Livro revela dinâmica que faz pessoas desaparecerem repetindo as piores práticas da ditadura
Por Edu Carvalho, compartilhado de Projeto Colabora
Se você acompanha a coluna há dois anos, sabe que o tema dos desaparecimentos é uma constante na atenção e abordagem neste local. Pudera: é alarmante o que acontece diante dos nossos olhos (me incluo como cidadão, além de jornalista), passando muitas vezes como invisível. Mas que não deveria, já que tratamos de um fenômeno que, dia sim, dia também, vitima pessoas que poderiam ser nós mesmos.
Desta vez, o tema ganha visibilidade com o lançamento do livro “Desaparecimento Forçado: Vidas Interrompidas na Baixada Fluminense”, que surge como relatório final do projeto de extensão e pesquisa da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), através do grupo de pesquisa Observatório Fluminense, unido ao movimento Fórum Grita Baixada. A publicação traz o mapeamento das diferentes dinâmicas de se fazer desaparecer pessoas na Baixada Fluminense, cuja autoria tem ligação a grupos armados que podem ser agentes de segurança do Estado, milicianos ou traficantes de drogas.
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Para o trabalho, desta vez, a equipe buscou realizar o levantamento bibliográfico sobre o tema através da catalogação de trabalhos e estudos acadêmicos concentrados nas mais diferentes vertentes de Humanas: sociologia, antropologia, direito, direito internacional e áreas correlatas. Na sequência, analisou artigos, teses, trabalhos acadêmicos e etnografias urbanas sobre o tema dos desaparecimentos forçados, possibilitando um entendimento sobre o assunto em pauta, as tramas envolvidas e a dificuldade de conceituação do que acontece.
“No Brasil, em 2020, foram 62.857 casos de desaparecimentos, 172 por dia, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021. Em termos absolutos, os estados com o maior número de pessoas desaparecidas em 2018 foram: São Paulo (18.342), Minas Gerais (6.835), Rio Grande do Sul (6.202), Paraná (5.377), Santa Catarina (3.285) e Rio de Janeiro (3.216). Em 2019, no Estado do Rio de Janeiro, foram 4.619 desaparecidos, aproximadamente 385 pessoas por mês. Por dia, foram notificados em média 13 casos, a maioria na capital e na Baixada Fluminense (particularmente em Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Belford Roxo e São João de Meriti)”.
Na obra, é possível aferir que os desaparecimento já foram, são e, infelizmente serão, usados em todo o mundo como estratégia de repressão e de terror exercido pelas mãos do Estado, seja contra opositores políticos, criminosos ou mesmo contra pessoas que se opõem a um grupo no poder. “Trata-se de uma prática sancionada no direito internacional como crime contra a humanidade e é considerada uma das mais graves violações aos direitos humanos, utilizada amplamente no Brasil pelo regime militar como mecanismo auxiliar de tortura e execuções sumárias de inimigos político-ideológicos”, como frisa um dos artigos.
Mais do que isso: é possível enxergar a presença quase total das ações como prática ilícita feita durante abordagens policiais, não apenas restrita a grupos de civis armados – que poderia ser esperado – com total autorização, não no papel, mas avalizada de outras formas, por agentes públicos.
Como exemplo próximo a mim, pela coincidência de território, está o caso do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza, morador da favela da Rocinha (RJ), cuja ossada até hoje, data desta publicação, está desaparecida. Amarildo sumiu após ter sido levado porpoliciais a uma
unidade da polícia pacificadora (UPP) em 14 de julho de 2013 (caso que culminou na condenação de 12 policiais militares), tornando-se um dos mais emblemáticos exemplos desse tipo de violência envolvendo agentes públicos e a estrutura do estado. Seu episódio marcou tanto que em 2023 ganhou documentário no Globoplay.
O livro também apresenta os tratados internacionais e sua repercussão, além de uma análise criteriosa dos dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) sobre desaparecidos e sua ligação com os desaparecimentos forçados. Há um comparativo entre números de todos os municípios que compõem a Baixada Fluminense e a cidade do Rio de Janeiro, descrevendo também como isso chega a porta de quem começa as investigações, o Disque Denúncia.
Com caráter de importância, o trabalho e movimentação de mães e familiares de vítimas da violência de Estado também ganha um canhão de luz, com o cotidiano dessas pessoas e como lidam com o acontecido.
“Desaparecimento Forçado: Vidas Interrompidas na Baixada Fluminense” fala do Rio, em específico, mas também sobre um Brasil que, há 60 anos, não se consegue se desvencilhar das piores práticas criadas pela ditadura, tão atual. E que nos impede de dizer que o regime acabou.