Há 5 anos que o procurava. Em registro público, em agosto de 2012 publiquei um texto sobre a minha busca pelo documentário “Brazil: The Troubled Land”. Esse é um filme que narra a luta pela terra em Pernambuco, realizado para a rede de televisão norte-americana ABC, com imagens de 1961. Mas ninguém sabia informar, até parecia uma lenda. Ao fim de muitas buscas, descobri que o filme existia na Universidade Indiana. Agora seria fácil, pensei. Mas a resposta não tardou, no inglês que traduzo aqui livre e mal:
“Agradeço pelo contato para a pesquisa do filme Brazil: The Troubled Land. Ele pertence ao arquivo da coleção da Biblioteca da Universidade de Indiana. Reenvio para a arquivista responsável”, que respondeu:
“Para o acesso ao filme que você pesquisa, o ‘Brazil: The Troubled Land’, nós não o temos digitalizado ou em cópia para ser visto. No momento, o filme está disponível somente nesta biblioteca, ou então, se você desejar obter permissão do proprietário dos direitos autorais, nós poderíamos fazer uma cópia em DVD para você emprestar ao escritor brasileiro. A McGraw Hill é a editora dona do filme”.
Mas a poderosa McGraw Hill, apesar dos meus pedidos, nada me respondeu para a liberação de uma cópia. Em desespero de causa, cheguei a solicitar até mesmo a compra de um exemplar, com a ajuda, é claro, de outros jornalistas brasileiros, que também o procuravam. Nada. Mais uma vez, por razões de Estado primeiro, depois por razões do capital, o Brasil deixava de ver a própria cara, num flagrante das relações históricas de opressão em 1961.
The Troubled Land havia sido visto nos Estados Unidos, onde alcançara grande repercussão, mas nunca passou nos cinemas ou na televisão brasileira. O Conselho de Segurança Nacional o julgara inconveniente para os padrões nacionais.
Mas não desisti. Quase um ano depois, em março de 2013, publiquei um texto cuja introdução observava que a melhor diferença da imprensa na web sobre a do grande capital era a liberdade de pensamento. E que havia um valor a mais de um texto na internet sobre o de papel: era a sua permanência, com acessos infinitos no tempo e espaço para a leitura. Assim havia sido com a coluna “Procura-se um documentário sobre o Brasil”, publicada em agosto de 2012. Ela me fizera receber um presente que eu não imaginava.
Recebi então fotos históricas do filme, e a revelação (perdoem a palavra) de um fotógrafo de 76 anos, em 2013, que os estudiosos do cinema não sabiam existir. Era o espanhol Fernando Martinez Lopez, que me enviara fotos maravilhosas em preto e branco do documentário “Brazil, the troubled land”. Fernando Martinez, a partir das perguntas feitas por este curioso, assim se apresentou:
“Após busca entre 4000 negativos, encontrei as fotos, algumas estragadas pelo tempo. Sou espanhol, casado com brasileira e filhos e netos brasileiros. Trabalhei no filme como Still fotógrafo e também como cinematographer….
Helen (Helen Rogers, a diretora do documentário) era uma americana bonita e muito inteligente, casada com um cineasta, eles deixaram dois filhos. Para mim, ela era pró-Estados Unidos, pois este filme foi feito justamente para que o Brasil não se tornasse uma nova Cuba. (Negrito do colunista) Foi filmado na Zona da Mata de Pernambuco, para filmar a vida de um camponês. Na feira de Carpina encontrou um Severino, cortador de cana, que trabalhava para Constâncio Maranhão. A filmagem demorou aproximadamente 25 dias, tendo a contribuição da Sudene para transporte etc.”.
Então vinham raridades nas fotos: Helen Rogers, Francisco Julião, Eva (tradutora) e Bill Hartigan. Era um flagrante da política traiçoeira dos Estados Unidos, que enviara uma bem intencionada cineasta ao Nordeste do Brasil, para que documentasse uma nova Cuba em território pernambucano. Mas o filme que era bom, mesmo, nada. E assim se passaram mais de dois anos.
Hoje, me chega pelo face um recado, postado pelo jovem historiador Felipe Genú, com estas palavras:
“Senhor Urariano, li um texto seu de 2012, onde o senhor estava à procura do documentário The Troubled Land, da ABC. O senhor já o encontrou?”
Respondo:
“Não, Felipe, ainda não. Eu desejava mais esse documentário quando escrevia o meu romance “O filho renegado de Deus”. Mas o meu interesse continua.”
