Desde que cheguei aqui

Compartilhe:

“Não quero endurecer a ponto de me acostumar a viver assim”

Leila Salim, de Beirute, compartilhado de Piauí




31 DE JULHO, QUARTA-FEIRA_Dormi umas cinco da manhã, lendo as notícias sobre o ataque de Israel a Beirute, na noite de ontem. O bombardeio matou Fuad Shukr, comandante do primeiro escalão do Hez­bollah, além de cinco civis, incluindo duas crianças. Mais de setenta pessoas foram feridas. Israel justificou o ato como uma retaliação a outro ataque, ocorrido dias antes, que havia matado doze crianças e ferido trinta pessoas nas Colinas de Golan, um território sírio ocupado por Israel. O ataque foi atribuído por Israel ao Hezbollah, que negou a autoria.

O alvo de ontem, em Dahieh, fica a cerca de 7 km da cidade de Jdeideh, onde moro. Desde outubro do ano passado, os constantes bombardeios ao Líbano se concentram no Sul do país, perto da fronteira com Israel. Os dados oficiais mais recentes, de julho, informam que, entre as mais de 1,9 mil pessoas atingidas há 466 mortos e 507 feridos com gravidade. É a região de origem da minha família libanesa, onde estive em 2022. Na época, mesmo com relativa estabilidade, não pude passar do último checkpoint em direção à fronteira. É uma zona de conflito permanente – agora uma zona de guerra –, e estrangeiros como eu precisam de autorização especial para entrar.

O centro do país – onde fica a capital – e o Norte vivem uma seminormalidade: comércio aberto, pessoas trabalhando e andando pelas ruas, bares e restaurantes mais ou menos cheios. Há um compasso de espera, uma apreensão quanto à escalada ou à eclosão de uma guerra aberta, que se acentua em alguns episódios específicos – como esse de ontem, em que a guerra “escapa” da fronteira.

Dahieh é uma área residencial controlada pelo Hezbollah. Atualmente, é uma vizinhança composta principalmente por famílias muçulmanas xiitas e, em menor número, cristãs maronitas (que são a maioria dos cristãos libaneses, um grupo com origem na região do Levante e do Mediterrâneo, que reconhece a Igreja Católica como liderança).

Acordei pouco antes das 10 horas, fiz um café e voltei a ler as notícias. Meu marido já havia saído para trabalhar. Em dias assim, o isolamento é ainda mais difícil. Decidi que iria escrever sobre o ataque. Sou jornalista; cobrir o Oriente Médio sempre foi um desejo, mas não imaginava começar imediatamente. Desde que cheguei ao Líbano, em 2022, trabalho remotamente para o Brasil, escrevendo sobre assuntos ligados à mudança do clima, o que consome a maior parte do meu tempo.

Saí de casa por volta das 15 horas. O taxista que me levou até o local do bombardeio me pediu muitas vezes para desistir da ideia e não entrar no bairro. “É muito perigoso. Por favor, não vá”, repetia no percurso de cerca de 20 minutos.

Chegamos à avenida principal, na altura da rua em que deveria entrar para seguir até o prédio. Ali havia um primeiro bloqueio para carros. Segui a pé, sozinha. Vi um bairro residencial, com ruas vazias e a maioria das lojas fechadas. Muitas motocicletas barulhentas passando de um lado para o outro. Muitos homens de preto, como geralmente se vestem os seguranças do Hezbollah. Nas ruas do entorno, poucos pedestres. Menos ainda mulheres. Menos ainda mulheres sem hijab, como eu. Aqui no Líbano não há obrigatoriedade quanto aos trajes; uso as mesmas roupas que no Brasil. Em áreas como essa, de maioria religiosa, convém usar roupas sem grandes decotes, que cubram os ombros e joelhos. Fui de calça comprida e uma blusa larga, de mangas curtas.

Estava seguindo a localização pelo mapa do celular. Depois de caminhar um pouco, vi mais blocos de concreto formando barreiras e dois homens vestidos de preto controlando a entrada. Passei, sem precisar me identificar. Para isso, meus traços ajudam – quase sempre, as pessoas falam comigo aqui em árabe e se surpreendem quando digo que não sou libanesa.

Mais alguns passos, a aglomeração. Na calçada à direita, o prédio bombardeado, isolado e protegido por soldados do Exército e seguranças do Hezbollah, juntos (sim, os dois coexistem). Na outra calçada, um aglomerado de jornalistas da imprensa local e internacional, isolados por barreiras móveis de metal. Com o pouquíssimo que sei de árabe, me apresentei aos seguranças e aos outros repórteres. Falei que era brasileira e entrei na área de imprensa.

Uma visita guiada aos escombros estava agendada para mais tarde. Naquele momento, apenas moradores eram autorizados a entrar. Fuad Shukr, comandante do Hezbollah e alvo do ataque israelense, ainda não havia sido encontrado, mas sua morte já era dada como certa.

Apesar de muita tensão, dos cacos de vidro espalhados por todo o lado e da apreensão pelo que aconteceria nas próximas horas, tudo caminhava. Até que muitos seguranças, cerca de cinquenta, vieram rápido, agitados, em direção aos jornalistas. Diziam que não podíamos mais fotografar, mas também apontavam na direção da rua pela qual cheguei e diziam outra coisa, que não consegui entender. Perguntei a um repórter se precisávamos sair dali, e ele disse que não – estavam orientando a apontar todas as câmeras para cima, no topo do prédio, ou para a direção oposta.

Uma ambulância chegou e tudo ficou muito tenso. Gritaria e empurra-­empurra entre jornalistas e seguranças. Saí de perto, com receio de que um tiro fosse disparado. A situação se acalmou, a ambulância saiu e tudo voltou a ficar como antes, sem que se soubesse quem foi levado. Tudo indica que era o corpo de Fuad Shukr. À noite, sua morte foi confirmada.

A assessoria de imprensa do Hezbollah informou que a visita aos escombros não aconteceria mais. Colhi mais imagens, alguns depoimentos e, por volta das 19 horas, fui para casa.

1º DE AGOSTO, QUINTA-FEIRA_Acordei por volta das 8 horas para terminar de escrever. O secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, fará um discurso por volta das 17 horas. O Hezbollah, grupo muçulmano xiita, é um partido político legal no Líbano e também um grupo armado paramilitar que controla algumas áreas do país. Desde 2005, seu braço legal integra a coalizão majoritária no Parlamento, em uma ampla aliança que reúne um setor cristão, grupos sunitas e outras forças político-religiosas.

O sistema político no Líbano, uma república parlamentarista multirreligiosa, representa os dezoito diferentes grupos religiosos e reserva as posições centrais para cristãos maronitas (que indicam o presidente), muçulmanos sunitas (primeiro-ministro) e muçulmanos xiitas (chefia do Parlamento) – a ordem das indicações é sempre essa. O braço armado do Hezbollah, apoiado pelo Irã, tem poderio militar superior ao do Exército libanês. Há uma pressão dos grupos de oposição ao Hezbollah para que encerre as atividades militares e entregue suas armas, o que é rejeitado pelo grupo e seus apoiadores.

