Por Gisele Federicce, 247, publicado em Brasil 247 –
Preso e agredido pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul, o deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) relatou que os policiais “chegaram batendo” no local da ocupação onde fariam a reintegração de posse de dezenas de famílias, em Porto Alegre, na noite passada; “Eu fui o primeiro que eles abordaram, e começaram a bater, jogar gás, dar muito tiro. Eu fui arrastado no meio da tropa, fui algemado, me estrangularam, me colocaram dentro da gaiola (da viatura)”, relatou, lembrando que outras lideranças do movimento também foram presas; o parlamentar afirma que o prédio da ocupação é do Estado e sequer tem destinação; “O Estado não disse para quê vai usar o prédio e não fez uma mediação para o destino das famílias. O governador, que é o mesmo autor da ação, comandou também essa atrocidade por parte da Brigada Militar”, criticou, em referência a Ivo Sartori (PMDB)
A Brigada Militar do Rio Grande do Sul, do governo de Ivo Sartori (PMDB), montou uma operação de guerra para despejar famílias que ocupavam um prédio no centro de Porto Alegre na noite desta quarta-feira 14. No episódio, um deputado que tentava conciliar a ação foi agredido e preso, mesmo depois de ter informado que era parlamentar.
“Eu não só fui agredido, como fui arrastado no meio da tropa, fui algemado para trás, me estrangularam, levei tiros de borracha nas pernas, me colocaram na gaiola (da viatura), andaram comigo pelas ruas”, descreveu o deputado estadual Jeferson Fernandes, do PT.
Como presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, ele presidida uma audiência pública com as famílias, primeiro na Casa legislativa, depois na frente do prédio da ocupação, e pedia a presença de um oficial de Justiça, quando a Brigada Militar chegou com dezenas de homens do Choque, como disse ele, pronta para o “ataque”.
A ordem de reintegração de posse foi determinada pela juíza Aline Santos Guaranha, da 7ª. Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, há cerca de um ano e sete meses. No despacho, a magistrada recomendou o “o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente, se necessário, evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade”.
A Brigada Militar cumpriu o despejo no período da noite, na véspera do feriado de Corpus Christi. A ação da Brigada começou quando o grupo que participava da Comissão na Assembleia chegou até o local da ocupação, chamada de Lanceiros Negros, para dar sequência à audiência. Além do deputado, ao menos outras sete pessoas foral levadas presas.
O PT do Rio Grande do Sul exigiu, em nota, “a imediata exoneração” do Secretário de Segurança, Cezar Schirmer, e do comandante da Brigada. O PT nacional, em nota assinada pela presidente Gleisi Hoffmann (PT-PR), denunciou o abuso e a violência policial do governo Sartori. O presidente da Assembleia, deputado Edegar Pretto (PT), disse que a casa foi “violentamente afrontada com a prisão do deputado”.
Confira o relato feito pelo parlamentar ao 247 nesta quinta-feira 15:
A Brigada Militar chegou com alguma justificativa para o uso da força na ocupação?
Chegaram já com absoluta violência, ninguém falou nada. Já tinha uma formação de ataque contra os ocupantes. Eu estava presidindo a audiência pública, que começou dentro do parlamento e se estendeu para a rua, porque havia a iminência do despejo. Eu fui o primeiro que eles abordaram, e começaram a bater, jogar gás, dar muito tiro.
O senhor foi agredido? De que forma?
Eu não só fui agredido, eu fui arrastado no meio da tropa, fui algemado, me estrangularam, levei tiros de borracha nas pernas, me colocaram dentro da gaiola (da viatura), com duas mulheres dentro naquele espaço de trás, andaram comigo pelas ruas. A viatura ficou uns 20 minutos em frente ao Palácio Piratini, sede do governo do Estado. Depois disso, pela repercussão que o caso ganhou, eles simplesmente deslocaram a viatura para uns 100 metros dali e me soltaram, na rua, e mantiveram as outras pessoas presas, que para eles tinham menos importância. E eu fui solto a partir de então.
Mas o que eu acho importante dizer é que o despacho da juíza [que autorizou o despejo] dizia que tinha que ter conselho tutelar no local, porque era uma ocupação com muitas crianças. A maioria era mulheres. Não autorizava pessoalmente a ocupação ser à noite, muito menos o uso da força. Dizia lá se necessário o uso da força, mas eles chegaram batendo. Isso é irrefutável, porque tudo foi transmitido ao vivo. O que eu pedia era que viesse oficial de Justiça para ler o mandado e que aparecesse o comandante da tropa. Depois de muito apelo, apareceu um oficial de Justiça.
Não havia oficial de Justiça então até o momento?
Ele devia estar atrás, em meio aos policiais militares. Porque me deram um megafone, e com muito apelo, depois de levar muito gás, paulada enfim, ele apareceu dizendo para eu sair da frente. E aí eu cobrei, quis saber qual era o procedimento da desocupação, que estava ocorrendo à noite, que tinha crianças. E o cara disse ‘não vai sair, pode prender’.
Daí foi nesse momento que eles me derrubaram, outras lideranças também foram arrastadas para o meio da tropa, e aí aquilo tudo que eu já te falei, algemado para trás, mão, braço torcido, cassetete na cabeça, muito xingamento. Um troço absurdo porque eu atuava como parlamentar, como presidente da Comissão dos Direitos Humanos, em plena audiência pública sobre o assunto.
Ao longo de todo esse episódio, estava claro para eles que o senhor era parlamentar?
Todo mundo gritava que eu era parlamentar. Depois de muito anúncio que eu estava ali, apareceram dois oficiais de Justiça, que simplesmente disseram para sair da frente.
Qual a situação das famílias neste momento?
Eles tiraram todas as famílias, muitos colegas levaram as famílias para alguns locais onde pudessem dormir. Eu estou preocupado, porque são dezenas de famílias. Muitas são vítimas do tráfico, moravam na rua, outras foram vítimas agora das enchentes no Estado, sem contar indígenas que moravam nas calçadas, e tinham uma vida decente [na ocupação].
Aquele prédio é do Estado e não tinha uma destinação e continua não tendo. O Estado não disse para quê vai usar o prédio e não fez uma mediação para o destino das famílias. O governador, que é o mesmo autor da ação, comandou também essa atrocidade por parte da Brigada Militar.
Como foi o exame de corpo de delito?
O médico registrou lesões na minha cabeça por conta do cassetete, hematomas nas pernas por causa dos tiros de bala de borracha, pulsos marcados pelas algemas e muita ardência no rosto, devido ao spray de pimenta.
O senhor chegou a ter alguma conversa com alguém do governo desde então?
O presidente da Assembleia, Edegar Pretto, tentou várias vezes falar com o governador, mas não conseguiu. Eu nem tinha condições psicológicas para fazer qualquer contato. Eu estou cobrando, via imprensa, um posicionamento do presidente do Tribunal de Justiça e do governador se é essa a orientação que eles dão de ação da Brigada Militar por ocasião de despejo. Houve uma ruptura institucional conosco do parlamento e é necessária um posicionamento dos chefes desses outros poderes.
Há definição de alguma medida a ser tomada por parte da Assembleia?
Eu estou em casa nesse momento, tentando me recompor, das lesões e do abalo, mas eu vou assim que possível conversar com o presidente, Edegar Pretto, e os demais companheiros da Comissão de Direitos Humanos para ver, além dessas de exigir posicionamentos dos outros poderes, quais outras medidas podemos adotar.