E o imprescindível pesquisador Felipe Genú:
“Senhor Urariano, eu sou historiador, e no momento estou escrevendo uma dissertação sobre o Teatro de Cultura Popular do MCP, do governo Arraes. Depois de ouvir falar no The troubled land, fiquei muito interessado, e pesquisando encontrei uma versão dele posta na internet pela School of Cinematic Arts. Eles o postaram num site chamado vimeo. Basta o senhor se cadastrar e buscar ‘Brazil The troubled land’ que vai aparecer o documentário”
Tudo que pude responder foi:
“Genial, Felipe. Muito obrigado, rapaz”.
E agora, amigos, para todo o Brasil, o vídeo que o grande público não podia ver, que era um verdadeira lenda de pé de cobra. Vejam Francisco Julião em 1961, Celso Furtado na Sudene em entrevista, o latifundiário Constancio Maranhão a se exibir dando tiros para mostrar qual era a sua lei para os camponeses sem terra. Acessem https://vimeo.com/134849043
*No Vermelho http://www.vermelho.org.br/noticia/272471-11
——————————————————————————————————
Copio a seguir as legendas do filme, traduzidas pelo historiador Felipe Genú, com destaques meus.
1
00:00:17,333 –> 00:00:21,333
Este é Francisco Julião, do Brasil
2
00:00:21,333 –> 00:00:25,333
Você pode não ter ouvido falar nele, mas
aprenda seu nome.
3
00:00:25,333 –> 00:00:29,333
Julião é o mais importante líder camponês na
América Latina
4
00:00:29,333 –> 00:00:33,333
E os camponeses são a grande maioria… mais
de cem milhões
5
00:00:33,333 –> 00:00:37,333
Ele é um seguidor de Fidel Castro e Mao Tsé-Tung, inimigos dos Estados Unidos
6
00:00:37,333 –> 00:00:40,266
Julião diz aos camponeses brasileiros que
eles são explorados
7
00:00:40,266 –> 00:00:44,266
tratados como os animais com os quais
dividem o fardo
8
00:00:44,266 –> 00:00:48,266
Ele fala com os camponeses do Brasil,
9
00:00:48,266 –> 00:00:52,266
mas suas palavras ecoam por toda a América
Latina
10
00:00:52,266 –> 00:00:56,266
Esta é a história do Nordeste do Brasil, de
Francisco Julião e dos camponeses que ele
comanda
11
00:00:56,266 –> 00:01:00,266
na América Latina
12
00:01:00,266 –> 00:01:04,266
Terra Conturbada
13
00:01:04,266 –> 00:01:08,266
14
00:01:08,266 –> 00:01:12,266
Este é o Brasil, terra do samba e da carioca
15
00:01:12,266 –> 00:01:16,266
Onde eles constroem hoje as cidades do
amanhã, mesmo no atrasado nordeste,
16
00:01:16,266 –> 00:01:20,266
eles constroem uma cidade como esta. Porque
o Brasil não é apenas a maior nação na
América Latina
17
00:01:20,266 –> 00:01:24,266
mas também a mais próspera
18
00:01:24,266 –> 00:01:28,266
Esta é a riqueza do Brasil para poucos, que
vivem em cidades como essa:
19
00:01:28,266 –> 00:01:32,266
Recife, capital do Estado de Pernambuco, no
nordeste do Brasil
20
00:01:32,266 –> 00:01:36,266
21
00:01:36,266 –> 00:01:40,266
Aqui é a cidade do poder e do controle de uma
economia de vinte milhões de agricultores
22
00:01:40,266 –> 00:01:44,266
que vivem nessa região. Tão larga quanto o
nosso meio-oeste
23
00:01:44,266 –> 00:01:48,266
Aqui eles comercializam açúcar, principal
colheita dessa área
24
00:01:48,266 –> 00:01:52,266
O açúcar construiu essa cidade, o açúcar a
mantém luminosa e nova
25
00:01:52,266 –> 00:01:56,266
E estranha para o homem que cultiva a cana-de
açúcar: o camponês.