Charbel, meu marido, que é libanês, ligou preocupado dizendo que precisávamos acelerar a assinatura do contrato de aluguel do nosso novo apartamento em Beirute. Já estávamos planejando nos mudar do apartamento de Jdeideh, um apart-hotel com estrutura muito limitada. Apesar de funcional e relativamente barato, considerando os altos preços do Líbano, já não nos acomodava bem.

Além disso, eu já vinha sentindo cada vez mais o isolamento neste período de adaptação ao Líbano, e desejando estar mais próxima à vida cultural de Beirute. Sentia também que estaria mais segura. Jdeideh fica ao Norte da capital (mais afastada, portanto, das áreas alvejadas pelos ataques israelenses) e é uma localidade majoritariamente cristã (os alvos são, principalmente, xiitas), mas, apesar dessas vantagens, no Centro de Beirute estou mais próxima da embaixada brasileira e do aeroporto, e posso me deslocar com muito mais facilidade em caso de urgência.

Começamos as visitas a apartamentos em julho e no dia 29 havíamos apresentado uma proposta, aceita pela proprietária. Estávamos esperando para assinar o contrato quando o ataque a Beirute aconteceu. Charbel estava preocupado porque um amigo, morador de Dahieh (a área atacada em Beirute), havia acabado de falar que muitos moradores estavam tentando sair de lá e os preços de aluguel estavam escalando em horas.

Acompanhei o discurso de Nasrallah, que prometeu uma “resposta sólida e não uma resposta superficial” ao ataque israelense e anunciou o início de uma nova fase da guerra. Depois, falei com a agente imobiliária. Marcamos a assinatura do contrato para o dia seguinte.

4 DE AGOSTO, DOMINGO_Hoje, marca os quatro anos da explosão do Porto de Beirute, que matou mais de duzentas pessoas e feriu mais de 6 mil. A investigação nunca encontrou os culpados dessa que é considerada uma das maiores explosões não nucleares da história. A causa identificada foi um incêndio em um estoque de nitrato de amônio, mas as investigações emperraram por disputas políticas sem que se saiba quem armazenava o componente químico no porto, se o incêndio foi criminoso e quem (ou o que) o provocou.

Pensei nos sobreviventes, feridos, familiares de vítimas que fizeram um protesto pela conclusão das investigações – e que agora enfrentam a possibilidade de um novo trauma.

6 DE AGOSTO, TERÇA-FEIRA_Nossa mudança ficou agendada para sexta-feira. Passei o dia em casa, em Jdeideh, trabalhando. Por volta das 17 horas, um pouco antes do horário da minha terapia (online, com meu analista do Brasil), jatos israelenses sobrevoaram Beirute e quebraram a barreira do som. O secretário-geral do Hezbollah começava outro discurso. Foram três estrondos muito altos, que sacudiram as portas e janelas. Não foi a primeira vez no período recente – esse tipo de ataque tem acontecido com alguma frequência desde 7 de outubro –, mas a primeira que escutei.

Depois do primeiro som de explosão, me protegi como pude. Fui para o chão, me afastei das janelas, que poderiam estilhaçar. Depois de alguns segundos, sem ver fumaça, inferi que não era um míssil, “apenas” mais uma explosão sonora, das que vêm sendo utilizadas como parte da guerra psicológica para aterrorizar a população. Fui até a janela. Vizinhos, funcionários do prédio e a família do zelador, que o visitava, estavam no pátio, todos assustados.

Acenei a eles e saí do apartamento. Nas escadas, encontrei Fatma, funcionária da limpeza do prédio. Muito assustada, apontou para o coração palpitando e me disse que sua família tem pedido para que deixe o Líbano e volte a seu país, onde estão sua filha e sua mãe. Mas Fatma é de Bangladesh, que, por esses dias, enfrenta uma crise política, com a renúncia da primeira-­ministra, protestos em massa e confrontos com mais de cem mortos. “Eu quero sair, mas não posso voltar”, disse.

Fui até a rua, na entrada do prédio. Algumas pessoas ainda nas janelas, assustadas, mas tudo seguia normalmente. Voltei para o apartamento, e vieram mais duas explosões, ainda mais fortes. Estava na sala e a porta do apartamento, de madeira, tremeu muito, bem ao meu lado. Nunca tinha sentido a guerra assim tão perto de mim. Me senti muito vulnerável, triste, com raiva. Falei rapidamente com meu analista, ainda sentada no chão, tentando me acalmar. Pensei em voltar para o Brasil e me perguntei qual seria o sentido de insistir em continuar aqui.

Lembrei de um jovem de 22 anos com quem conversei em Dahieh no dia seguinte ao ataque. Ele me descreveu o pânico de sua família durante o bombardeio. Se o medo foi imenso para mim, como teria sido a reação ao estrondo lá, um local convenientemente classificado como “alvo militar”? O que sentiram as famílias que sobreviveram ao ataque com mísseis na semana anterior, entre elas as mais de setenta pessoas que ficaram feridas?

Mas existe uma dualidade. Muitas pessoas lidam com os ataques como um percalço cotidiano – numa comparação grosseira, mais ou menos como a normalização de tiroteios e da violência cotidiana a que me acostumei crescendo no Rio de Janeiro. Apesar do reflexo aos sons da explosão, voltam aos seus afazeres segundos depois, num ritmo de normalidade. É o caso do meu marido e de alguns de seus amigos, que nasceram no começo dos anos 1980 e passaram parte da infância sob a Guerra Civil Libanesa (1975-90), viram a invasão israelense ao Líbano em 2006, a explosão do porto em 2020 e ouviram incontáveis estrondos sônicos como esse.

Na hora dos estrondos, Charbel estava com um amigo, tomando uma cerveja ao final do expediente em um bar em Jounieh, que fica ao Norte de Beirute. Ouviram o barulho, mas ao longe. Liguei um pouco depois da primeira explosão, ainda antes de ir à janela. Disse a ele que achava que um avião havia quebrado a barreira do som, e ele disse que alguém tinha comentado o mesmo. Minutos depois, após as duas explosões que vieram na sequência, ele mandou uma mensagem já a caminho de casa. “É só a barreira do som, já está no noticiário.”

9 DE AGOSTO, SEXTA-FEIRA_Dia da mudança. Tinha que fazer tudo de manhã, antes do horário de trabalho (no fuso do Brasil). Encaixotei as coisas enquanto pensava em todas as mudanças que fiz no período recente. Nem sei quantas vezes arrumei as malas, montei e desmontei casas provisórias desde 2021. Ainda durante a pandemia, meu contrato de professora substituta no Departamento de Comunicação Social, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, terminou.

Voltei para o Rio de Janeiro no começo de 2021, depois de dois anos morando em Natal, onde “conheci” Charbel no começo da pandemia, pelo Tinder. Eu estava totalmente isolada, sozinha no meu apartamento. Minha família estava no Rio, e meus amigos de Natal também isolados em suas casas.

Alterei minha localização no aplicativo para o Líbano, mais por curiosidade do que qualquer outra coisa. Quer dizer, a curiosidade não surgira do nada: minha família veio do Líbano. Meus pais, marxistas, me nomearam Leila em homenagem à Leila Khaled, militante da Frente Popular para a Libertação da Palestina. Sempre tive muito interesse pelo Oriente Médio em geral, e pelo Líbano e a Palestina em particular. Desde adolescente, participo dos movimentos em solidariedade à Palestina e contra a ocupação israelense.

