Desastres naturais serão cada vez mais frequentes na Região Serrana

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Especialistas dizem que governos precisam se adaptar à nova realidade e investir em educação, prevenção e reflorestamento

Por Agostinho Vieira, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: Vista aérea de um deslizamento de terra causado pelas chuvas torrenciais que atingiram Petrópolis em Fevereiro de 2022. Foto Carl de Souza/AFP

O Japão é um dos países do mundo mais sujeitos a eventos extremos. A nação asiática figura na 17ª posição do índice mundial de risco de desastres naturais, que classifica 171 países em função da possibilidade de serem alvo de secas, inundações, ciclones, tsunamis, terremotos e aumento do nível do mar. No entanto, um terremoto no Japão de nível 7 ou 7,5 na Escala Richter, como já aconteceu algumas vezes nos últimos 50 anos, tem resultado em números relativamente baixos de mortes. Bem diferente da Turquia e da Síria, que acabam de sofrer as consequências de um terremoto grave e contabilizam mais de 40 mil pessoas mortas. O que separa o Japão da Turquia e da Síria é exatamente o nível de educação e de consciência sobre a região onde vivem. Desde o ensino básico, as crianças japonesas aprendem o que fazer em caso de terremoto ou tsunami, as construções são preparadas para os desastres, os alarmes funcionam e as famílias sabem onde se abrigar.

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Esse “modo japonês” de enfrentar a realidade é exatamente o que os cientistas Carlos Nobre e Marcelo Seluchi defendem que seja adotado pelas cidades da Região Serrana do Rio. Os dois participaram, no último dia 15 de fevereiro, de um evento promovido pela Faculdade de Medicina de Petrópolis (UNIFASE) para lembrar e discutir a tragédia que se abateu sobre a cidade em fevereiro de 2022. Na ocasião, uma enxurrada deixou 235 mortos, centenas de desabrigados e causou enormes prejuízos materiais. Nobre e Seluchi garantem que, infelizmente, eventos extremos como este não só vão continuar acontecendo como serão cada vez mais intensos e frequentes na região:

“Mesmo que o Acordo de Paris seja cumprido, e o aquecimento global venha a ser limitado a 1,5° Celsius – que é o maior desafio da humanidade -, os eventos climáticos extremos continuarão acontecendo. Eles serão, pelo menos, 30% mais intensos e mais frequentes do que são hoje. Portanto, só nos resta agir nas áreas de educação, prevenção e reflorestamento. Há muito trabalho a ser feito”, explicou Carlos Nobre, professor da USP e um dos maiores especialistas brasileiros em climatologia.

Bombeiros trabalham na procura de sobreviventes da enxurrada que atingiu Petrópolis em 2022. Foto Carl de Souza/AFP
Bombeiros trabalham na procura de sobreviventes da enxurrada que atingiu Petrópolis em 2022. Foto Carl de Souza/AFP

Marcelo Seluchi, que é doutor em ciências meteorológicas e Coordenador-Geral do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), segue na mesma linha. Para ele, cidades como Petrópolis precisam ter protocolos rígidos para as construções, para o tratamento do lixo, para a ocupação das encostas e até para orientar os moradores sobre o momento certo de sair de casa ou abandonar o carro em meio a uma chuva forte. Na tragédia de 2022, ônibus e carros foram arrastados para dentro do rio Quitandinha, provocando a maior parte das mortes.

De acordo com o professor Carlos Nobre, existem três caminhos para enfrentar os eventos climáticos extremos. O primeiro é cuidar do vetor climático em si, que vem sendo agravado pela crise climática dos últimos 50 anos. A temperatura média já subiu 1,2º Celsius e 90% desse aumento aconteceu de 1960 para cá. Com isso, a frequência de eventos extremos foi multiplicada por dois em relação aos registros dos últimos cem anos.

O segundo fator é o da vulnerabilidade, a capacidade que a população tem de reagir ao desastre ou ao risco do desastre. Daí o exemplo do Japão, dos Estados Unidos e de outros países que vêm se preparando há mais tempo. Nobre explica que, até hoje, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, ainda não é possível prever um terremoto, em nenhuma parte do mundo. Ele contou que nos últimos anos os chineses têm investido, com sucesso, no monitoramento do comportamento dos animais que ainda são os primeiros a perceberem que algo de errado está acontecendo: “Eles acompanham as manadas de animais, alguns até domesticados, como bois e cavalos. Quando eles percebem que os bichos vão deixar uma região específica é sinal de que haverá um terremoto”.

Carlos Nobre contou que pesquisas recentes realizadas na USP mostraram que, no Brasil, as mulheres morrem menos por conta de desastres naturais do que os homens. Diferentemente do que acontece no resto do mundo, onde as mulheres são as maiores vítimas. Ainda não existe uma explicação conclusiva para o fato, mas a principal hipótese estaria relacionada com o nível de educação. Por isso, Nobre defende que os desastres naturais e as formas de se proteger deles sejam matéria obrigatória no ensino fundamental das escolas.

Por fim, entre os vetores ou caminhos para enfrentar os desastres naturais, está a redução da exposição ao risco. Esse tema é muito importante, mas sempre muito difícil de ser enfrentado, pois ele envolve regras mais rígidas para construções, políticas de remoção e reflorestamento em áreas que nem sempre são públicas. Na Região Serrana, é comum encontrar construções em encostas, com 35° ou até 45° de inclinação, o que, segundo Carlos Nobre, é um convite ao desastre. E nem sempre são regiões de favela ou áreas marginalizadas. Outro problema são os desmatamentos em topo de morro, um hábito muito antigo, herdado dos colonizadores portugueses. Normalmente essas áreas são usadas como pasto para o gado ou como região de fronteira entre duas propriedades. Não tem uma lógica muito clara, mas contribuem muito para as enchentes. Em resumo, não há mais dúvida de que o homem é o principal responsável pela crise climática. Foi ele também que desmatou, ocupou as encostas dos morros e asfaltou todos os caminhos. Agora a natureza está cobrando a conta. Já passou da hora de limpar toda essa sujeira.

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