26
00:01:56,266 –> 00:01:58,766
Um dos vinte milhões
27
00:01:58,766 –> 00:02:02,766
O nome desse homem é Severino, idade: 49
28
00:02:02,766 –> 00:02:04,266
Ocupação: camponês
29
00:02:04,266 –> 00:02:08,266
Ossos, músculos e sangue do organismo que
alimenta a cidade
30
00:02:08,266 –> 00:02:12,266
Ainda assim, esse é um mundo que ele não
conhece, cheio de coisas criadas (…)
31
00:02:12,266 –> 00:02:15,099
Severino não tem dinheiro.
32
00:02:15,100 –> 00:02:19,100
Ele nem sequer pode votar, porque é analfabeto
33
00:02:19,100 –> 00:02:20,266
Mas para os comunistas ele é importante
34
00:02:20,266 –> 00:02:24,266
Ele e os outros vinte milhões de camponeses
nessa área
35
00:02:24,266 –> 00:02:26,499
36
00:02:26,500 –> 00:02:30,500
Severino está a caminho de um quartel geral do
comunismo
37
00:02:30,500 –> 00:02:32,266
Por que ele e outros camponeses estão sendo
atraídos para o comunismo?
38
00:02:32,266 –> 00:02:33,999
39
00:02:34,000 –> 00:02:36,800
Essa é a nossa historia
40
00:02:36,800 –> 00:02:40,800
Oficialmente, é o partido socialista. Na prática
há mais do que isso
41
00:02:40,800 –> 00:02:42,733
42
00:02:42,733 –> 00:02:46,733
Aqui são mantidas as Ligas Camponesas
43
00:02:46,733 –> 00:02:49,966
e o nome em si é excitante
44
00:02:49,966 –> 00:02:53,832
É comandada por um membro do poder
legislativo: Francisco Julião
45
00:02:53,833 –> 00:02:57,099
Um deputado que escuta as queixas dos
camponeses
46
00:02:57,100 –> 00:03:00,833
Elas são quase sempre as mesmas:
problemas com os donos da terra
47
00:03:00,833 –> 00:03:04,833
sobre a qual o camponês e sua família
dependem para seu o trabalho diário
48
00:03:17,266 –> 00:03:21,266
“Nós vamos te ajudar. Você pode conseguir três
testemunhas que viram o proprietário queimar
sua casa?”
49
00:03:22,133 –> 00:03:22,966
“Entendeu?”
50
00:03:22,966 –> 00:03:26,599
“Sim, sim. Jorge Virgínio vai ser uma delas?”
51
00:03:26,600 –> 00:03:30,133
“Bom, então iremos ao tribunal”
52
00:03:30,133 –> 00:03:34,133
As Ligas Camponesas vão fornecer o
advogado. Se há alguém doente, elas mandam
um médico
53
00:03:35,066 –> 00:03:38,332
Sem casa? Há (…) nos escritórios das Ligas
Camponesas
54
00:03:38,333 –> 00:03:42,333
Ações simples que demonstram interesse nos
destino dos vinte milhões
55
00:03:46,133 –> 00:03:50,133
Para Severino, a ajuda não é fácil. Ele tem
quase cinquenta anos
56
00:03:50,133 –> 00:03:54,133
e teme que será demitido em favor de um
homem mais novo
57
00:03:54,166 –> 00:03:58,166
Quando acontecer, ele lhe dizem, nos procure
58
00:04:03,300 –> 00:04:07,300
As demandas de Severino são simples: ele
que continuar fazendo o que sempre fez:
59
00:04:09,300 –> 00:04:13,300
Seus filhos já estão cortando cana, como seu
pai antes deles
60
00:04:17,133 –> 00:04:21,133
O Açúcar está em quase todos os lugares.
Plantar vegetais para os camponeses
61
00:04:21,133 –> 00:04:25,133
diminuiria o dinheiro da colheita para o dono da
terra
62
00:04:35,066 –> 00:04:39,066
Pelo seu trabalho no campo, Severino recebe
25 centavos por dia, seus filhos
63
00:04:39,466 –> 00:04:43,299
13 centavos, cada
64
00:04:43,300 –> 00:04:46,000
Esta é a casa de Severino
65
00:04:46,000 –> 00:04:50,000
E esta é dona Julia, a esposa de Severino, mal
tem quarenta anos
66
00:04:50,466 –> 00:04:53,666
Ela vive a vida de uma mulher que tem seis
filhos
67
00:04:53,666 –> 00:04:57,232
cujo marido ganha 25 centavos por dia, cujo
filho mais novo
68
00:04:57,233 –> 00:05:00,866
é parcialmente paralítico e que sabe que a
maioria dos camponeses morre
69
00:05:00,866 –> 00:05:04,866
antes de completarem 30 anos
70
00:05:05,100 –> 00:05:06,733
Tal é o seu mundo
71
00:05:06,733 –> 00:05:09,966
Um mundo com apenas um brinquedo.