Foram dois anos de relacionamento online com Charbel, ele sempre no Líbano e eu no Brasil. Só de escrever “relacionamento online” sinto vontade de rir. Tudo ainda parece muito improvável, até absurdo. Antes da pandemia, estava pesquisando a possibilidade de fazer um pós-doutorado no Líbano. Na melhor das hipóteses, pensei, vou me divertir um pouco e ter conversas legais. Em abril de 2020, comecei a conversar com o Charbel.

No Rio de Janeiro, passei o ano de 2021 me mudando entre a casa dos meus pais, de amigos, de amigos de amigos. Mais de dez, talvez quinze micromudanças. Vir para o Líbano já era uma possibilidade, mas ainda incerta. Por isso, queria evitar me estabelecer de forma mais permanente no Rio, com um aluguel de longo prazo, e também economizar o que fosse possível. Trabalhei com contratos temporários nesse período, enquanto tentávamos, eu e Charbel, definir como e onde seria nosso primeiro encontro presencial (ou mesmo se ele iria acontecer).

Faltavam a vacina, a segunda dose, a imunização. E o visto do Charbel. O plano inicial era que ele fosse ao Brasil para nos vermos pela primeira vez. Afinal, apesar de íntimos, depois de tanto tempo de relacionamento online, ainda éramos estranhos. Vir ao Líbano pela primeira vez, sozinha, para encontrar um conhecido/desconhecido seria a última opção – mas acabou sendo a única possível.

Tínhamos concordado que fevereiro seria a data-limite para Charbel obter o visto. Caso não obtivesse, eu viria (para brasileiros, a entrada no Líbano é simples, com visto para um mês de permanência concedido na chegada, no próprio aeroporto). No dia 18 de fevereiro de 2022, comprei minha passagem para Beirute – lembro bem da data. Embarquei em março.

A passagem de volta estava marcada para duas semanas depois, mas era flexível. As duas semanas viraram seis meses. Nosso primeiro encontro foi no aeroporto, em Beirute. Meio maravilhoso, meio esquisito. Nos abraçamos e beijamos de cara. “Até que você não é tão alta assim”, foi a frase nada romântica que ele me disse depois do primeiro e longo abraço, em silêncio. Sabíamos que ele era mais baixo que eu, o que era uma novidade e algo meio desconfortável (na minha imaginação) no começo, mas que àquela altura já não me importava mais. Ele dizia que não tinha qualquer insegurança quanto a essa diferença de altura, mas ali naquele momento a espontaneidade da primeira frase o denunciou.

Fomos para o hotel e já no carro nos olhávamos e ríamos. Era estranho transpor as pessoas que conhecíamos tão bem na vida digital para aqueles corpos de carne e osso. Sempre nos comunicamos em inglês com relativa facilidade. Ele é fluente desde criança, e eu aprendi depois de adulta, com mais de 30 anos. A relação com ele me ajudou muito a destravar a conversação, me forçando a fa­lar diariamente, em ligações longas, sobre os mais diversos assuntos.

Charbel tinha reservado dois hotéis para ficarmos na minha primeira semana aqui, e se organizado para ficar de folga do trabalho. Ele é engenheiro elétrico e tem uma microempresa de soluções em energia, trabalhando com instalação e programação de geradores. Só o irmão dele sabia que estávamos nos encontrando pela primeira vez. Do meu lado, uma legião de amigas, amigos e familiares acompanhava cada passo.

Eu tinha tirado também uma semana de folga do meu trabalho à época. Ao final dessa primeira semana – de reconhecimento, uma grande dr e muita felicidade –, Charbel propôs que eu fosse para a casa dele, em Jeita, uma cidade nas montanhas ao Norte de Beirute, onde morava com a mãe. Ele sugeriu a seguinte solução: a mãe se mudaria para a casa vizinha, que pertencia à sua tia, para que eu me instalasse na casa. Achei uma péssima ideia – eu seria a forasteira chegando e deslocando minha sogra da casa em que mora há cerca de quinze anos, além de entrar de cabeça naquela dinâmica familiar, de casas muito próximas e pouca privacidade.

Resolvi alugar algo pelo Airbnb em Beirute. A segunda semana acabou, cancelei a passagem de volta e estendi minha estadia no apartamento. No final daquele ano de 2022, me instalei nesse apart-hotel em Jdeideh, que era desalugado a cada ida ao Brasil. No começo de 2023, Charbel se mudou em definitivo e começamos a morar juntos.

E hoje encaixotei tudo de novo. Charbel fez as idas e vindas com toda a mudança para o apartamento novo, em Beirute. No final da noite, ainda assisti ao vivo aos ouros olímpicos da boxeadora argelina Imane Khelif (muito comemorada na transmissão do canal de televisão árabe, com sede em Doha, depois que a atleta foi alvo de uma campanha transfóbica), e das brasileiras Ana Patrícia e Duda no vôlei de praia (que acompanhei pela transmissão brasileira).

Eu amo esportes, sou uma dedicada torcedora olímpica. Baixo aplicativo, faço planilha dos jogos. Na adolescência, lembro de guardar cuidadosamente todas as edições do caderno especial publicado pelo Jornal do Brasil sobre os Jogos de Sydney.

Me despedi de Jdeideh vibrando com as medalhas e pulando em cima do sofá.

10 DE AGOSTO, SÁBADO_Dia final da mudança. Acordamos, arrumamos as últimas coisas e viemos para o apartamento novo. Ainda esperaríamos a instalação da internet e começaríamos toda a arrumação na casa nova. Decidimos descer e tomar café da manhã no Souk El Tayeb, um mercado de produtores locais e de agricultores de várias regiões do Líbano, que acontece todo sábado na esquina da casa nova.

O mercado é um dos meus lugares preferidos em Beirute. Além da variedade de produtos agrícolas locais, tem barraquinhas de comidas típicas e estandes de fotografia, artesanato e livros. Normalmente é preciso desviar das pessoas para chegar às barracas e esperar em filas. É um mercado muito frequentado por libaneses e turistas. Hoje, estava muito mais vazio do que de costume. Comprei um manouche para mim, outro para o Charbel e uma garrafa da tradicional limonada de Batroun, cidade ao Norte do Líbano.

manouche é uma comida típica do Líbano e dos países da região do Levante, comum para o café da manhã: uma espécie de pizza, com uma massa fina assada no saj (um forno feito de aço e em formato de semicírculo). Na receita mais tradicional, essa massa é recheada com zaatar, uma mistura de especiarias feita à base de tomilho com azeite de oliva e gergelim. Hoje, a maioria das barraquinhas e restaurantes oferecem outras opções de recheio, como queijos de diferentes tipos, labneh (coalhada), vegetais e carne. Voltei, comemos e começamos a arrumar a casa com o computador ligado no streaming (já com wi-fi funcionando), para assistir às últimas provas da Olimpíada.

