o teatro não apresentou a documentação exigida no prazo, o que levou à desapropriação e reintegração do espaço público. Em nota a prefeitura afirmou que a área foi construída sem autorização da administração e era utilizada de forma irregular para comércio e estacionamento pago e que durante as vistorias realizadas, o local encontrava-se em situação de abandono e deterioração.
De acordo com reportagem da Carta Capital, a defesa do responsável pelo local, Claudeir Gonçalves, contestou as alegações, dizendo que havia uma lanchonete para arrecadar fundos destinados à manutenção do teatro.
Filho de Peixe
Ricardo Nunes segue a cartilha bolsonarista do governador do Estado de São Paulo Tarcísio Freitas que, em 2024, determinou a extinção do programa Oficinas Culturais, responsável por oferecer atividades gratuitas de formação e difusão cultural na capital e em outras localidades do estado.
Outra ação do governador se deu através da Poesis, organização não governamental que atua na gestão cultural em São Paulo, a mesma que cuidava das oficinas culturais quando toda a biblioteca do ensaísta e poeta Haroldo de Campos, doada pela família, foi transferidas da Casa das Rosas , na Avenida Paulista, para um depósito. Eram 21 mil obras que lá estavam e foram colocadas em caixas e levadas para o depósito.
Sobre esse fato, em uma rede social, o irmão de Haroldo, Augusto de Campos, afirmou que o que foi feito “foi um crime contra a cultura”.
Haroldo de Campos faleceu aos 73 anos, em 2023. Ao lado do seu irmão, Augusto de Campos, e de Décio Pignatari fez parte de um dos principais movimentos literários brasileiros: o concretismo, reconhecido no mundo todo e adorado por Otávio Paz e Humberto Eco, entre outros.