72
00:05:09,966 –> 00:05:13,966
Apenas uma garota vai a escola, lápis custam
dinheiro
73
00:05:14,100 –> 00:05:18,100
além do mais, de que serve a educação
escolar no mundo deles?
74
00:05:21,700 –> 00:05:25,700
Além de seu salário, é permitido a Severino o
uso de uma faixa de terra periférica
75
00:05:26,633 –> 00:05:30,633
Não é a melhor terra, mas é um pouco do solo
para que ele plante milho e feijão preto
76
00:05:32,766 –> 00:05:36,766
O importante é que é terra, a qual produz,
alimenta e dá vida
77
00:05:38,766 –> 00:05:42,766
Se Severino perdesse seu emprego, ele
também perderia sua terra
78
00:05:54,466 –> 00:05:59,466
Nessa região, apenas 5% das pessoas são
donas de 65% das terras
79
00:05:59,466 –> 00:06:04,332
E vive em casas como essa… mas apenas nos
fins de semana
80
00:06:05,100 –> 00:06:09,100
Ainda assim, eles são os patrões
81
00:06:10,433 –> 00:06:14,433
Este é o patrão de Severino, Constâncio
Maranhão
82
00:06:15,066 –> 00:06:19,066
O primeiro membro de sua família veio para
essas terras há 400 anos
83
00:06:19,366 –> 00:06:24,666
E desde então, os Maranhão tem sido seus
proprietários, guardiães e saqueadores
84
00:06:24,666 –> 00:06:28,666
Ele age como se fosse o governador do Estado
e chefe do Legislativo
85
00:06:29,800 –> 00:06:33,800
Ele conta seu gado pelas milhares de cabeças,
suas terras em dezenas de milhares de acres,
86
00:06:34,866 –> 00:06:37,266
usa um anel de diamantes de quinze quilates…
87
00:06:37,266 –> 00:06:41,266
afirma ser um homem simples, com ideias
simples
88
00:06:42,233 –> 00:06:43,299
Ele diz:
89
00:06:43,300 –> 00:06:47,300
“Você não vê que todos os meus camponeses
são felizes, ricos e gordos?
90
00:06:51,566 –> 00:06:57,799
Essa é a minha arma. Essa é a lei aqui, decide
tudo. Não qualquer polícia ou lei,
91
00:06:57,800 –> 00:07:00,666
mas a minha arma
92
00:07:00,666 –> 00:07:04,666
A melhor feita nos Estados Unidos. É a coisa
mais importante que possuo
93
00:07:04,666 –> 00:07:05,332
mas a minha arma
94
00:07:24,866 –> 00:07:28,432
As coisas sempre foram desse jeito, os meus
camponeses é que são preguiçosos
95
00:07:28,433 –> 00:07:32,433
Se alguém chegar aqui e tentar organizá-los eu
mato!
96
00:08:07,633 –> 00:08:11,633
Numa área quase tão grande quanto o nosso
meio-oeste, quase vinte milhões de pessoas
97
00:08:11,633 –> 00:08:13,833
não tem o suficiente para comer.
98
00:08:13,833 –> 00:08:17,833
A terra que cultiva cana não pode ser cedida
para plantar alimentos
99
00:08:17,833 –> 00:08:23,166
Para eles, fubá, arroz e feijão preto, servido
apenas uma vez, ao meio dia.
100
00:08:24,266 –> 00:08:28,266
Pão e café pela manhã e à noite. Nada além
disso
101
00:08:28,600 –> 00:08:32,600
Essas crianças nunca provaram nada além
102
00:09:20,166 –> 00:09:21,699
Severino diz que
103
00:09:21,700 –> 00:09:24,066
precisa ter um pedaço de terra de sua
propriedade
104
00:09:24,066 –> 00:09:26,732
com o qual ele possa
105
00:09:26,733 –> 00:09:28,633
Sua esposa diz que ele precisa ser paciente
106
00:09:28,633 –> 00:09:32,633
“Eu tenho sido paiente”, diz Severino, mas eu
não posso esperar para sempre
107
00:09:46,466 –> 00:09:50,299
Paciência é uma virtude para os ricos ou os
sem esperança
108
00:09:50,300 –> 00:09:54,300
25 centavos por dia não é o caminho para a
riqueza… ou para um pedaço de terra
109
00:09:55,000 –> 00:09:58,300
Nada disso é novo para Severino e seus vinte
milhões
110
00:09:58,300 –> 00:10:02,300
Tem sido dessa forma desde a época da
escravidão
111
00:10:11,800 –> 00:10:15,800
No mundo daquele que não sabem ler, o
trovador é o comunicador
112
00:10:15,833 –> 00:10:19,833
Os violeiros são uma parte importante da vida
do camponês.