O clima de normalidade e recomeço na casa nova foi interrompido por mais uma quebra da barreira de som. O estrondo foi alto, mas não como da outra vez. Vão alguns segundos entre a reação física ao barulho e o entendimento de que uma explosão aconteceu. Fica também a dúvida se é “só” a barreira de som ou um ataque “real”, com bombas e mísseis. Fomos à varanda e, olhando para o céu, ainda pudemos ver os rastros de fumaça dos jatos israelenses. Os pássaros voavam assustados, sem direção. Na rua e nas casas dos vizinhos, nas outras janelas e varandas, muita gente como nós: parada, olhando para o céu, checando o telefone, olhando para o céu de novo.

É difícil descrever a sensação. Senti muita raiva e melancolia de ver tanta gente desnorteada. Parece que a gente fica ali confrontada com a nossa miudeza diante do horror, olhando para cima tentando processar ou se apoderar daquilo de alguma forma.

12 DE AGOSTO, SEGUNDA-FEIRA_Voltei às aulas de árabe, na mesma escola em que tinha começado o curso no ano passado. Depois de fazer uma recuperação dos conteúdos por cerca de um mês online, voltaria agora às aulas presenciais, em grupo, com uma nova turma. Voltaria, porque não tinha mais turma. Todos os estudantes matriculados no meu horário deixaram o Líbano, com o aumento das tensões nas últimas semanas e as recomendações (em alguns casos, convocações) das embaixadas para que seus cidadãos saíssem do país.

No ano passado, as aulas presenciais ainda aconteciam em uma sala alugada, provisória, porque a sede original fora destruída pela explosão do porto em 2020. Foram quatro anos para que a nova sede ficasse pronta, com área de convivência, café, espaço para estudos. Só que agora não havia ninguém para usar o espaço. Narjess, minha professora, contou que muitos já haviam pagado o curso inteiro e foram embora às pressas, antes mesmo de pedir reembolso. Pelo que entendi, sobramos apenas eu e mais dois alunos, em níveis diferentes, um deles funcionário de uma embaixada.

Nos jornais, o tema do dia era a nova rodada de negociação entre Israel e o Hamas para um cessar-fogo, marcada para o dia 15. Li analistas daqui e do Brasil apontando o mesmo motivo para o descrédito sobre qualquer avanço significativo: Israel estava apresentando novos termos, para além dos apresentados e aceitos pelo Hamas na rodada anterior. Para eles, parecia uma jogada ensaiada de Benjamin Netanyahu para que não se chegasse a um acordo.

À noite, em casa, estava trabalhando quando a tela do computador começou a balançar. Achei que era o ventilador, que deixo sempre muito próximo a mim (no auge do verão, o calor e a alta umidade deixam a sensação térmica nas alturas), e o afastei, mas o computador continuou balançando. Apoiei as mãos na mesa e, sim, estava tudo tremendo. Pensei em três possibilidades: terremoto, prédio desmoronando ou bombardeio.

Segundos depois, ficou claro que era um terremoto, relativamente leve. Lustres balançaram, tudo tremeu, mas nada caiu no chão. Durou pouco. Em fevereiro de 2023 havíamos passado por dois tremores com epicentro na Turquia, que atingiram fortemente também a Síria e foram sentidos com intensidade aqui. Nunca tinha passado por um terremoto antes, não tinha dimensão dos riscos e, se tinha algo relativamente óbvio, era o fato de que os prédios e a infraestrutura do Líbano não estavam preparados. Desde então, tenho meu “kit-terremoto”, para levar para baixo da mesa em caso de novos abalos: uma bolsa com uma garrafa de água, chocolates e um apito, para ser localizada caso fique sob os escombros. Ter o kit foi o que me deu alguma sensação de segurança depois dos terremotos do ano passado.

Fui para baixo da mesa. O tremor já tinha acabado, mas das outras vezes foram alguns em sequência (são as chamadas réplicas, que podem acontecer por dias depois do terremoto principal). Abri o aplicativo de alertas e confirmei o tremor, com epicentro na Síria. Charbel veio falar comigo, e ri do absurdo tragicômico. Em meio a toda a tensão de ameaça da guerra, como se nada faltasse, um terremoto. “Eu não posso segurar duas melancias ao mesmo tempo”, disse, devolvendo um ditado árabe que ele tinha me ensinado dias atrás, usado quando alguém precisa escolher prioridades em meio ao caos.

Saí debaixo da mesa e voltei a trabalhar.

15 DE AGOSTO, QUINTA-FEIRA_Os jornais locais começaram a repercutir a situação da alta dos aluguéis diante da ameaça de escalada da guerra. Como um amigo tinha relatado dois dias depois do ataque, famílias dos subúrbios, ao Sul da capital, estão tentando sair de suas casas em busca de locais mais protegidos, o que fez disparar os preços no Centro de Beirute e arredores. E, se não bastasse, a situação escancarou um segundo problema: as divisões territoriais entre grupos religiosos (cidades e vilarejos libaneses são, na maioria das vezes, associados a algum dos grupos), mais acentuadas da parte de cristãos – que já foram maioria numérica no Líbano – contra muçulmanos.

O último censo oficial no Líbano foi feito nos anos 1930, quando os cristãos eram maioria, com um pouco mais de 50% da população. Nunca foi refeito justamente em razão da sensibilidade política que seria lidar com a recomposição demográfica do país, hoje de maioria muçulmana. Mas os cristãos foram – e são, em alguma medida – uma espécie de maioria política, ainda representada no sistema político do país, assegurando o principal posto, a Presidência da República, e o comando das Forças Armadas.

Depois da guerra civil, que escancarou as disputas entre grupos políticos e religiosos, deixando mais de 150 mil mortos e quase 20 mil desaparecidos, o tema se tornou ainda mais sensível. Entre cristãos de extrema direita é muito comum o tom sectário, marcado pela sensação de que são ameaçados pela maioria muçulmana. No dia seguinte ao ataque a Beirute, vi isso de forma crua: o taxista que me levou a Dahieh, cristão conservador, me alertava para os riscos de entrar em um bairro xiita por causa dos muçulmanos, mais do que pelas bombas. “Vá direto, ande sem falar com ninguém. Mesmo que eles sejam simpáticos, mesmo que sorriam para você, que te ofereçam algo: não fale nada. Só ande”, me disse.

Ele ficou surpreso com uma brasileira de origem libanesa estar fazendo o “caminho de volta” de seus ancestrais. E concluiu que eu era de família cristã. Talvez pelas minhas roupas, pelo bairro em que me buscou. Apenas falei que era brasileira, com o meu limitado árabe, antes de seguir a conversa em inglês. Minha família libanesa era originalmente cristã maronita, mas meus pais não são religiosos, não sou batizada e nunca fui criada como cristã.

“Seus ancestrais foram expulsos e você, agora, está de volta para ocupar o lugar que foi tomado deles”, me disse. Bem, eu obviamente nunca desejei estar no Líbano para ser parte de qualquer “reconquista cristã”. Adotei o comportamento padrão-­ouro adquirido em anos e anos de viagens com taxistas bolsonaristas no Brasil: acene e sorria, não questione, deixe falar.

