Carregados pelo rio Amazonas, resíduos agrícolas e esgoto provocam crescimento desordenado de macroalgas nas praias, prejuízo econômico e danos ambientais
Compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Funcionários dos hotéis e moradores da região de Playa del Carmen tentam retirar o sargaço das praias. Foto Artur Widak/NurPhoto via AFP
(Tulum, México) – Você já ouviu falar em sargaço? Não? Nem eu. Pelo menos até chegar ao México com a intenção de passar alguns dias aproveitando as águas azuis cristalinas das praias da Riviera Maya. O tal do sargaço é uma reunião de algas marinhas enormes que invadem as areias da costa mexicana, especialmente entre Cancún e Tulum. Além de grandes, elas têm uma cor marrom característica e um odor sulfuroso que provoca dor de cabeça, enjoo e praticamente impede o mergulho no mar. O fenômeno vem causando prejuízos enormes ao turismo da região e ao meio ambiente. As tartarugas marinhas, por exemplo, algumas gigantes, muitas vezes não conseguem chegar até a areia para pôr os seus ovos. Mas a surpresa maior não foi conhecer o sargaço, mas descobrir uma das principais causas da sua existência: o nosso velho e cada vez mais lamentável desmatamento da Amazônia.
Os cientistas evitam, sabiamente, apontar uma única causa para a proliferação dos sargaços nesta região do México, mas são unânimes em garantir que o Brasil e o desmatamento da Floresta Amazônica têm uma considerável parcela de culpa. Seriam basicamente três as causas: a primeira delas é o próprio desmatamento. Sem a cobertura florestal, a água das chuvas lava o solo e leva seus elementos químicos para os rios, entre eles o nitrogênio, que é um importante nutriente para o sargaço. A segunda causa é que, com a floresta derrubada, vem a agricultura e com ela os fertilizantes e os agrotóxicos, que também são carregados pelo Amazonas. A terceira razão é a histórica falta de saneamento no Brasil. Esses resíduos humanos também são carreados pelos rios e servem de “alimento” para as macroalgas.
Essa sujeira toda é levada pelo rio Amazonas que lança, em média, 210 mil metros cúbicos de água no oceano a cada segundo. Para quem gosta de comparações, isso é mais do que a vazão combinada dos outros sete maiores rios do planeta. As correntes marinhas da região fazem o resto do trabalho e levam esses nutrientes para as outrora praias paradisíacas da Riviera Maya. Os prejuízos econômicos, sociais e ambientais são óbvios. Mais de 80% do PIB da região vêm do turismo e algumas agências dos EUA e da Europa já começam a retirar o México dos seus pacotes.
Em tese, esse crescimento das algas é cíclico e até benéfico quando acontece em quantidades normais. Durante muito tempo elas se limitavam a florescer e permanecer no oceano, em quantidades bem menores, oferecendo uma alimentação saudável para peixes, camarões, tartarugas e aves. O problema é que agora está sendo formada a maior floração de macroalgas do mundo. Dados da Nasa indicam a existência de um cinturão de algas flutuantes com quase nove mil quilômetros de comprimento.
Essas enormes ilhas marrons impedem a luz solar de alcançar os recifes de coral e causam todo tipo de dano à fauna e à flora.
Esses efeitos começaram a ser observados em 2011. Só que, de 2018 para cá, eles ficaram ainda mais intensos. Eles costumavam aparecer entre abril e agosto, mas agora podem surgir praticamente em qualquer época do ano e cada vez em volumes maiores. As autoridades da região esperam um novo recorde em 2022. Com isso, as taxas de ocupação dos hotéis e pousadas só fazem cair. Empresários, governos e moradores se mobilizam para retirar o sargaço das areias, investem em barreiras de contenção e no trabalho regular de limpeza das praias. Há dois anos o presidente Lopes Obrador pediu que a Marinha ajudasse nesse trabalho. Tudo sem muito sucesso, a proliferação é mais rápida. E o pior é que esse lixo está sendo jogado em locais sem preparação prévia para recebê-los, o que pode vir a causar novos danos, com a infiltração de material tóxico no solo.
Um novo esforço local agora é para tentar transformar o sargaço em matéria-prima para a produção de artesanato ou mesmo como uma espécie de fertilizante natural. Mas a solução definitiva passa por ações nos países de origem, como o Brasil, que precisariam zerar o desmatamento e universalizar o saneamento. Ações muito pouco prováveis com o governo que temos.
O cientista britânico James Lovelock, criador da Teoria de Gaia, que morreu no mês passado, escreveu: “Basta um pequeno movimento do planeta em que vivemos para causar a morte de alguma fração de milhão de pessoas…estamos abusando tanto da Terra que ela poderá se insurgir e retornar ao estado de 55 milhões de anos atrás”. Não há registros de que Lovelock tenha ido ao México e nem pesquisado o sargaço. Não era necessário. É tudo uma questão de bom senso. A Teoria de Gaia é aquela que afirma que a Terra é uma comunidade única, formada por organismos que se completam e interagem uns com os outros. Um lugar onde todas as reações físicas, químicas e biológicas estão interligadas e não podem ser analisadas separadamente.
Para quem tiver interesse em pesquisar um pouco mais sobre o sargaço, recomendo os trabalhos dos cientistas Mengqiu Wang e Chuanmin Hu, da Universidade do Sul da Flórida; de Emilio Mayorga, da Universidade Estadual de Washington; e do brasileiro Carlos Noriega, do Laboratório de Oceonografia Física Estuarina e Costeira da Federal de Pernambuco.