113
00:10:19,833 –> 00:10:23,099
Uma instituição tão antiga quanta a terra
114
00:10:23,100 –> 00:10:28,400
Apesar da terra e do camponês permanecerem
os mesmos, as músicas dos violeiros
mudaram
115
00:10:28,400 –> 00:10:33,166
Não há apenas músicas sobre a colheita e a
vida, amor e casamento
116
00:10:49,166 –> 00:10:54,799
Agora eles cantam: “Francisco Julião sabe que
é necessário para o proletariado ter um salário
decente
117
00:10:54,800 –> 00:10:58,800
e Julião sempre luta por isso”
118
00:11:05,566 –> 00:11:11,766
“E Francisco Julião explicou que devemos ter
uma revolução aqui, como a que Fidel Castro
fez em Cuba”
119
00:11:18,233 –> 00:11:23,733
“E eles tiraram a liberdade de Patrice
Lumumba e depois o assassinaram, portanto
tenha cuidado”
120
00:11:37,433 –> 00:11:41,433
“Mas o que nós devemos fazer é formar uma
organização, como fizeram em Cuba”
121
00:11:49,466 –> 00:11:53,466
O que os violeiros não dizem, outros falam.
Escutem esse camponês:
122
00:11:55,800 –> 00:12:01,033
“Nós camponeses conhecemos apenas a
miséria, a fome, o analfabetismo, as crianças
morrendo de fome.
123
00:12:01,800 –> 00:12:06,766
“Nós devemos nos unir cada vez mais. Sim,
ombro à ombro em frente. C ada vez mais
fortes”
124
00:12:07,800 –> 00:12:10,333
“Nós temos que parar de trabalhar apenas para
o dono da terra”
125
00:12:10,333 –> 00:12:15,733
“Para os milionários que tem tudo enquanto
nós temos apenas miséria!”
126
00:12:38,666 –> 00:12:42,666
De sua miséria, eles aplaudem em
concordância. E as sombras se estendem
sobre
127
00:12:42,666 –> 00:12:46,166
sobre a Terra Conturbada
128
00:12:56,766 –> 00:13:01,432
Na cidade, o governo brasileiro planeja ajuda
para os camponeses do nordeste. Bons
planos.
129
00:13:01,866 –> 00:13:06,899
Planos excelentes para a industrialização e a
reforma agraria, mas desenvolvidos de forma
muito lenta
130
00:13:06,900 –> 00:13:10,666
O diretor é o brilhante economista Celso
Furtado
131
00:13:11,700 –> 00:13:13,466
Celso Furtado
132
00:13:14,466 –> 00:13:18,466
Eu acho que a agitação está crescendo a cada
dia.
133
00:13:19,633 –> 00:13:25,666
E nós temos muitos fatores fomentando a
agitação
134
00:13:26,766 –> 00:13:31,766
Nós temos, primeiro os políticos e agora a
exploração das pessoas pobres
135
00:13:32,833 –> 00:13:36,833
Os comunistas estão presentes e ao mesmo
tempo
136
00:13:37,300 –> 00:13:42,666
as pessoas agora tem melhores
comunicações, melhores formas de
informação
137
00:13:44,100 –> 00:13:48,100
As pessoas agora estão mais cientes de sua
própria miséria
138
00:13:48,933 –> 00:13:52,933
As pessoas não tem ideia do que seria o
comunismo
139
00:13:54,900 –> 00:13:58,900
Eles acham que o comunismo é uma maneira
de resolver seus problemas
140
00:13:59,233 –> 00:14:03,233
– E quanto a Francisco Julião?
