Por Claudio Lovato, jornalista e escritor –
Eram dois sujeitos: um, mais jovem, magro, de cabeça raspada quase a zero; o outro, alto e grisalho. Bebiam cerveja no boteco.
“É triste ver pessoas se transformarem, aos 50 anos, naquilo que elas mais combatiam quando tinham 20”, disse o mais jovem.
“Mais triste é ver pessoas, aos 50, tentando continuar a ser aquilo que eram quando tinham 20”, rebateu o grisalho.
“Do envelhecimento do corpo, ninguém escapa. Mas o espírito… O espírito é jovem enquanto existe inconformismo”.
“Inconformismo…”
“Com a desigualdade, com a brutalidade.”
“Sei”.
“Com a perseguição, com a discriminação, com a opressão. Com o cinismo”.
O mais velho expirou um “Cai na real” enquanto fazia sinal para o funcionário do botequim trazer outra cerveja.
“A verdadeira velhice é reacionária”, disse o mais novo.
“’Verdadeira velhice’?”, perguntou o grisalho em claro tom de deboche, e depois caiu na risada.
“A velhice no sentido de cansaço, de rendição, de relativização de tudo”.
“O que você está chamando de cansaço, rendição e relativização é maturidade. Discernimento. Capacidade de compreender as coisas de forma mais ampla”.
O mais jovem esvaziou a cerveja que havia no copo.
“’Compreender as coisas de forma mais ampla’ inclui pedir intervenção militar, defender pena de morte, aplaudir linchamento, ser contra iniciativas de combate à pobreza?”
“Há exageros, claro. De qualquer forma, cada um pensa do seu jeito e pede o que quiser”.
“Mas e quando os reacionários são os que, de fato, têm 20 anos?”
“Ah, você está falando do episódio do…”
“Aí sequer existe o consolo de podermos colocar a culpa no envelhecimento. Estamos falando, nesse caso, de uma parcela da juventude atrofiada em sua essência, desprovida de sua prerrogativa mais sagrada, esperada, necessária”.
“Você está inflamado hoje. Eloquente demais. Vou pedir a conta. Rachamos?”
“Rachamos”.
O grisalho levou a mão ao bolso de trás da calça, mas a mão voltou vazia.
“Porra, esqueci a carteira em casa!”, disse, com expressão de verdadeira surpresa.
“Não tem problema”.
“Depois eu te pago”.
“Não tem problema. Já estou acostumado”.