Os irmãos de Gaza, Haytham e Bashar, passaram a maior parte de suas vidas adultas na Europa — mas, após serem deportados, retornaram à sua terra natal, onde foram mortos por um míssil israelense. A história deles demonstra a natureza letal das crescentes políticas antirrefugiados da Europa.
Por Zoe Holman, com tradução de Pedro Silva e compartilhado de Jacobim
na foto: Um mural no bairro de Exarchia, em Atenas, homenageia os irmãos palestinos Haytham e Bashar, refugiados deportados da Europa e assassinados pelas forças israelenses em Gaza. (Cortesia de Ioanna Manoussaki-Adamopoulou)
Quando um míssil israelense matou os irmãos Haytham, de 29 anos, e Bashar, de 21, em uma tenda em frente à sua casa em Al-Mawasi, no sul de Gaza — designada como uma “zona segura” na época — em dezembro do ano passado, eles já haviam passado a maior parte de suas vidas adultas na Europa. Entre 2018 e 2023, a dupla passou por mais de cinco países da União Europeia, antes que suas jornadas finalmente os levassem de volta ao ponto de partida, alguns meses antes do início do genocídio em 2023. Eles retornaram a um lugar que já havia passado por quatro guerras ao longo de suas vidas, mas que os administradores e formuladores de políticas europeus consideraram como “seguro” para o retorno.
Os pedidos de asilo de palestinos (não existem dados específicos para os habitantes de Gaza) na UE têm aumentado constantemente nesta década, atingindo o pico de quase 11.600 em 2023. A grande maioria desses pedidos foi feita na Grécia — que também é o principal ponto de chegada — e na Bélgica, com uma fração dos pedidos feitos para outros países europeus. Embora a UE tenha adotado um pacto comum sobre migração com o objetivo de garantir a consistência nos resultados, as decisões de asilo ficam, em última análise, a critério dos Estados-membros. Há, no entanto, um objetivo comum quando se trata da fronteira da UE — a saber, a dissuasão. Embora as experiências dos irmãos Haytham e Bashar sejam extremas, elas não são de forma alguma excepcionais. Em vez disso, a busca fracassada deles por segurança reflete o destino de inúmeros habitantes de Gaza a quem a Europa negou proteção.
Uma negação tortuosa
Bashar tinha dezesseis anos quando viajou de Gaza para a Grécia em 2019, acompanhado apenas por seu primo, de idade semelhante. Como centenas de milhares de requerentes de asilo de vários países, ele cruzou a Grécia de barco, vindo da Turquia, para onde havia voado do Egito — o único ponto de saída para a maioria dos moradores da Faixa de Gaza. Ele planejava viajar para a Suécia e se juntar ao seu irmão Haytham, que havia chegado ao país em 2014, após pegar um barco de Alexandria para a Itália. O próprio Haytham passou dez dias no mar, durante os quais vários de seus companheiros de viagem morreram, antes de chegar a solo europeu e entrar por terra na Suécia. Dadas as regras do Regulamento de Dublin em vigor na Suécia na época, segundo as quais o pedido de proteção de um requerente de asilo deve ser feito no primeiro país europeu de chegada, Bashar evitou o registro oficial na Grécia. Em vez disso, ele morou em uma ocupação comunitária em Exarchia, no centro de Atenas, uma das muitas iniciativas de moradia solidária da época, enquanto solicitava reunificação familiar com base em sua condição de menor de idade. Durante o período de aproximadamente um ano em que passou esperando, ele se envolveu nas diversas lutas políticas e sociais do bairro. Sentia-se em casa em Atenas, mas a Grécia não era um lugar que pudesse oferecer segurança material ou oportunidades a um jovem palestino em busca de asilo.
