Estudo do Instituto Escolhas revela que 93,5% dos municípios brasileiros tiveram suas terras desvalorizadas por conta do desmatamento
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto ColaboraÁrea desmatada de floresta em Rondônia: estudo mostra que agronegócio aproveita desvalorização causada por desmatamento para expandir produção (Foto: Vinicius Mendonça / Ibama – 28/08/2019)
Desmatar a vegetação nativa, inclusive em terras públicas, para ocupar com agricultura ou pecuária é uma prática, quase sempre ilegal, denunciada com frequência na Amazônia e no Cerrado. Mas não é a única maneira que o agronegócio se beneficia do desmatamento: estudo do Instituto Escolhas mostra que o agro se aproveita da depreciação do valor da terra par expandir seus negócios. “Se você é produtor e aumentou sua área de cultivo no período de 2006 a 2017, o desmatamento foi um subsídio para a aquisição das suas terras, mesmo que você não tenha derrubado uma só árvore”, aponta o estudo ‘Como o agro se beneficia do desmatamento’, lançado, com debate virtual, nesta quinta-feira (17/02).
O trabalho – realizado em parceira com pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP) – revela que o desmatamento, ao desvalorizar o valor da terra de 93,5% dos municípios brasileiros, beneficia apenas os produtores que têm condições de aumentar sua área cultivada em detrimento daqueles que não têm as mesmas condições, por conta de limitações financeiras, de gestão, escala, força de trabalho, oferta de terras. “O desmatamento continua sendo prática corrente para a expansão da fronteira agropecuária. E são os grandes produtores do agronegócio que se aproveitam da desvalorização das terras”, acrescentou a cientista social Jaqueline Ferreira, gente de Portfólio do Escolhas e coordenadora-geral do estudo.
Os autores do estudo lembram que, de acordo com o MapBiomas, entre 1985 e 2020, o país perdeu 82 milhões de hectares de vegetação nativa. No mesmo período, a área ocupada pela agropecuária teve um incremento total de 81 milhões de hectares. Os biomas mais afetados pela expansão agropecuária em números absolutos foram a Amazônia e o Cerrado que apresentaram perda de vegetação nativa de 44 milhões de hectares e 27 milhões de hectares, respectiva, com aumento de área para uso agropecuário em valores equivalentes. “A incorporação de novas áreas é uma das estratégias utilizadas pela agropecuária brasileira para aumentar sua produção. O problema é que tal expansão tem ocorrido por meio de desmatamento, legal ou ilegal”, apontam os pesquisadores.
O estudo analisou os efeitos do desmatamento sobre os preços da terra e dos produtos agropecuários de forma isolada de outros efeitos, utilizando uma combinação de análise econométrica e espacial e concluiu que o desmatamento ocorrido entre 2011 e 2014 fez com que as terras brasileiras valessem, em 2017, R$ 136,7 bilhões a menos do que valeriam sem a retirada da vegetação nativa. Essa depreciação – de 5% – equivale a uma redução média de R$ 391,00 por hectare. Os pesquisadores apontam ainda que a depreciação chegou a r$ R$ 83,5 bilhões ou 25% do valor da terra em 2017 nos municípios em que ocorreu expansão da fronteira agropecuária – o equivalente a uma redução média de preço de R$ 985,00 por hectare.
O desmatamento provocou uma redução de R$ 3,10 no preço médio da saca de 60 kg de soja, isto é, -4,5% em relação a 2017. Essa redução foi mais acentuada em municípios classificados como região de expansão (com elevada expansão da área agropecuária, com expressiva vegetação nativa remanescente ou patamares menores de vegetação nativa, mas ainda com baixa produtividade agropecuária), devido às taxas mais altas de desmatamento. “Assim, verifica-se nesses municípios que, na ausência de desmatamento de 2011 a 2014, o preço da soja em 2017 seria, em média, 22% maior do que o observado”, calcula o estudo.
Os dados mostram que 93,5% (5.218) dos municípios brasileiros sofreram redução do preço das suas terras por conta do desmatamento. Entretanto, apenas 61 municípios (1,15%) acumularam metade (50%) da depreciação total da terra no país. Esses 61 municípios registraram 28% do desmatamento de 2006 a 2017, em relação ao total de municípios em que as terras se desvalorizaram. “Este estudo mostra que o desmatamento beneficia apenas os produtores que têm condições de aumentar sua área cultivada em detrimento daqueles que não têm as mesmas condições, por conta de limitações financeiras, de gestão, escala, força de trabalho, oferta de terras”, apontam os autores.
O estudo também mostra que outros fatores proporcionaram ganhos muitos maiores na produção agropecuária do que o desmatamento como acesso à tecnologia e à internet e orientação técnica e infraestrutura adequada. “Tenho certeza que o aumento da produtividade reduz a demanda por terras. Mas é preciso entender que expansão territorial é uma estratégia tradicional para o aumento da produção”, comentou Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e professor da FGV, no lançamento virtual.
Também presente ao debate, o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, destacou os prejuízos causados ao país pelo descontrole fundiário. “O desmatamento empobrece o país porque prejudica o comércio internacional, porque atrasa a mudança para modelos de produção mais sustentáveis. O estudo ajuda a mostrar que a floresta em pé pode ser um negócio melhor do que a floresta derrubada”, afirmou o ambientalista.
Astrini lembrou ainda que, a partir de 2002 e por mais de 10 anos, o desmatamento esteve em queda no Brasil e isso não afetou o agronegócio. “Foi um período de grande avanço da produção e da exportação agropecuária, o que mostra que desmatar não é condição para produzir mais”, argumentou. O executivo do Observatório do Clima destacou ainda que o desmatamento avançou como nunca no governo Bolsonaro tendo como alvo as terras públicas, principalmente as terras públicas. “A falta de controle, punição e governança estimula o desmatamento”.
Para Jaqueline Ferreira, o estudo pode ser mais um instrumento para os setores do agronegócio com compromisso ambiental defenderem um modelo mais sustentável. “Produtores que apostam na estratégia de intensificação, em vez da expansão da área cultivada para aumentar a sua produção, têm agora mais uma evidência de que o desmatamento os prejudica. Além, é claro, dos já conhecidos efeitos negativos sobre as condições climáticas e a imagem dos produtores brasileiros entre consumidores que exigem compliance ambiental”, afirma o estudo.
Os pesquisadores, no estudo, cobram um postura ativa dos líderes do agronegócio. “Na prática, há ainda uma tolerância silenciosa do desmatamento ilegal e uma defesa do desmatamento legal. Lideranças do setor não têm mobilizado todo o seu peso político para cobrar do governo federal e parlamentares ações efetivas para combater o desmatamento ilegal e a grilagem de terras na Amazônia e no Cerrado, para cessar o desmonte da legislação ambiental ou a rotina de atos de regularização fundiária que premiam quem desmata”, afirmam.
O estudo destaca algumas medidas para desvincular o setor agropecuário do desmatamento: rastreabilidade de todos os fornecedores das cadeias produtivas, o registro e georreferenciamento obrigatório das propriedades, com regulação e monitoramento oficial desses dados. “E é fundamental o fim do financiamento para quem desmata, barrando efetivamente crédito, benefícios fiscais e anistia de dívidas”, enfatizou Jaqueline Ferreira.