Desmatamento eleva a transmissão de doenças infecciosas na Amazônia

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Estudo alerta para as consequências do modelo de desenvolvimento econômico adotado para a região na saúde humana

Funai e Polícia Ambiental de Roraima fazem a maior apreensão de madeira do ano na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Foto Marizilda Cruppe
Funai e Polícia Ambiental de Roraima fazem a maior apreensão de madeira do ano na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Foto Marizilda Cruppe

A semana começa com duas más notícias. A primeira já era esperada: os dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, o Prodes, mostram que de agosto de 2018 a julho de 2019 o desmatamento aumentou quase 30% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018). A outra notícia preocupante é que esse desmatamento pode levar a um aumento nos casos de doenças infecciosas como a malária. Pesquisa publicada na revista Scientific Reports,  no ano passado, mostra que as áreas afetadas por um quilômetro quadrado de desmatamento produziram 27 novos casos de malária. Para alimentar um único boi é necessário o mesmo quilômetro quadrado de pasto.

Um artigo publicado no periódico americano PLOS Biology, na última sexta-feira, no exato dia em que a nossa república completou 130 anos, discutiu os impactos do desmatamento na saúde humana e dos modelos de desenvolvimento econômico praticados na Amazônia. A ocorrência de doenças infecciosas na região é muito alta (quase 99% dos casos de malária no país) e a expectativa de vida é, em média, 5 anos menor do que na região sudeste. O estudo Development, environmental degradation, and disease spread in the Brazilian Amazon (Desenvolvimento, degradação ambiental e disseminação de doenças na Amazônia brasileira) teve a participação de 13 cientistas e envolveu universidades e centros de pesquisa do Brasil, Colômbia, Estados Unidos, Inglaterra e Peru.




A cientista líder do estudo é a brasileira Marcia C. Castro, professora da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A pesquisadora diz que uma das questões levantadas é que o modelo de desenvolvimento sugerido pelo atual governo federal para a Amazônia passa uma mensagem antiga de exploração dos recursos minerais e de agricultura sem preocupação com a sustentabilidade. “Há como ter uma produção agropecuária que beneficie a população local sem desmatar a floresta desse jeito”, pondera Marcia.

Os pesquisadores apontam um conjunto de ações que poderiam mitigar os impactos da disseminação de doenças causadas pelo desmatamento. Uma delas é que sejam mantidos, reorganizados e integrados os esforços existentes no monitoramento das mudanças no uso da terra e na vigilância e controle de doenças infecciosas. Os dados coletados por instituições como o INPE e o Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas) deveriam ser integrados aos dados coletados pelo Ministério da Saúde. A incorporação de alertas epidemiológicos nesses sistemas poderia permitir uma mudança no gerenciamento de doenças.

Há como ter uma produção agropecuária que beneficie a população local sem desmatar a floresta desse jeito

Marcia C. Castro
Pesquisadora da Universidade de Harvard

Como o aumento do desmatamento está diretamente ligado ao crescimento no número de casos de malária, por exemplo, o DETER, sistema do INPE de detecção de desmatamento em tempo real e o MapBiomas poderiam servir como ferramenta adicional de vigilância para o Programa Nacional de Controle da Malária com o objetivo claro de conter surtos locais. “O mais importante é que essa estratégia não requer novos investimentos de recursos financeiros, pois os dois sistemas estão totalmente desenvolvidos”, explica Marcia. E acrescenta “estou otimista porque já havíamos começado esse diálogo entre as instituições e estamos montando uma rotina para que os agentes locais possam receber esses alertas e reagir de forma proativa.”

As cento e onze toras somaram 327,24 metros cúbicos que foram doados para a prefeitura municipal de Campo Novo de Rondônia, distante 76 km do ponto do desmate. Foto Marizilda Cruppe
As cento e onze toras somaram 327,24 metros cúbicos que foram doados para a prefeitura municipal de Campo Novo de Rondônia, distante 76 km do ponto do desmate. Foto Marizilda Cruppe

Outra solução apontada pelo estudo é o protocolo criado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) para tratar o açaí antes do processamento para evitar a contaminação do produto com o transmissor da doença de Chagas, o barbeiro. A disseminação desse conhecimento para produtores locais seria viável através de parcerias entre setores da agricultura, da saúde e do comércio, promovendo os comitês locais existentes, como o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. O estudo ressalta que, de forma mais ampla, a integração de dados ambientais, de saúde e socioeconômicos deveria ser a base para o desenvolvimento de ferramentas de vigilância e sistemas de alerta para aumentar a eficácia das estratégias de controle de doenças. A inclusão de dados e informações dos outros países que compõem a Amazônia aumentaria a capacidade de monitorar a bacia amazônica e responder às ameaças de surtos.

Outra medida seria considerar as perspectivas regionais. Um dos efeitos da crise na Venezuela foi o aumento da degradação ambiental devido à mineração ilegal e a disseminação de casos de sarampo e malária para países vizinhos com o êxodo de cidadãos venezuelanos. O estudo ainda alerta para as consequências da redução dos investimentos governamentais em saúde pública e conservação e para os riscos de um afrouxamento na legislação ambiental brasileira: “Esses fatores podem reverter décadas de melhoria nos resultados de saúde e redução do desmatamento, potencialmente levando a um cenário devastador de perda ambiental e aumento das desigualdades, como observado no Brasil na década de 1980 e início da década de 1990”, diz o texto.

O impacto financeiro de doenças como a malária no Sistema Único de Saúde (SUS) não é conhecido, pois não há estudos amplos que considerem todos os aspectos envolvidos, desde o custo dos testes da doença, da hospitalização e do controle do vetor, por exemplo. Conhecer este universo é a próxima missão da pesquisadora, formada em Estatística pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, mestre em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora em Demografia pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. A professora de Harvard conta que o novo estudo foi iniciado há pouco tempo e levará pelo menos um ano para ser concluído.

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