Por Wagner Francesco, Justificando –
Em meio a muitas aberrações – a última sendo um magistrado autorizando a tortura de adolescentes – amanheço numa quinta-feira (03) vendo outra coisa bizarra: Justiça de Araucária decide que pais poderão ser indiciados por menores de 18 anos nas ocupações.
É o seguinte: se os pais não convencerem os filhos a saírem da escola ocupada, podem sofrer as sanções administrativas do art. 249 da Lei nº 8.069/90.
Mas afinal de contas, podem realmente os pais responderem por isso ou tudo não passa autoritarismo judicial? O artigo em questão fala em descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda.
Vamos lá. Tudo começa com a Constituição Federal:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Isto é, é dever dos pais garantir que seus filhos tenham direito à vida, à saúde […] a educação, ao lazer etc.
Em outro artigo da Constituição Federal,
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Isto é, os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores […]
Ao lermos esses dois artigos da Constituição Federal, chegamos ao sentido do artigo 249 do ECA. Desse modo, descumpre o ECA os pais que não garantes aos seus filhos o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação. Descumpre o ECA os pais que não assistem a seus filhos, abandonando-os à própria sorte. Ou desenhando: este artigo 249 (ECA) se refere ao dever dos pais de não abandonar material, afetiva e intelectualmente os filhos. Isto é: não deixá-los passar fome, não deixar de dar carinho e não privá-los da educação.
Então é lógico que a via que o poder judiciário de Araucária está buscando pela interpretação equivocada do ECA é autoritária, pura chantagem sem embasamento jurídico, pois não descumpre, de modo algum o ECA, os pais que permitem que os filhos aprendam, na prática, a lutar por seus Direitos e a exercer a cidadania.
Alguns argumentam que permitir que os filhos estejam ocupando as escolas é a prática do crime de abandono intelectual, pois os filhos estão sem assistir aula. Penso, no entanto, que tudo isso não passa de mais uma interpretação equivocada – desta feita do que Educação signifique. Afinal de contas, quem disse que educação é só sala de aula? Educação também se faz na prática, na luta diária por seus direitos. É aula prática, fora dos livros. Educação não é sentar e ficar lendo livros. Já dizia Norberto Bobbio que “a história da luta pela conquista dos Direitos mostra que os Direitos não foram dados, mas conquistados.” Completo Bobbio: nenhum direito caiu na mão de quem ficou sentado sendo robotizado, aprendendo sobre seus direitos impressos em pedaços de papel, mas sem participar da manutenção dos direitos conquistados e da conquista de novos direitos.
Os pais que permitem que os filhos estejam em escolas ocupadas não descumprem, de modo algum, os deveres inerentes ao poder familiar. Ao contrário, garante aos filhos outros meios de educação e aprendizado, que no futuro será de grande valia para todos os estudantes e, em especial, para toda a sociedade.
De outro modo, descumpre a Constituição e o ECA os magistrados que pregam a tortura contra jovens e que leem de forma autoritária e irresponsável o artigo 249 do ECA, justamente para impedir duas coisas essenciais numa democracia: a liberdade de expressão e o direito de se organizar, pacificamente, em locais públicos para exigir seus direitos.
“O direito ao espaço público não é um presente. Ele tem de ser tomado pelo movimento político”, diria David Harvey.
Lamentável que tenhamos juízes autorizando tortura e lendo o ECA para prejudicar a formação política de adolescentes. O problema é que a cabeça pensa onde os pés pisam, e muitos magistrados puderam estudar em boas escolas, fazer boas universidades e ainda passaram 24 horas trancado no quarto estudando pra o concurso; enquanto a vida acontecia lá fora…
Mas dizia o desembargador Luiz Uiraçaba Machado:
“O juiz não deve, nos litígios possessórios coletivos, conceder ou não pedidos liminares: deve negociar, ir até o conflito e no trato democrático buscar a solução dialogal à pendência. Eis o novo: o Juiz sair de seu gabinete, sentir o conflito, nele ingressar e juntamente com os litigantes buscar solução à lide.“
Saiam do quarto, saiam do gabinete. Os secundaristas, ocupando as escolas, estão mostrando que tem vida acontecendo do lado de fora de onde vocês habitam!
Wagner Francesco é Teólogo com pesquisa em áreas de Direito Penal e Processual Penal.