Desastres fazem número de refugiados ambientais alcançar 7 milhões

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Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora – 

Relatório aponta que, com mais temporais, enchentes e incêndios, parte dos 30 milhões de desalojados em 2020 não conseguiu voltar para suas casas

Tempestades, inundações, incêndios florestais e secas tiraram mais de 30 milhões de pessoas de suas casas em 2020 – centenas de milhares não conseguiram voltar, engrossando as hordas de refugiados ambientais que chegaram a 7 milhões no final de 2020, um número que segue crescendo com o recrudescimento de desastres. “Dados mostram que os desastres relacionados ao clima estão se tornando mais frequentes e intensos, apontando para um novo normal preocupante”, afirma o relatório do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC).




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O relatório indica que os desalojados por desastres, em sua maioria, foram moradores do Leste Asiático, do Sul da Ásia e do Pacífico, áreas muito populosas atingidas, em 2020, por ciclones tropicais, chuvas intensas e inundações. Mas as Américas tiveram recorde de desalojados por desastres relacionados ao clima: foram 4,5 milhões de pessoas tiradas de suas casas. “Incêndios florestais devastadores provocaram deslocamento em massa nos Estados Unidos. Deslocamentos sem precedentes também ocorreram na Guatemala, Honduras e Nicarágua, que foram gravemente afetados pela temporada de furacões no Atlântico mais ativa já registrada”, destaca o documento de 85 páginas, apontando que 98% dos desastres são relacionadas a questões climáticas (os 2% relacionam-se a eventos geológicos como terremotos e erupções vulcânicos)

O Brasil também foi destaque na parte do relatório sobre as Américas: de acordo com o IDMC, organização com sede em Genebra, focada no acompanhamento de deslocamentos internos (dentro dos países), mais de 75% dos 358 mil pessoas desalojadas no país foram vítimas das fortes chuvas de janeiro a março de 2020. Os pesquisadores lembram que a tempestade subtropical Kurumí, incomum no Brasil, se formou no Oceano Atlântico e trouxe chuvas torrenciais ao Sudeste, onde mais 120 municípios declararam estado de emergência à medida que as enchentes provocaram evacuações e destruíram casas. São Paulo, maior cidade do país, registrou recorde de precipitação. O estado de Minas Gerais foi o mais afetado: só a capital, Belo Horizonte, registrou 171 mm de chuva em 24 horas, o maior número em mais de um século. Bairros inteiros foram submersos e deslizamentos de terra soterraram dezenas de casas.

São Paulo submersa após as chuvas do dia 10 de fevereiro: para climatologista, permanência de ar quente na Antártida exporta massas de ar frio antártico para outras latitudes (Foto: Fabio Vieira/FotoRua/NurPhoto/AFP - 10/02/2020)
São Paulo submersa após as chuvas do dia 10 de fevereiro: desastres relacionados ao clima provocaram enchentes e incêndios no Brasil (Foto: Fabio Vieira/FotoRua/NurPhoto/AFP – 10/02/2020)

Elaborado om a participação de mais de 50 pesquisadores e especialistas, o documento também destaca, no capítulo das Américas, o aumento dos incêndios florestais nos Estados Unidos, no Canadá, no México, na Argentina e, naturalmente, no Brasil. “A frequência e a intensidade dos incêndios florestais na região amazônica também parecem estar aumentando. O Brasil registrou 223 mil incêndios florestais em 2020, o maior número em uma década. Os números de deslocamento são difíceis de calcular, mas há evidências de que comunidades indígenas em vários países foram afetadas”, aponta o relatório do IDMC.

Desalojados: um drama permanente

O IDMC aponta que o deslocamento de pessoas provocado por desastres relacionados ao clima “é uma realidade global e uma ocorrência diária”: foram registrados uma média de 24,5 milhões de novos desalojados por ano desde 2008. Isso é o equivalente a 67 mil deslocamentos por dia.

O relatório lista “mitos persistentes” para esse drama. O deslocamento causado por desastre natural é de curto prazo; evidências crescentes mostram que o deslocamento pode se tornar prolongado, com impactos sociais e econômicos significativos. As pesquisas também desmentem a tese de que todos os desalojados por são afetados de maneira semelhante; na realidade, grupos diferentes experimentam impactos diferentes. Outro mito é que, apenas as pessoas forçadas a deixar suas casas sofrem os impactos negativos do deslocamento, os dados do IDMC indicam que aqueles que permanecem no local podem ser igualmente afetados.