A segregação como critério para os aluguéis vinha sendo muito comentada, depois que a administração do município de Falougha-Khalouat publicou um comunicado no Facebook orientando seus moradores a não alugarem apartamentos para “recém-­chegados, libaneses ou não”. O município, majoritariamente cristão, fica na área montanhosa do Líbano, cerca de 35 km a Leste de Beirute. O comunicado dizia que os proprietários deveriam informar previamente à prefeitura, que realizaria uma “averiguação de antecedentes”, para só então autorizar o aluguel (há um receio, extra, de que tenham ligação com o Hezbollah, grupo muçulmano xiita).

A coisa pegou tão mal que a prefeitura restringiu os comentários do post, adicionando uma explicação sobre o “mal-entendido”. A emenda dizia que a prefeitura está comprometida em acolher os desalojados e que nunca quis impedir o aluguel de casas a essas famílias, apenas prezar pela segurança e impedir qualquer cobrança abusiva nos aluguéis.

16 DE AGOSTO, SEXTA-FEIRA_Fomos a um bar à noite, em Jounieh. Casa cheia, uma banda de música árabe tocando, pessoas dançando, umas duas famílias em festas de pré-casamento, gente comemorando aniversário. Têm muitos desses casamentos superproduzidos e luxuosos aqui, com jantares e festas prévias, queima de fogos no dia, carreata do noivo e da noiva. Em geral, acontecem no verão, quando os libaneses que moram fora do país costumam vir para passar as férias. No ano passado, um canal local de televisão repercutiu uma pesquisa do Ministério do Turismo mostrando que quase dois terços (63%) dos turistas que vieram ao país no ano anterior eram libaneses vivendo no exterior.

Neste ano, há uma queda aparente no turismo, especialmente de estrangeiros, ainda sem números oficiais. Entre o final de julho e agosto, companhias aéreas europeias e mesmo a libanesa Middle East Airlines suspenderam as operações em Beirute. Não houve uma suspensão em definitivo, mas vários períodos de pausa, acompanhando a escalada da guerra. Meus cunhados, que moram em Londres, planejavam vir com a filhinha de 1 ano e meio. Cancelaram os planos depois do ataque a Beirute.

A primeira coisa que fiz quando cheguei no bar foi gravar um pequeno vídeo e mandar para o grupo de WhatsApp da família, que tenho com meus pais e irmão. Queria mostrar a eles essa dualidade, tanto pelo lado curioso da coisa (é uma imagem totalmente diferente do que esperamos ver em um país em guerra, ou em vias de guerra), como também para passar um pouco dessa sensação de “normalidade”, por mais contraditória que seja.

Meus pais estão, obviamente, preocupados, ainda que não me peçam para voltar. Eles me apoiam e entendem quando digo que, estando aqui, a percepção do risco é diferente.

Mas há dias e dias: recentemente, meu pai me ligou pedindo para eu me informar sobre abrigos antibombas e me orientando a me proteger de possíveis bombardeios (ficar no subsolo, embaixo de portais de ferro). Foi curioso, porque ele é o mais contido nessas situações, deixando a emotividade para a minha mãe. Nesse dia, coube a ela dar um pito nele: “Ela sabe disso tudo, para de só deixar ela mais ansiosa”, a ouvi dizendo lá do outro lado.

No bar, era como se a guerra não existisse – até que a banda tocou uma música da resistência, que fala dos vilarejos do Sul do Líbano. “Nos recusamos a morrer, aqui vamos ficar”, diz uma parte da letra, pelo que me lembro da tradução. Foi Jackie, amiga que conheci por meio do meu marido, que me explicou. Geralmente evito entrar em temas mais sensíveis com os amigos dele, que vêm de uma formação mais tradicional que a minha, mas Jackie estava reagindo positivamente à música. Olhei em volta e todo mundo no bar estava cantando a plenos pulmões.

17 DE AGOSTO, SÁBADO_Fui ao Souk, o mercado de agricultores, e de novo me impressionei por estar tão vazio. Dormi cedo e, no meio da noite, uma moto passou com o escapamento estourado na rua. Acordei com o coração aos pulos, achando que era um bombardeio. Ainda não tinha me dado conta que estava nesse estado de alerta permanente.

19 DE AGOSTO, SEGUNDA-FEIRA_Duas quebras de barreira de som enquanto estava na aula de árabe. Narjess, minha professora, ficou mais assustada que eu. “Eu não consigo me acostumar com isso”, disse, depois da primeira explosão sonora, em tom meio choroso. Ela estava escrevendo no quadro. Menos de um minuto depois, veio a segunda, ainda mais forte. As portas e janelas tremeram e o lustre balançou. Fuck them, falou Narjess.

Naquele dia, mais cedo, eu tinha colocado meu celular na mesa ao chegar para a aula e ela apontou sorrindo para a minha tela de proteção. A imagem é um keffiyeh, o lenço típico palestino. Tenho a impressão de que a escola orienta os professores a falarem o mínimo possível sobre a situação na região, nada além do genérico “vamos torcer para ficar tudo bem logo”. Mas, nesse dia, ela pareceu ficar mais à vontade.

Os libaneses têm um jeito meio parecido com o nosso, e fazem piadas sarcásticas sobre a própria desgraça o tempo todo. Ela me contou o que tem se dito como lema nesses dias: “Se você sentir só o chão tremendo, tudo bem. É só um terremoto. Se ouvir só uma explosão, tudo bem também: é só uma quebra da barreira de som. Mas, se você sentir um tremor e ouvir uma explosão ao mesmo tempo, aí você precisa se preocupar: é um bombardeio”, me disse.

Narjess tem 22 anos, um filho de 8 meses e é muçulmana (imagino que xiita, mas não perguntei). Me contou que, no dia do bombardeio a Dahieh, seu bebê estava no bairro, na casa da avó paterna, enquanto ela dava aulas. Recebeu uma mensagem avisando do bombardeio e passou mal na hora. Mesmo após confirmar que toda a família estava bem, não conseguiu voltar a trabalhar.

Ela e seu marido estão morando em Achrafieh, bairro onde fica a escola – uma área de elite (que tem também moradias mais populares), a cara “francesa” (ou pretensamente francesa) de Beirute, de maioria cristã, apontado como “o último lugar a ser bombardeado” no Líbano.

20 DE AGOSTO, TERÇA-FEIRA_A proprietária do apartamento me encaminhou uma mensagem escrita em árabe. Entendi algumas palavras, algo relacionado ao fornecimento de energia, com horários assinalados. Imaginei que seriam os horários de corte de luz, que são comuns aqui. O Líbano tem um problema estrutural de geração de energia, dependendo da importação de diesel para manter as usinas funcionando.

Depois da crise econômica que explodiu em 2019, com a quebra do sistema bancário, confisco de poupanças, desvalorização abrupta da moeda e aumento exorbitante da fome e do desemprego, ficou mais difícil pagar a importação de combustíveis (o diesel vem, principalmente, do Iraque). A eletricidade “do governo”, como é chamada aqui, chegou a ser fornecida por apenas uma hora ao dia. Todo o resto depende da contratação de geradores particulares.

Há empresas que oferecem uma assinatura mensal de geradores, normalmente instalados para atender bairros inteiros. Fora isso, há prédios com geradores próprios. Mesmo esses, no entanto, são desligados algumas vezes por dia – tanto para evitar sobrecarga nas máquinas, como para economizar diesel. Quando cheguei ao Líbano, havia cortes de oito horas por dia em casa. Até o ano passado, eram ainda cinco horas diárias.