141
00:14:03,933 –> 00:14:10,366
Bem, Julião é um homem que agora é
apresentado como um símbolo de um
movimento
142
00:14:11,533 –> 00:14:15,533
Mas, para nós que vivemos aqui, para as
pessoas que vivem aqui em contato com a
realidade
143
00:14:15,533 –> 00:14:19,533
com os camponeses e com todos, nós
sabemos que
144
00:14:19,533 –> 00:14:23,533
Julião não é exatamente o criador das Ligas
145
00:14:23,533 –> 00:14:29,233
Ele é um político – como muitos outros aqui –
que foi o primeiro a perceber a importância das
Ligas para
146
00:14:29,233 –> 00:14:34,199
as contendas políticas, para as disputas
políticas
147
00:14:39,666 –> 00:14:43,666
Sim, Francisco Julião é um político dos mais
sagazes
148
00:14:43,666 –> 00:14:48,232
e um homem ambicioso. Ele sabe o que quer e
não tem qualquer pudor em trabalhar por isso
149
00:15:04,933 –> 00:15:09,366
O poder de Francisco Julião é o camponês e
seu inegável descontentamento
150
00:15:10,100 –> 00:15:15,433
De todos os políticos brasileiros é praticamente
o único que passa todo o seu tempo com os
camponeses que não votam
151
00:15:16,466 –> 00:15:19,132
Sem dúvidas, há mais do que apenas
magnanimidade nisso
152
00:15:19,133 –> 00:15:25,133
Se Julião puder organizar os camponeses,
essa vasta massa iletrada, talvez ele consiga
que eles possam votar
153
00:15:25,133 –> 00:15:29,799
Se ele conseguir fazer com que eles votem
então ele terá o poder devido a maioria de
seus votos
154
00:15:29,800 –> 00:15:35,000
Senador, Governador do Estado, Presidente da
Nação, tudo que é preciso são votos
155
00:15:36,466 –> 00:15:41,399
Há cinismo em Julião, ele não oferece nenhum
plano específico, mas seu chamado às armas
156
00:15:41,400 –> 00:15:46,933
ecoa mais alto para os camponeses do que
todos os planos construtivos, mas não vistos,
do governo
157
00:15:46,933 –> 00:15:50,933
Em cada palavra, em cada ato, ele procura se
aproximar um pouco mais de seus objetivos
158
00:15:51,900 –> 00:15:57,133
Ele diz aos camponeses que o capitalismo
americano é seu inimigo e que há um paraíso
camponês na China e em Cuba
159
00:15:58,366 –> 00:16:04,432
E ele promete que este ano levará cinquenta
deles para ver esses paraísos marxistas
160
00:16:05,433 –> 00:16:10,566
Ele lhes fala Mao Tsé Tung é o maior homem
do nosso tempo, porque ele deu terra aos
camponeses
161
00:16:11,800 –> 00:16:16,366
Palavras pesadas para os ignorantes, para os
camponeses famintos, iludindo os
desesperançados
162
00:16:16,366 –> 00:16:18,632
cujos problemas vitais são os mais básicos:
163
00:16:18,633 –> 00:16:22,633
comida para hoje, comida para amanhã
164
00:16:22,633 –> 00:16:25,499
Raramente esses coitados pensam além do
amanhã
165
00:16:25,500 –> 00:16:29,500
para eles, comunismo é uma palavra,
democracia é outra.
166
00:16:30,633 –> 00:16:34,633
eles realmente dão atenção é para as visões e
promessas de Julião
167
00:16:47,633 –> 00:16:51,633
“-Você tem oito filhos e nenhuma terra? Como
pode isso num país do tamanho do Brasil?”
168
00:16:51,633 –> 00:16:56,699
“-Quando nós estivermos no poder você vai ter
terra. Nós vamos tomar conta de você quando
você for velho”
169
00:16:56,700 –> 00:17:00,700
“Tudo vai ser melhor, me entendeu?”
170
00:17:18,466 –> 00:17:22,466
“Você que escola para os seus filhos? Quando
nós chegarmos ao poder haverá escolas para as
suas crianças”
171
00:17:22,466 –> 00:17:26,466
“Para todas as crianças”
172
00:17:43,600 –> 00:17:47,600
Para a multidão Julião diz o mesmo e “aqueles
que concordam conosco levantem as mãos”
173
00:17:55,833 –> 00:17:59,833
“Sim, cada um de vocês segure suas
enxadas. A enxada é o seu símbolo”
174
00:17:59,833 –> 00:18:03,833
“O símbolo do seu trabalho e da sua vida. É o
sinal do seu atraso e da sua miséria”
175
00:18:03,833 –> 00:18:07,833
“Dos donos da terra que querem te manter
onde você está. Os donos da terra
176
00:18:07,833 –> 00:18:11,833
vivem na cidade, onde desfrutam dos frutos da
civilização”
177
00:18:19,866 –> 00:18:23,866
“Unam suas forças pela reforma agrária”
178
00:18:25,133 –> 00:18:29,133
“Contra a pressão, a miséria e a fome”
179
00:18:29,133 –> 00:18:33,133
“Contra os estados maiores”
180
00:18:38,800 –> 00:18:45,866
Vida longa às Ligas Camponesas, vida longa a
reforma agrária e vida longa à liberdade!”