Quando seu pedido foi finalmente atendido, a embaixada sueca forneceu-lhe os documentos necessários para viajar legalmente. “Ficamos muito felizes quando ele foi aceito — porque ele deixaria a Grécia em segurança, sem passadores, e porque não haveria mais espera lá”, diz seu amigo e conterrâneo de Gaza, Tamer, que estava na Grécia na época e organizou a viagem de Bashar. No entanto, sua chegada à Suécia coincidiu com uma reviravolta hostil contra os cerca de três mil requerentes de asilo palestinos que estavam no país. Grupos de auxílio descreveram o que equivalia a “uma campanha organizada”, instigada por forças políticas de direita, que deixou os requerentes de asilo palestinos arbitrariamente impedidos de obter novas autorizações de residência ou renovar as existentes, e com os benefícios associados a trabalho e moradia negados. Bashar não foi autorizado a morar com seu irmão e, em vez disso, foi enviado para um campo. De refugiados. Pouco depois de seu aniversário de dezoito anos, seu pedido de asilo foi rejeitado. “Por que você aceitaria alguém e o traria em segurança para o país se simplesmente fosse rejeitá-lo depois?”, pergunta Tamer. “Você está apenas brincando com ele.”
O próprio Tamer tentou, sem sucesso, obter refúgio na Noruega, onde cinco familiares tinham asilo, embora seu pedido tenha sido rejeitado. Ele passou quatro anos no limbo da detenção de imigrantes antes de retornar a Gaza sob ameaça de deportação em 2012. Depois de viver na Grécia por três anos — sua terceira incursão em busca de asilo na Europa em um período de dez anos —, ele finalmente obteve proteção na Bélgica por motivos médicos em 2023. “Eu era um ser humano sem documento de identidade durante todo esse tempo na Noruega”, diz ele, explicando que essa incerteza prolongada frequentemente coage os requerentes de asilo a retornarem voluntariamente. “Depois disso, mesmo que outra guerra tivesse começado em Gaza, eu pensaria que seria melhor voltar. É muito difícil viver como uma não-pessoa.”
Na mesma época da rejeição de Bashar, a autorização de residência de cinco anos de Haytham foi cancelada e substituída por uma de um ano. Apesar dos protestos organizados e das greves de fome de requerentes de asilo palestinos no país, as autoridades suecas persistiram na restrição às autorizações. “Você passa anos morando no país, tem sua identidade, vai trabalhar ou estudar, tudo, e aí quando vai renová-la, eles recusam seu processo”, explica o irmão mais velho dos meninos, Nayef, que agora mora na Bélgica, mas passou dois anos na Suécia antes de ser deportado para Gaza em 2020. “Foi assim para todos, totalmente sem motivo.”
Haytham e Bashar logo foram igualmente condenados à deportação — um processo cansativo para os moradores de Gaza, pois depende da aceitação dos deportados pelas autoridades egípcias, em conformidade com a abertura irregular da fronteira em Rafah. Sem passaporte palestino, Bashar ficou ainda mais em um limbo, já que as autoridades egípcias se recusam a aceitar moradores de Gaza sem documentos. Ele foi forçado a permanecer detido até que recebesse um passaporte palestino para que a Suécia pudesse então deportá-lo.
Respondendo a perguntas da Jacobin sobre a política da Suécia em relação aos requerentes de asilo de Gaza naquela época, um representante da Agência Sueca de Migração declarou que ela “fez avaliações variadas em diferentes ocasiões sobre a situação em Gaza” e que suas decisões foram baseadas em uma “avaliação prospectiva” da situação prevalecente na Faixa de Gaza. Observou ainda que a agência adotou uma nova posição legal em 2021 que permitiu que todos os menores de Gaza permanecessem no país por motivos humanitários. As avaliações “prospectivas”, no entanto, não pareciam levar em conta os riscos representados a adultos como Haytham e Bashar pelas guerras regulares travadas em Gaza. Os irmãos foram devolvidos ao Egito e depois a Gaza em maio e julho de 2023, respectivamente. A explosão que os matou lançou corpos a centenas de metros do local. A primeira filha de Haytham nasceu dois dias após sua morte.