No apartamento novo, o serviço (caríssimo) é, em tese, 24 horas, sem cortes. Mas tem muitas oscilações e é interrompido por algumas horas, sem aviso prévio, durante certas madrugadas. E mesmo sendo cara, a energia oferecida é limitada: não é possível ligar dois aparelhos de ar-­condicionado ao mesmo tempo, ou usar o micro-ondas enquanto o ar está ligado.

Respondi à proprietária, que me confirmou que a mensagem era da empresa responsável pelos geradores do bairro. Eles estavam avisando que, diante do apagão geral que tinha acontecido no fim de semana, haveria cortes de luz. Pediam também para moderar o consumo de energia nos próximos dias.

Só aí fui ver as notícias sobre o blecaute: a empresa pública tinha ficado sem combustível no sábado, e precisou interromper o funcionamento da última usina elétrica em operação, localizada no Sul do Líbano. A interrupção do fornecimento de luz afetou a distribuição de água em algumas regiões (aquelas nas quais as empresas responsáveis dependem da energia “do governo” para bombear seus dutos), assim como o tratamento de esgoto e o funcionamento do aeroporto. Além da dificuldade de importação, parte do diesel havia sido usada nas ações militares contra Israel. É a crise dentro da crise dentro da crise.

21 DE AGOSTO, QUARTA-FEIRA_Hoje me senti meio paralisada entre meus “dois mundos”, já que vivo no Líbano e trabalho a maior parte do tempo com temas do Brasil. A rotina é acordar, ler as notícias da guerra, do massacre em Gaza, dar uma olhada nos veículos do Oriente Médio. Depois mudo a chave para ler as notícias do Brasil, olhar as redes sociais. Como trabalho cobrindo mudanças climáticas, então transito de uma crise humanitária para outra.

À noite, fui à Aaliya’s Books, uma livraria, café e centro cultural que fica perto da minha casa, para assistir à gravação do podcast de Wael Taleb, jornalista libanês que me ajudou na ida a Dahieh. A entrevistada era a americana Abby Sewell, diretora de notícias da agência Associated Press para o Líbano, Síria e Iraque. Foi muito bom conhecer Wael pessoalmente e estar com outros jornalistas.

24 DE AGOSTO, SÁBADO_A proprietária do apartamento me mandou uma mensagem avisando para não esquecer de deixar um balde cheio d’água na porta, para a limpeza das escadas. Não entendi bem, mas eu não costumo entender a dinâmica dos serviços (e de muitas outras coisas) por aqui. Apenas obedeci.

Saí de casa para ir ao mercado e, descendo os quatro andares de escada (o prédio, antigo, não tem elevador), vi a cena inusitada: cada apartamento com seu baldinho na porta. A empresa da limpeza – a mesma que faz a coleta de lixo – não tem equipamentos ou acesso a uma torneira geral do prédio para realizar a função. Por isso, cada morador precisa providenciar seu balde com água.

As soluções capengas para problemas estruturais não são um reflexo direto das tensões militares de agora. São o resultado de muitos anos de instabilidade, ataques e conflitos. A crise econômica, claro, agravou tudo isso.

25 DE AGOSTO, DOMINGO_Acordei e vi uma mensagem da embaixada brasileira no grupo de WhatsApp criado para transmitir avisos oficiais. Era uma orientação semelhante às já enviadas em outros momentos de escalada. Mas, em vez de “brasileiros que não considerem essencial sua permanência no Líbano devem sair por meios próprios”, essa dizia que “a embaixada recomenda aos nacionais residentes ou de passagem pelo Líbano que se ausentem do país, por meios próprios, até o retorno à normalidade”. Além disso, orientava brasileiros fora do Líbano a não virem e, aos que decidissem ficar, a “não permanecer no Sul, em zonas de fronteira ou em outras áreas de reconhecido risco”.

Durante a madrugada e a manhã, o Hezbollah lançou mais de 320 foguetes contra onze bases militares israelenses, aproximando-se de Tel Aviv. Os ataques foram anunciados como a primeira fase da resposta ao bombardeio do fim de julho em Beirute. Um pouco antes de o Hezbollah iniciar o ataque, os sistemas de inteligência de Israel captaram a movimentação. Israel se antecipou e atacou o Sul do Líbano durante a noite. Segundo o relato dos moradores da fronteira, foi uma das piores noites desde outubro do ano passado. Os riscos de escalada tinham subido muito, outra vez.

Um discurso do secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, foi anunciado para o fim da tarde. Antecipando mais uma possível quebra da barreira de som na hora do discurso, jornais locais começaram a publicar orientações de segurança, como ficar longe das janelas de vidro, deixando sempre uma fresta aberta, para evitar que fossem estilhaçadas.

Tínhamos programado passar o dia na praia, o que pouco fizemos neste verão. As praias aqui são belíssimas, tanto ao Sul quanto ao Norte de Beirute. Desistimos. Estava tudo tenso e imprevisível. Um pouco depois começaram a chegar as mensagens da família e amigos. Conversei com minha mãe e um grupo de amigas muito próximas, que são como irmãs para mim.

Minha mãe estava relativamente calma, mas me pediu para pensar nos planos “B, C e D”, caso precisasse sair. Comentei, por mensagem, com as amigas: “Posso estar muito errada, mas até agora não acho que seja algo diferente do que já tava acontecendo. Um horror sem tamanho, claro, mas não parece que seja um novo patamar ou começo de uma guerra aberta.” E completei: “Corta para daqui a três horas eu fazendo as malas e fugindo pq deu merda rs.”

Saímos pelo bairro para comer e beber. Tudo muito vazio, as ruas mais desertas do que de costume. Às 18 horas, começou o discurso do secretário do Hezbollah. Acompanhei da rua, pelo celular, a cobertura ao vivo de um jornal local. Pelo que entendi do tom, ele indicava que estavam “satisfeitos” com a retaliação, e que provavelmente pararia por ali.

Não houve quebra da barreira de som.

26 DE AGOSTO, SEGUNDA-FEIRA_Falei com Narjess e reagendei minha aula de árabe. Não tinha estudado nada durante o fim de semana.

31 DE AGOSTO, SÁBADO_Descansei, dormi, cozinhei, li, ouvi o álbum novo da Liniker, assisti a séries. Nem coloquei o pé na rua. Estava exausta, mas, depois da tensão do último domingo, parece que as coisas voltaram àquele estado de normalidade/alerta.

1º DE SETEMBRO, DOMINGO_Acho que a conta emocional do mês chegou. A última semana foi mais calma em relação à guerra, e acho que isso, de alguma forma, deu espaço para as emoções aflorarem. Passei o dia em casa de novo, mas prostrada, sem energia.

A parte boa foi ficar mais de duas horas em chamada de vídeo com Lulu, minha sobrinha e afilhada de 5 anos, filha do meu irmão. A saudade que sinto dela é imensa. Conversamos enquanto ela tomava café e escolhemos, juntas, a roupa que ela iria usar. Depois, ela colocou o celular na cestinha da bicicleta e me levou para passear.