Pessoas que perderam suas casas abrigadas sob uma ponte dias após a passagem do furacão Iota em San Pedro Sula: tempestades afetaram mais de 7 milhões na América Central (Foto: Orlando Sierra/AFP)
Pessoas que perderam suas casas abrigadas sob uma ponte dias após a passagem do furacão Iota em San Pedro Sula: América Central registrou milhares de refugiados ambientais (Foto: Orlando Sierra/AFP – 09/12/2020)

O relatório enfatiza que o deslocamento de pessoas por desastres pode ser prolongado com impactos significativos. “O equívoco mais comum é considerar o deslocamento por desastre natural um fenômeno de curto prazo e que, após evacuações que salvam vidas, as pessoas desalojadas geralmente voltam rapidamente para reconstruir suas casas e meios de subsistência. O fato de poucos dados serem coletados após a fase de emergência de um desastre ajuda a alimentar esse mal-entendido. Os evacuados não são rastreados para monitorar se ou quando eles podem retornar. Na pior das hipóteses, isso significa que as políticas nacionais e os mecanismos de resposta podem não reconhecer os deslocados por desastre e, na melhor das hipóteses, subestimam sua escala”, aponta o relatório.

Esses desastres relacionados a eventos extremos e suas consequências permanentes geram cada vez mais refugiados climáticos dentro de seus próprios países. A projeção do IDMC é que cada vez mais pessoas deixem suas casas devido a eventos climáticos extremos e repentinos, como enchentes e tempestades, e também a fenômenos que ocorrem lenta e repetidamente, como quebras de safra e secas prolongadas.

O relatório também alerta para outro mito: nos países ricos, os políticos temem que mais migrações de regiões mais pobres possam sobrecarregar os serviços públicos à medida que o planeta esquenta.  Para a antropóloga e economista Bina Desai, chefe de programas do IDMC, a ideia de que as mudanças climáticas irão desencadear a migração em massa para os países ricos é uma “distração” já que a maior parte do deslocamento é interno. “É uma obrigação moral investir realmente no apoio às pessoas onde elas estão – ao invés de apenas pensar no risco de elas chegarem às fronteiras”, aponta em artigo.

Desastres e mudanças climáticas

O relatório do IDMC aponta ainda que, apesar de décadas de evidências em contrário, ainda é uma percepção comum que os desastres são naturais – fenômenos para os quais as pessoas podem se prepara mas não evitar. “Como resultado, as abordagens geralmente se concentram em medidas de mitigação estruturais e respostas às ameaças provocadas por eventos climáticos extremos”.

Os pesquisadores lembram ainda que 19 dos anos mais quentes da história ocorreram nas últimas duas décadas, mas destacam que “isso coincidiu com um aumento nos danos e perdas causados por eventos climáticos, mas não necessariamente com um maior número de deslocamentos”.  O relatório explica que ainda não é possível estabelecer uma correlação direta entre mudança climática e deslocamento, até porque os dados de deslocamento por desastres estão disponíveis apenas há pouco mais de uma década.

Para os especialistas reunidos pelo IDMC, a mudança climática pode ser entendida como um gatilho de deslocamento por si só, quando a terra costeira é perdida devido ao aumento do nível do mar e à erosão costeira; um agravante visível, quando os meios de subsistência são corroídos pela degradação do solo e perda de serviços ecossistêmicos; ou um agravante oculto que aumenta a intensidade das tempestades e altera os padrões de precipitação, resultando em inundações. “É necessário um entendimento mais profundo e compartilhado da natureza e dos riscos que as pessoas enfrentam e também de como as mudanças climáticas moldam os padrões de deslocamento”, destacam.

Enchente após temporais no Sudão do Sul: número de desastres climáticos cresce no mundo inteiro (Foto: Christian Jepsen/NRC/IMDC)
Enchente após temporais no Sudão do Sul: número de desastres climáticos cresce no mundo inteiro (Foto: Christian Jepsen/NRC/IMDC)

Na conclusão do relatório, os pesquisadores lembram que desastres relacionados ao clima marcaram 2020: temporadas de ciclones excepcionalmente ativas nas Américas e na Ásia, temporadas de chuva mais longas que levaram a inundações generalizadas no Oriente Médio e Norte da África e incêndios florestais sem precedentes nos EUA, na América do Sul e na Austrália. “A pandemia Covid-19 acrescentou outra camada de complexidade a essas crises, com impactos devastadores nas vidas e meios de subsistência dos deslocados”, acrescentam.

Para o IDMC, são necessários dados mais confiáveis para estabelecer ações e investimentos para enfrentar o deslocamento com a crescente crise climática. Os pesquisadores também apontam para a necessidade de estudos mais aprofundados sobre o deslocamento associado a eventos de início lento – seca, erosão costeira, aumento do nível do mar, salinização, recuo glacial e derretimento do permafrost – e para entender como esses fenômenos interagem com eventos extremos súbitos.

O crescente registro de desastres relacionados ao clima bem como o aumento do número de refugiados climáticos, pessoas deslocadas definitivamente de suas casas são motivos de alarme, mas devem ser enfrentadas com informações sobre “a escala, os padrões e os impactos da mobilidade humana” afetada por esses fenômenos. “Entramos na era do Antropoceno, um período de desequilíbrios planetários e sociais incomparáveis que interagem para dar origem a novos riscos, incluindo o risco de deslocamento. Os padrões de mobilidade serão moldados por esses desequilíbrios de maneiras complexas e, às vezes, imprevisíveis”, conclui o relatório do IDMC.

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