O portal dourado
As paredes dos centros de detenção sob o aeroporto do Cairo estão cobertas de inscrições — os nomes e a duração das estadias dos presos, além de conselhos sobre como evitar extorsões e roubos por agentes de segurança egípcios. É uma instalação onde os moradores de Gaza frequentemente acabam detidos em suas tentativas de chegar à Europa, por uma série de razões arbitrárias. Como única rota viável para sair da Faixa de Gaza, o Egito essencialmente vê os moradores de Gaza como galinhas de ovos de ouro, capitalizando sua situação. O preço de uma autorização para sair de Gaza via Rafah, paga a autoridades egípcias, pode variar de US$ 500 a US$ 5.000, dependendo da demanda. “Eles negociam com nossas lágrimas, sangue e sofrimento”, diz Yahiya, que deixou Gaza em 2021 e agora mora na Grécia. Como ele explica, os moradores de Gaza são transportados em um ônibus fechado diretamente para o aeroporto do Cairo, de onde a maioria pode obter um visto para voar para a Turquia. O que deveria ser uma viagem de seis horas por terra levou dois dias. “Eles nos deixaram dormir na areia no meio do deserto — somos civis vindos de Gaza, mas eles realmente nos desumanizam. O Egito é um pesadelo para nós.”
Há relatos de moradores de Gaza detidos por meses no Aeroporto Internacional do Cairo — inclusive sendo considerados mortos no mar por suas famílias — em tentativas de chegar à Europa. O Egito tem sido repetidamente criticado por grupos internacionais de direitos humanos pela detenção e o tratamento arbitrários de requerentes de asilo em trânsito pelo país. No entanto, o país continua sendo um aliado fundamental na campanha da UE contra a “migração irregular” e um local para onde os Estados-membros estão devolvendo requerentes de asilo vindos de Gaza, apesar de estes terem direito à proteção na Europa.
De acordo com a Convenção de Chicago, que rege os procedimentos de deportação, os requerentes de asilo rejeitados devem ser devolvidos pela mesma companhia aérea ao seu ponto de partida ou, alternativamente, a qualquer país que os aceite. Em reconhecimento às circunstâncias inseguras para os requerentes de asilo na Grécia, é comum que os países da UE concedam o estatuto de refugiado àqueles que já receberam proteção no seu ponto de entrada grego. Da mesma forma, outros encontraram-se de volta à Grécia depois de os seus pedidos de asilo num segundo país europeu terem sido rejeitados. No entanto, surgiram recentemente relatos de requerentes de asilo de Gaza com proteção na Grécia que foram deportados para países terceiros, incluindo o Egito, a Jordânia e a Albânia. O Serviço Jesuíta para os Refugiados (JRS) na Bélgica estima que tenha havido dezenas de casos semelhantes de deportação da Bélgica, devolvendo os habitantes de Gaza a condições inseguras e destinos incertos. “Poucos refugiados querem ficar na Grécia porque não há acolhimento real e eles dormem ao relento, então pegam um voo de fora da UE na esperança de obter proteção na Bélgica devido à enorme rede de palestinos aqui”, explica Ruben Bruynooghe, especialista em detenção do JRS Bélgica. “Mas os sistemas de migração no Egito e na Jordânia apresentam um enorme risco de detenção por tempo indeterminado e as salvaguardas sobre tratamento humano são frouxas — eles tentarão acabar com seu ânimo até que você encontre uma solução para sair por conta própria.”
No verão passado, o JRS documentou os casos de vários requerentes de asilo de Gaza que viajaram do Cairo para a Bélgica, mas cujos pedidos foram rejeitados com base na proteção prévia na Grécia. Em vez de serem legalmente devolvidos a Atenas, a Bélgica deportou os homens para o Egito. Um deles passou meses detido no Cairo, enquanto outro permanece indetectável. “Enquanto ele permanecer no Egito, não esperamos receber nenhuma confirmação de ninguém sobre ele”, diz Bruynooghe.