Charbel estava na casa da mãe, em Jeita, nas montanhas. Ela precisa de cuidados permanentes e ele passa os fins de semana lá, a cada quinze dias, durante a folga das cuidadoras. Pouco antes das 22 horas, me avisou que a cuidadora tinha chegado, mas que ele só voltaria no dia seguinte. Me dei conta de que o fim de semana já tinha acabado e eu estava em casa desde sexta.

Desci para comer na lanchonete em frente ao meu edifício e comecei a chorar, meio perdida, meio angustiada, me sentindo absolutamente sozinha desse lado de cá do mundo. Nem consegui comer. Um funcionário, trabalhador da limpeza, se aproximou, me ofereceu um lencinho e me confortou, em árabe. Acho que entendi uns 10%, se muito, do que ele disse. Mas foi bonito. Ele disse que às vezes também se sente assim, e que tudo bem. Que as coisas iam melhorar. Ainda pegou meu lanche, embrulhou e me disse para levar para casa e comer quando estivesse melhor.

4 DE SETEMBRO, QUARTA-FEIRA_Entrei nas redes sociais e me deparei com os muitos posts sobre o assassinato da menina que andava de patins em Gaza. Isso me destroçou. A imagem do corpo dela coberto com um lençol, deixando os patins ainda calçados aparentes, foi umas das coisas mais brutais que já vi.

Em poucos dias, chegaremos a onze meses de genocídio dos palestinos, iniciado por Israel depois do ataque do Hamas que matou 1,2 mil pessoas em 7 de outubro. Parece que nada será visto como um limite, uma linha vermelha. Tudo indica que Netanyahu aposta tudo no massacre e dobra a aposta a cada semana, ciente de que sua sobrevivência no poder depende disso. É perturbador estar tão perto e fazer tão pouco.

7 DE SETEMBRO, SÁBADO_Fui a um café com Bakar, um jovem jornalista libanês-­australiano que veio morar no Líbano recentemente, a quem conhecia de redes sociais. Bakar, de família muçulmana sunita, é filho de libanesa, mas nasceu e viveu na Austrália. Depois de se formar na universidade, resolveu vir para cá – contra a vontade dos pais – e trabalhar com produção audiovisual. Disse querer fazer algo relevante por sua terra. Está morando entre Trípoli e Beirute. Começou a produzir um documentário.

À noite, fui a um festival de rua em Hazmieh, ao Sul de Beirute. Vi um grupo de adolescentes dançando dabke, o ritmo típico da região árabe do Levante. Muitas famílias, idosos com cadeiras assistindo ao show, dançando. Essa capacidade de reconstrução e continuidade do povo libanês sempre me emociona.

9 DE SETEMBRO, SEGUNDA-FEIRA_Mais um alerta. Escalada e ameaça de guerra aberta mais uma vez. Netanyahu declarou que instruiu as Forças de Defesa a “se prepararem para mudar a situação no Norte” (de Israel, o Sul do Líbano). Os ataques israelenses na região se intensificaram novamente. No final de semana, três socorristas da Defesa Civil libanesa foram mortos por um bombardeio, o que gerou muita comoção. A sensação é de que cada novo alerta de escalada é menos assustador do que o anterior – o que é estranho para mim. Claro, a gente precisa seguir vivendo e, estando aqui, é impossível não lidar com isso tudo de uma forma diferente. Mas não quero endurecer a ponto de me acostumar a viver assim.

17 DE SETEMBRO, TERÇA-FEIRA_Parece episódio de Black Mirror: hoje aconteceu uma explosão em massa de pagers – sim, aquele dispositivo portátil pré-­histórico, que é usado aqui como forma de comunicação pelo Hezbollah. O Ministério da Saúde confirmou 2,8 mil feridos e doze mortos, entre eles duas crianças, como consequência da explosão simultânea de pagers em vários pontos do Líbano. O Ministério das Relações Exteriores responsabilizou Israel, que ainda não se pronunciou sobre o ataque. Houve explosões no subúrbio Sul de Beirute, no Vale do Bekaa e em diversas cidades do Sul do país.

Eu estava esperando Charbel vir me buscar em casa para irmos ao aeroporto, porque eu tinha uma pendência do visto para resolver. No caminho – que passa por uma das áreas em que houve explosões –, começamos a ver muitas ambulâncias, as ruas engarrafadas e, em certo ponto, um aglomerado de soldados. Nas redes sociais e no noticiário, já havia pedidos de doação de sangue. Decidimos voltar para casa. Parece que entramos em um novo capítulo da guerra.

18 DE SETEMBRO, QUARTA-FEIRA_Novas explosões, agora em walkie-talkies e rádios de mão. Beira o inacreditável. O Ministério da Saúde confirmou 608 feridos e 25 mortos nos ataques de hoje, que ocorreram por volta das 17 horas, novamente ao mesmo tempo em vários pontos do país. Uma das explosões, no subúrbio Sul de Beirute, aconteceu durante o funeral de uma das vítimas de ontem. Até agora, a hipótese mais forte entre especialistas em segurança digital é a de que os dispositivos tenham sido modificados pela inteligência israelense com a inclusão de explosivos detonáveis a distância antes de chegarem ao Hezbollah. A outra possibilidade, que parece ganhar mais força com as novas explosões, é de que as ondas de rádio tenham sido hackeadas para superaquecer as baterias de lítio, levando à explosão dos aparelhos. A comunicação por pagers fora adotada pelo Hezbollah meses atrás para escapar da vigilância dos telefones celulares feita pelo serviço secreto de Israel.

Os pedidos por doação de sangue se intensificaram, e já faltam estoques. À noite, o Exército encontrou uma bomba dentro de uma ambulância em Beirute. Foi detonada em segurança, fazendo um estrondo bem alto. Na mídia local e nas redes sociais, muita gente relatando pânico, inclusive de médicos e integrantes da Defesa Civil, que também usam pagers, e estão com medo de manter seus aparelhos consigo.

Na segunda-feira, antes das explosões, tínhamos combinado com amigos, todos libaneses, de ir ao cinema hoje. A sugestão foi minha, que tinha assistido ao filme Arzé sozinha no fim de semana: é uma produção libanesa, premiada, que entrou em cartaz recentemente. Todos mantiveram o plano, inclusive Charbel. Mas, para mim, era impensável ir ao cinema logo depois das explosões. Amanhã vou doar sangue no posto da Cruz Vermelha.

19 DE SETEMBRO, QUINTA-FEIRA_Nova tentativa de estender meu visto, que expira amanhã. A solução é ir diretamente a um posto do Departamento Nacional de Segurança, o que estava tentando fazer na terça-feira quando as explosões começaram. A crise na administração pública tem afetado todos esses serviços, tornando quase impossível acessar serviços digitais ou obter informações básicas – o que piora com a ameaça de guerra. Estava constrangida de ir ao departamento de segurança depois de um ataque dessa magnitude para algo tão simples, mas era o único jeito. O posto estava lotado. Muitos imigrantes – em grande parte sírios – atrás de vistos, e também libaneses buscando passaportes de emergência para deixar o país às pressas. Depois de muita confusão e entrada em filas aleatórias, dois oficiais me disseram que eu poderia resolver minha pendência ali. Mais fila. Cheguei finalmente ao guichê, para ser informada de que estava no prédio errado. Precisei ir até outro bairro, mas resolvi a burocracia.

