Desenvolvimento sustentável: Brasil em retrocesso acelerado

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Relatório Luz, em sua sexta edição, analisa 186 metas estabelecidas pela ONU em seus ODS: país está em retrocesso em 65%

Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: Moradores de Belém buscam no lixo sobras de comida após feira livre: fome faz parte dos retrocessos do Brasil para o desenvolvimento sustentável (Foto: Raimundo Pacco / AFP – 04/11/21)

O 5º Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Implementação da Agenda 2030 no Brasil, publicado no ano passado, exibiu um país de costas para o desenvolvimento sustentável com 92 das 168 metras estabelecidas pela ONU em retrocesso. Mas, no governo Bolsonaro, nada é tão ruim que não possa piorar. O 6º Relatório Luz, lançado nesta quinta (30/06), revela um país em acelerada deterioração das políticas públicas para o desenvolvimento sustentável: as metas em retrocesso aumentaram de 92 para 110 e as com progresso insuficiente passaram de 13 para 24. “O Brasil está na vanguarda do retrocesso”, disse Alessandra Nilo, coordenadora editorial e técnica do relatório, no lançamento em audiência pública virtual da Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Deputados. “O país já passou do precipício e está em queda livre”, acrescentou.

Esta sexta edição do Relatório Luz – único documento hoje no país que acompanha o status de cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – foi produzido por 101 especialistas de 48 organizações que integram o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030. “O aumento da pobreza e da fome e a perda de biodiversidade e de qualidade de vida são aqui apresentados com dados que indicam, de forma irrefutável, uma sociedade adoecida não apenas pelos efeitos devastadores da pandemia da Covid-19, mas, também, pelo crescimento das desigualdades”, destaca o documento na sua apresentação, assinada por Alessandra Nilo e outras quatro co-facilitadores do GT Agenda 2030: Laura Cury, Thiago Gehre, Adriana Ferrari e Carolina Mattar.

O documento dá seguimento a uma série histórica, iniciada em 2017 e apresenta um panorama geral das políticas sociais, ambientais e econômicas do Brasil, a partir de dados oficiais. “Os dados que apresentamos com a VI edição do RL são irrefutáveis. Eles indicam não apenas um país cada vez mais longe do desenvolvimento sustentável, como um Estado brasileiro que tem desmontado políticas, programas e orçamentos que eram essenciais para a garantia de direitos, sem que os demais poderes coloquem limites ao desmantelamento em curso”, frisou Alessandra Nilo.

Desde 2017, por exemplo, os relatórios vêm alertando para o aumento da insegurança alimentar. “Chegamos em 2022 com 33 milhões de pessoas sem comida e com a vergonhosa volta do país, uma potência global na produção de alimentos, ao Mapa da Fome”, destaca o documento. Das sete metas estabelecidas pelo ODS 1 (Erradicar a Pobreza) da ONU, seis estão em retrocesso no Brasil; a outra está ameaçada. Das oito metas do ODS 2 (Acabar com a Fome), o Relatório Luz aponta sete em retrocesso e uma estagnada. “Essa situação resulta das opções de governos que pouco fizeram para reversão do quadro, particularmente devido a uma gestão federal em curso desde 2019 que é publicamente contrária aos princípios da Agenda 2030 e se nega a cuidar das pessoas e do planeta”, afirmam os especialistas no documento.

Além do avanço da fome no país, o relatório também destaca os impactos da crise de saúde resultante da pandemia de covid-19. “O fato de o Brasil ter se consolidado como a terceira nação em número de mortes mesmo após o advento das vacinas, falaria por si. Os dados analisados evidenciam políticas, ações e sistemas de monitoramento interrompidos; orçamentos essenciais reduzidos ou esvaziados; espaços de participação popular eliminados e um menor acesso às informações”, denuncia o Relatório Luz.

A apresentação do documento foi dividida em três eixos: social, ambiental e econômico, com a avaliação dos retrocessos em cada um deles. “Nós estamos vivendo uma tragédia social. As 33 milhões de pessoas que passam fome são a parte mais escandalosa de um país em empobrecimento acelerado. Estamos regredindo em politicas sociais básicas”, afirmou o economista Francisco Menezes, analista da ActionAid, que participou da produção do Relatório Luz.

Ao exemplificar a tragédia social, Menezes destacou – além da “epidemia de fome” – o aumento da taxa de mortalidade infantil e da taxa de mortalidade materna. “São taxas que vinham em curva descendente por anos e agora voltaram a subir.  A taxa de moralidade materna teve uma subida acentuada em 2021”, enfatizou o economista da ActionAid, um dos apresentadores das metas do Eixo Social dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Das 74 metas do eixo social, o Relatório Luz aponta 52 (70,3%) em retrocesso; oito ameaçadas, quatro estagnadas, nove com progresso insuficiente.

Moradora de Caxias, na Baixada Fluminense, com cesta distribuída pela Ação da Cidadania: combate à fome e à pobreza em retrocesso (Foto: Daniel Ramalho / AFP - 21/12/2021)
Moradora de Caxias, na Baixada Fluminense, com cesta distribuída pela Ação da Cidadania: combate à fome e à pobreza em retrocesso (Foto: Daniel Ramalho / AFP – 21/12/2021)

O balanço é ainda pior no eixo ambiental: das 35 metas, 20 estão em retrocesso, oito estagnadas e quatro ameaçadas. “Se a gente falar no que não avançou ou retrocedeu, a gente está falando em 91% das metas. É o nível da gravidade do problema enfrentado no eixo ambiental onde assistimos um desmonte das políticas públicas e dos órgãos de fiscalização”, afirmou a pesquisadora Alice Junqueira, da ONG Climax Brasil, que também destacou o racismo ambiental, com os impactos da crise climática atingindo principalmente os negros e também as mulheres.

No eixo econômico, o Relatório Luz apresenta um Brasil com 37 das 57 metas em retrocesso. “O país vive um grave retrocesso industrial. A participação da indústria no PIB nacional caiu para níveis inferiores a 1947. Com esse retrocesso da indústria, o Brasil passa a depender cada vez mais da exploração de bens primários, retornando ao passado, vivendo um período neocolonial”, afirmou o economista Claudio Fernandes, responsável pela apresentação do eixo econômico, quando criticou os governos pela falta de investimentos em infraestrutura e logística. “Este é o retrato da economia brasileira: uma economia estrangulada há uma década. Não há desenvolvimento sustentável nem há desenvolvimento algum”, enfatizou.

Presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos ODS e da Agenda 2030 e anfitrião do encontro, o deputado Nilto Tatto destacou que a gravidade do período. “O governo age sistematicamente contra o desenvolvimento sustentável, ignorando ou atacando direitos sociais, ambientais e econômicos”, afirmou o parlamentar.  Alessandra Nilo, coordenadora do Relatório Luz, lembrou, entretanto, no fim do encontro, que, pelo menos, 14 estados e dezenas de municípios no país já usam a Agenda 2030 como ferramenta no planejamento da gestão. “São gestores que estão fazendo a sua parte, como nós, da sociedade civil, estamos fazendo a nossa, inclusive elencando, no relatório, mais de 160 recomendações para o país retomar o caminho para chegar aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, afirmou.

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