Dissuasão a todo custo
Em março de 2024, quase seis meses após o genocídio em Gaza, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, viajou ao Cairo juntamente com vários líderes governamentais da UE, incluindo os da Grécia e da Bélgica, para elaborar um novo Memorando de Entendimento sobre migração. Foi acordado que o Egito receberia exorbitantes 7,4 bilhões de euros por seus esforços para interromper as partidas para a Europa, com um porta-voz da comissão citando o país como uma “vizinhança difícil na fronteira com a Líbia, o Sudão e a Faixa de Gaza”. Embora seja a maior quantia até o momento, não é a primeira vez que o Egito é recompensado e elogiado por seu papel no policiamento da migração através do Mediterrâneo, e o acordo reflete uma política de longa data da UE de cooperação com países terceiros para impedir que requerentes de asilo cheguem ao continente.
A estratégia europeia também inclui uma série de mecanismos formais e informais de dissuasão em vigor nos Estados-membros. O principal deles é a tática generalizada de usar deportações sumárias nas fronteiras terrestres e marítimas — uma prática ilegal e, por vezes, fatal, mas sistemática, que reduziu drasticamente o número de chegadas à Grécia vindas da Turquia nesta década. No caso das fronteiras marítimas, isso normalmente envolve requerentes de asilo sendo interceptados por guardas de fronteira mascarados pouco antes ou depois do desembarque e jogados à deriva em embarcações sem motor em águas turcas, frequentemente espancados e despojados de seus pertences. Quando Yayiha chegou à ilha grega de Samos em 2021, foi somente com a proteção de uma ONG local, que o localizou na floresta logo após o desembarque, que ele e alguns outros membros de seu grupo escaparam desse destino, enquanto outros quinze foram capturados, colocados em um barco e rebocados de volta para o mar. Mas quando seu grupo foi levado para a unidade de quarentena fechada no campo de refugiados na mesma noite, as autoridades adotaram outros meios de dissuasão.
“Dormimos imediatamente porque estávamos muito cansados”, explica ele, “mas então, no meio da noite, cinco policiais entraram e começaram a gritar e a bater nas pessoas — quero dizer, a bater de verdade na gente”. Foi somente graças ao seu bom inglês que Yahiya conseguiu entender que eles estavam sendo agredidos para formarem uma fila e serem contados às 22h todas as noites. Yahiya passou o que ele descreve como três meses e meio muito difíceis no campo antes de receber asilo. Embora os requerentes de asilo de Gaza na Grécia sejam geralmente processados mais rapidamente do que os de outras nacionalidades e normalmente tenham seus pedidos aceitos, não há garantia de segurança futura no país, que é rotineiramente criticado pelas condições enfrentadas pelos requerentes de asilo lá.
O genocídio na Faixa de Gaza deu aos palestinos, e aos habitantes de Gaza em particular, novos motivos para solicitar asilo na Europa, já que os Estados-membros não podem mais rejeitar pedidos sob o pretexto de que “Gaza é segura”. Esses acontecimentos servem como um reconhecimento tardio, mas tácito, das circunstâncias mortais — muito anteriores a 7 de outubro de 2023 — criadas por uma campanha israelense que a UE, no entanto, continua a apoiar tanto política quanto militarmente. A hipocrisia dessa posição não passa despercebida aos palestinos. “Quando você não tem outra chance de viver como ser humano, então precisa lutar e tomar direitos das pessoas que pressionam pela ocupação em seu país”, diz Nayef. No entanto, requerentes de asilo de Gaza como ele também estão mais do que cientes de que uma jornada perigosa para um continente que busca rejeitá-los é sua única tábua de salvação previsível. “Eles falam sobre direitos humanos, mas tornam isso impossível para nós”, diz ele. “Quando deixamos Gaza, não estamos partindo por razões econômicas ou apenas para tentar encontrar uma vida melhor. Estamos partindo para sobreviver.”
Sobre os autores
Zoe Holman é uma jornalista freelancer baseada em Atenas e autora de “Where the Water Ends: Seeking Refuge in Fortress Europe”.