Às 17 horas, o secretário-geral do Hez­bollah discursou. Assisti de casa, abrindo as janelas e portas para evitar estilhaços durante as prováveis quebras de barreira de som. Dessa vez, vieram duas, muito altas, durante o discurso. Ao mesmo tempo, bombas eram despejadas sobre o Sul do Líbano. No discurso, Hassan Nasrallah, o secretário do Hezbollah, prometeu não encerrar o que chama de “frente de apoio” no Sul do Líbano, até que haja um cessar-fogo em Gaza e o fim dos ataques israelenses na Cisjordânia. Chamou as explosões dos últimos dias de um “massacre sem precedentes”. Foi genérico quanto à resposta: disse que virá, mas não “quando, onde e como”.

Na terapia, falei sobre a ida de Charbel e amigos ao cinema, e minha decisão de não ir. Tem sido um desafio entender a maneira como cada um de nós lida com esse horror cotidiano – e, mais que isso, equilibrar essas perspectivas tão diferentes. Tivemos atritos nas últimas semanas. Só ontem me dei conta de que, na fala dele e dos amigos, a opção por continuar a vida mesmo em dias assim tem algo além de normalização e negação. Há uma sensação de que continuar vivendo – e até se divertindo – é também uma forma de não entregar o controle de suas vidas “a eles” (Israel). Charbel me disse: “Eu mal vi meus amigos durante todo o verão e não quero abrir mão disso outra vez. Eles querem nos aterrorizar e não vou mudar meus planos por causa deles.”

20 DE SETEMBRO, SEXTA-FEIRA_Novo bombardeio a Dahieh, o subúrbio Sul de Beirute. São 51 mortos (entre eles ao menos três crianças), 66 feridos e dez desaparecidos. Israel declarou ter matado Ibrahim Akil, do alto escalão do Hezbollah, e outros dez comandantes. Dois prédios foram destruídos. Depois do ataque, por volta das 15h40 no horário local, ouvi muitas ambulâncias. O Hezbollah respondeu com foguetes no Norte de Israel: cerca de duzentos, segundo o Exército israelense. Alguns atingiram bases militares.

Seguem as dúvidas sobre as explosões dos pagers e walkie-talkies. Desde ontem, uma nova hipótese está sendo ventilada na imprensa: o Mossad, serviço de inteligência israelense, poderia ter criado uma empresa de fachada no Leste Europeu para vender os dispositivos com explosivos. Nada foi confirmado. A sensação é de que Israel pode violar leis internacionais quando e como quiser e seguir dobrando a aposta, dia após dia.

23 DE SETEMBRO, SEGUNDA-FEIRA_Quase quinhentas pessoas foram mortas hoje, no pior dia desde o começo da guerra. Entre os mortos, no mínimo 35 crianças e muitos civis, principalmente no Sul do Líbano e no Vale do Bekaa. São mais de 1,6 mil feridos. O Hezbollah respondeu lançando duzentos foguetes na parte Norte de Israel. Em um dia, o número de mortos no Líbano chega a quase metade do total de vítimas fatais da guerra de 2006, entre Israel e o Hezbollah, que durou pouco mais de um mês e vitimou 1 191 pessoas.

Passamos o fim de semana, de novo, na apreensão. Minha ideia era decidir, entre sábado e domingo, se ficaria mais aqui ou tentaria voltar ao Brasil. Ontem fomos ao Riwaq, um bar e centro cultural em Beirute, que é um ponto de encontro antifascista. Estava mais vazio e menos efusivo do que de costume, claro.

Não sei o que fazer sobre minha permanência. Sinto que não estou em risco direto, e vejo muitas pessoas seguindo suas vidas. Acho que, estando aqui, posso ao menos contar algumas dessas histórias, contribuindo de alguma forma. Charbel acha que devo ir por um tempo, mas ele teria que ficar – em razão do trabalho e dos cuidados que a mãe e a tia, também idosa, exigem. Por mais que não haja qualquer pressão para que eu permaneça, a ideia de ir e deixá-lo aqui é horrível.

Hoje de manhã, muitas pessoas em vários pontos do Líbano, inclusive Beirute, receberam ligações em seus celulares com supostas ordens de evacuação do Exército israelense. Acordei vendo os relatos nos grupos de jornalistas no Whats-App. Foram mais de 80 mil ligações, segundo a mídia local, espalhando ainda mais pânico. Uma das ligações chegou ao Ministério da Informação, que recebeu uma ordem de evacuação imediata de seu prédio, em Beirute. O ministério seguiu com suas atividades e declarou, através da mídia oficial, que as ligações são parte da guerra psicológica aberta por Israel.

No Sul do Líbano, no entanto, as ordens de evacuação foram oficiais. De manhã, o porta-voz do Exército de Israel disse que “qualquer pessoa próxima ou em lugares usados pelo Hezbollah para esconder armas” deveria se afastar imediatamente. É o mesmo procedimento que vem sendo usado em Gaza há um ano, para buscar legitimar o ataque indiscriminado a civis. As pessoas são responsabilizadas por estarem supostamente próximas às armas, e recebem ordens sumárias de evacuação sem que tenham para onde ir. Se ficam, são mortas. A comparação é meio absurda, eu sei, mas é mais ou menos como se a Polícia Militar do Rio de Janeiro bombardeasse to­da a comunidade da Maré para dar fim ao tráfico.

À noite, milhares de famílias desalojadas do Sul começaram a chegar a Beirute, depois de nove horas de trânsito nas estradas lotadas (num dia normal, o trajeto dura pouco mais de uma hora).

As mensagens de amigos e familiares não param de chegar: algumas mais cuidadosas, perguntando por mim e oferecendo ajuda, outras mais assustadas, me mandando ir embora. Tentei responder a todos, mas não consegui. Com tanto barulho (mental e literal) tenho dificuldade até de pensar.

25 de setembro_O Itamaraty confirmou hoje que um adolescente brasileiro e seu pai morreram nos bombardeios de Israel, que já deixaram mais de 600 mortos. Mais de 90 mil pessoas estão desalojadas. Um tenente-general anunciou que o exército de Israel está se preparando para fazer uma ofensiva terrestre contra o Líbano. Tenho buscado passagem de ida em voos comerciais, mas os preços dispararam, chegando a 25 mil reais – cinco vezes mais do que costumam custar. Além disso, muitos voos têm sido cancelados.

Ainda estou em Beirute.

Leila Salim

É jornalista e pesquisadora em comunicação política

O Bem Blogado precisa de você para melhor informar você

Há sete anos, diariamente, levamos até você as mais importantes notícias e análises sobre os principais acontecimentos.

Recentemente, reestruturamos nosso layout a fim de facilitar a leitura e o entendimento dos textos apresentados.
Para dar continuidade e manter o site no ar, com qualidade e independência, dependemos do suporte financeiro de você, leitor, uma vez que os anúncios automáticos não cobrem nossos custos.
Para colaborar faça um PIX no valor que julgar justo.

Chave do Pix: bemblogado@gmail.com

Compartilhe:

Categorias