181
00:18:47,000 –> 00:18:51,633
A enxada é um símbolo de paz, mas pode ser
uma arma perversa. Julião já disse que
182
00:18:51,633 –> 00:18:55,633
se não puder vencer na paz, deflagrará uma
revolução
183
00:18:55,633 –> 00:18:59,633
Essa declaração também foi comemorada
184
00:19:08,433 –> 00:19:12,433
O governo brasileiro não está desatento. Eles
escutam os gritos da multidão
185
00:19:12,433 –> 00:19:16,433
mas acreditam em seus planos de reforma
agrária
186
00:19:16,966 –> 00:19:22,199
-“Você acredita numa solução pacifica e
democrática para o problema da terra?”
187
00:19:23,666 –> 00:19:27,666
Sim. É por isso que estou aqui. É por isso que
estou aqui lutando dia e noite
188
00:19:29,300 –> 00:19:33,300
Eu acho que podemos mostrar para as
pessoas que
189
00:19:34,633 –> 00:19:38,433
nós podemos viver de uma forma diferente na
agricultura
190
00:19:38,433 –> 00:19:46,199
que eles podemos ser, eles podemos ser ao
menos muito melhores do que são hoje
191
00:19:47,433 –> 00:19:51,433
Que eles podem trabalhar para si mesmo. Que
eles podem abrir novos campos
192
00:19:51,633 –> 00:19:55,633
que eles podem procurar a felicidade, ao
menos isso.
193
00:19:56,966 –> 00:19:58,232
Vamos repetir a
194
00:19:58,600 –> 00:20:02,600
agora tão falada ideia de revolução da
esperança.
195
00:20:03,666 –> 00:20:07,666
As pessoas agora não têm ideia de como elas
podem ser melhores amanhã
196
00:20:09,500 –> 00:20:12,266
E eu acho que vamos demonstrar isso.
197
00:20:12,766 –> 00:20:16,332
– O que os Estados Unidos podem fazer para
ajudar
198
00:20:16,333 –> 00:20:20,333
Bem, senhorita Rogers, eu acho que
199
00:20:20,333 –> 00:20:24,333
primeiro, esse é um problema nosso.
200
00:20:24,333 –> 00:20:28,333
Se nós não temos a consciência clara do
problema e
201
00:20:28,333 –> 00:20:32,333
se não nos prepararmos nós mesmos para
fazer os sacrifícios
202
00:20:32,333 –> 00:20:37,799
e lutar pela solução, nenhuma ajuda vai mudar
a situação.
203
00:20:38,466 –> 00:20:42,466
Mas se abrimos esse novo caminho,
204
00:20:42,933 –> 00:20:51,099
e se nós começarmos esse processo de
mudanças aí sim a ajuda dos Estados Unidos,
a ajuda de qualquer país
205
00:20:51,100 –> 00:20:55,100
seria, poderia ser fundamental
206
00:20:55,100 –> 00:20:59,100
Mas se nós não fizermos nada, se as coisas
continuarem desse jeito
207
00:21:00,100 –> 00:21:04,833
Do jeito que tem acontecido nos últimos cinco
ou dez anos,
208
00:21:04,833 –> 00:21:11,566
Eu acho que podemos ter uma situação muito
difícil, muito explosiva aqui
209
00:21:11,566 –> 00:21:15,132
Talvez em dois, cinco ou dez anos, não sei,
talvez até mesmo amanhã
210
00:21:17,700 –> 00:21:18,833
211
00:21:18,833 –> 00:21:22,733
O amanhã chegou e não houve explosão no
Brasil
212
00:21:22,733 –> 00:21:25,099
O Brasil não é uma terra violenta
213
00:21:25,100 –> 00:21:27,733
Severino ainda senta com seus amigos e
214
00:21:27,733 –> 00:21:31,133
infinitamente eles percorrem o catálogo de
suas mazelas
215
00:21:31,133 –> 00:21:35,133
Eles não podem prosperar. Milho, dizem eles, é
muito caro.
