Ex-ajudante de ordens cometeu uma série de lambanças nos registros fraudados a partir desta cidade e os ‘deletou’, mas sistema do Ministério da Saúde não apaga os dados
Por Raphael Sanz, compartilhado de Revista Fórum
Até a manhã deste sábado (20), o esquema de fraudes em cartões de vacinação de Jair Bolsonaro (PL) e entorno contava com duas cidades – Duque de Caxias (RJ) e Cabeceiras (GO) – para a obtenção dos certificados fraudulentos. Agora, foram encontrados novos registros falsos feitos em Campos dos Goytacazes (RJ).
A descoberta foi feita pelo portal Uol, que teve acesso a dados e material digital do ConecteSUS. Os registros falsos de vacinação encontrados em Campos dos Goytacazes dizem respeito às filhas do tenente-coronel Mauro Cid e não estão citados na investigação.
O prefeito da cidade é Wladimir Garotinho, filho do casal Anthony e Rosinha Garotinho. O secretário de saúde de Campos, Paulo Hirano, declarou à imprensa que soube do caso no ano passado e baixou uma ordem de que os os dados não fossem registrados. Além disso, também afirmou que a prefeitura não abriu apurações internas e não foi procurada pela Polícia Federal.
Os registros feitos em Campos dos Goytacazes foram descobertos através de dados de vacinação do Ministério da Saúde. Consta que em 14 de dezembro de 2022 foram registradas 7 doses de vacina nas 3 filhas de Mauro Cid. No entanto, as vacinas teriam sido aplicadas em 4 datas muito anteriores ao próprio registro: 6 de agosto e 6 de dezembro de 2021, além de 12 de setembro e 6 de dezembro de 2022.
Acontece que Cid cometeu um erro no ato de registrar os dados fraudulentos. A segunda das 3 filhas teria recebido duas vezes a primeira dose da vacina: uma em 6 de dezembro de 2021 e outra exatamente um ano depois. Enquanto isso, a filha mais velha teria recebido a segunda e a terceira doses, sem que tivesse a primeira registrada. A lambança foi tamanha que logo no dia seguinte ao registro, em 15 de dezembro 2022, os dados das 7 doses foram deletados.
Apesar de ‘deletados’, os dados de vacinação do Ministério da Saúde não são realmente apagados. Eles não somem do banco de dados, conforme se imagina. Pelo contrário, ocorre uma espécie de rotulação digital que aponta que aquela informação ‘deletada’ deve ser desconsiderada.
Dois dias depois, em 17 de dezembro, as vacinas das filhas de Cid foram registradas em Duque de Caxias – sem que fossem apagadasposteriormente. Nem uma semana depois, em 21 de dezembro, duas das meninas embarcaram aos EUA. Na mesma data foram registradas as vacinas de Bolsonaro e da filha Laura, que embarcaram para os EUA em 30 de dezembro na companhia da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Duas frentes
Em diálogo interceptado pela PF, Mauro Cid e o ex-major Aílton Barros – aquele que disse saber quem mandou matar Marielle Franco – conversavam sobre o esquema.
“Estou com duas frentes aqui no Rio, acabei de abrir uma terceira agora, porque realmente o negócio é pica e ninguém pode ficar exposto, não é, particularmente, quem você sabe, né? Não pode ficar. Mas está caminhando bem. Eu acredito que pelo menos uma delas deverá dar bingo aqui no Rio”, afirmou Barros.
Ambos foram presos no último dia 3 de maio no âmbito da Operação Venire, que investiga as fraudes. De acordo com a investigação, o primeiro registro falso da família de Cid foi feito em parceria com Barros e se referia a imunização de Gabriela Cid, esposa do ex-ajudante de ordens. O registro foi fraudado em novembro de 2021, em Duque de Caxias, e ela viajou no mês seguinte aos EUA.
“Quem me der o retorno positivo, aí sim, eu passo os dados, por enquanto, dessas 3 linhas de ação, ninguém tem dado de nada. Eles só estão na guerra mesmo para me dar a solução. Quem me der a solução, eu passo os dados. Sem isso, não tem dados. Está tudo comigo”, garantiu Barros a Cid na mesma conversa.