216
00:21:35,933 –> 00:21:39,933
As faixas de terra que eles podem usar são
muito pedregosas e muito duras para lhes
conceder o suficiente
217
00:21:39,933 –> 00:21:42,366
para alimentá-los e às suas crianças
218
00:21:42,366 –> 00:21:43,432
Suas vidas são duras.
219
00:21:43,433 –> 00:21:47,433
Dizem que há melhores oportunidades no Rio
e em São Paulo
220
00:21:47,433 –> 00:21:51,433
onde há fábricas e trabalho. Mas quem pode
andar as milhares de milhas poeirentas
221
00:21:51,466 –> 00:21:53,732
para comprovar o rumor?
222
00:21:53,733 –> 00:21:56,099
Não, eles são as crianças desse solo.
223
00:21:56,100 –> 00:21:59,166
Se ao menos houvesse alguém para ajudar…
224
00:21:59,166 –> 00:22:03,166
As pessoas falam sobre ajudar, mas o que
eles têm para mostrar além de palavras?
225
00:22:03,666 –> 00:22:07,666
Dizem que o governo, o governo tem um plano,
mas quem já viu as melhorias até agora?
226
00:22:08,433 –> 00:22:12,433
Julião? Suas promessas ainda são apenas
promessas
227
00:22:13,433 –> 00:22:17,433
Um homem não pode viver só de promessas
quando seus filhos precisam de comida
228
00:22:17,666 –> 00:22:21,666
Se ao menos eles pudessem ter um pedaço de
terra, um pedaço pequeno, mas de sua
propriedade
229
00:22:22,033 –> 00:22:24,766
Aí sim haveria um amanhã
230
00:22:25,366 –> 00:22:29,999
Nem Severino, nem seus amigos têm a
resposta. Eles têm apenas uma proposta:
231
00:22:30,000 –> 00:22:33,100
Deem-nos um pedaço de terra, terra fértil.
232
00:22:33,100 –> 00:22:35,900
Os clamores ecoam por toda a América Latina.
233
00:22:35,900 –> 00:22:39,900
onde a maior parte vive como Severino e seus
amigos
234
00:22:39,933 –> 00:22:45,233
Como se eles não fossem também o produto
de três mil anos de progresso da sociedade
ocidental em civilização
235
00:22:47,100 –> 00:22:50,500
“Deem-nos terra”, eles gritam, e os comunistas
os asseguram:
236
00:22:50,500 –> 00:22:53,433
“Nós a daremos a terra para vocês”
237
00:22:53,433 –> 00:22:57,433
A única resposta as promessas comunistas
são resultados
238
00:22:57,433 –> 00:23:01,433
Os planos do governo para a reforma agrária e
o desenvolvimento precisam se tornar
realidade
239
00:23:02,333 –> 00:23:04,833
Os primeiros passos precisam ser deles
240
00:23:04,833 –> 00:23:08,833
só aí nós podemos ajudar. Mas os primeiros
passos devem ser dados
241
00:23:08,833 –> 00:23:10,466
pelos brasileiros
242
00:23:10,466 –> 00:23:12,366
O tempo trabalha para os comunistas
243
00:23:12,366 –> 00:23:14,466
Nós não perdemos… ainda
244
00:23:14,466 –> 00:23:16,766
Mas essas são as horas para decisão
245
00:23:17,633 –> 00:23:21,633
Há muita conversa sobre liberdade e
democracia no hemisfério ocidental
246
00:23:21,633 –> 00:23:23,666
Até Severino e seus amigos já ouviram
247
00:23:24,233 –> 00:23:26,733
Numa linguagem que eles pouco entendem
248
00:23:26,733 –> 00:23:30,566
Há pouco espaço para entendimento de ideias
num mundo de fome
249
00:23:30,566 –> 00:23:32,899
miséria e pouca esperança.
250
00:23:32,900 –> 00:23:36,966
Desesperança pode levar um indivíduo a
apostar qualquer coisa por amanhã melhor
251
00:23:37,700 –> 00:23:41,700
Para ter a bênção de se libertar da fome hoje!
252
00:23:50,233 –> 00:23:54,233
Terra Conturbada